O globo, n. 30909, 23/03/2018. País, p. 6
Palocci acusa STF de ‘furar fila’ com recurso de Lula
Bela Megale
23/03/2018
Preso em Curitiba, ex-ministro aguarda julgamento de habeas corpus
-BRASÍLIA- O ex-ministro Antônio Palocci, preso em Curitiba há quase um ano e meio, tem mostrado indignação com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de pautar o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes do seu.
“O Supremo criou duas categorias de cidadão: a que impetra um habeas corpus preventivo e fura a fila e a outra de quem está preso há um ano e quatro meses a espera do julgamento do mesmo recurso pelo STF”, disse o exministro na manhã de ontem aos seus advogados.
Palocci tem acompanhado a movimentação do STF principalmente pela televisão que fica em uma das celas da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde ele está detido. O ex-ministro, que costuma ser discreto e não fazer reclamações, chamou a atenção dos companheiros de cela por falar que está indignado com a ação do Supremo de “furar a fila” com o pedido de liberdade de Lula.
Ontem, o STF acabou não julgando o mérito do habeas corpus de Lula, mas decidiu que ele não pode ser preso até o julgamento do HC, previsto para o dia 4 de abril. Lula foi condenado pelo Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de prisão. Na próxima segunda-feira, o TRT julga um embargo de declaração interposto pela defesa de Lula.
FACHIN DIZ QUE DEFESA RETIROU PEDIDO
Ontem, o advogado de Palocci, Alessandro Silverio, apresentou uma nova petição, solicitando que a presidente do Supremo, ministra Carmén Lúcia, paute o pedido de liberdade do ex-ministro. “Nada justifica julgar um habeas corpus preventivo, por mais eminente que seja o paciente, em detrimento do presente habeas corpus, o qual foi impetrado muito antes do habeas corpus que V. Exa. optou por julgar na sessão de hoje, agravando a coação ilegal a que se encontra submetido Antônio Palocci Filho”, argumentou o advogado.
Em 2018, a defesa de Palocci apresentou quatro petições ao STF solicitando que o pedido de liberdade dele fosse julgado. Ontem, o ministro Gilmar Mendes citou o caso e disse que o ex-ministro aguardava o julgamento de seu habeas corpus preso. O relator do caso, o ministro Edson Fachin, disse que o processo foi retirado da pauta a pedido da defesa. Procurado pela reportagem, Silvério afirmou que isso aconteceu “há quatro meses” e que Fachin retirou o pedido da pauta usando uma fundamentação diferente daquela apresentada por ele.
No acordo de delação premiada que tenta firmar com a Procuradoria-Geral da República há quase um ano, Palocci ofereceu diversos temas ligados ao ex-presidente Lula e ao período em que atuou em seu governo como ministro da Fazenda. Em depoimento ao juiz Sergio Moro em setembro do ano passado, ele afirmou que a Odebrecht fez um “pacto de sangue”com Lula. Segundo ele o acerto foi em 2010 e incluía a compra de um terreno que abrigaria o Instituto Lula, o sítio de Atibaia e um fundo de R$ 300 milhões para fazer atividades políticas.
A defesa de Lula considerou o depoimento do ex-ministro “contraditório” com outros depoimentos de testemunhas, réus, delatores da Odebrecht e com as provas apresentadas.
“Preso e sob pressão, Palocci negocia com o MP acordo de delação que exige que se justifiquem acusações falsas e sem provas contra Lula”, afirmou nota do advogado de Lula, Cristiano Zanin.
TEMOR COM SEGURANÇA
Palocci está preso na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, e o diretor do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), Luiz Alberto Cartaxo, descarta a hipótese de que Lula, caso venha a ser preso, cumpra pena na carceragem da PF, junto ao ex-aliado. Segundo Cartaxo, há espaço no Complexo Médico Penal (CMP), de Pinhais, onde estão outros presos da Lava-Jato, como o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral.
O diretor do Depen, porém, se mostra preocupado com uma eventual prisão de Lula, e afirma que precisará de reforço no entorno do presídio.
— Se (Lula) cumprir a pena no Paraná, preocupa por causa da capacidade de mobilização de movimento social que ele tem. Há um certo risco. Vou precisar encontrar uma alternativa para garantir a segurança dos detentos e demais funcionários — alerta o diretor do Depen ao GLOBO, sem detalhar como poderia funcionar o esquema de segurança.
Cartaxo disse que o planejamento para uma possível prisão do ex-presidente começou a ser feito pelo Depen desde que o petista foi condenado em primeira instância pelo juiz Sergio Moro, em julho do ano passado. — O Paraná está pronto para recebêlo, se for o caso. O Depen já vem se preparando. Há quase um ano que penso em resolver esse problema. Mas a forma depende de um plano estratégico que envolve inteligência e integração com o poder Judiciário, Polícia Federal, Justiça Federal e o Ministério Público Federal — disse Cartax
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Um Supremo cansado beneficia ex-presidente
Ascânio Seleme
23/03/2018
STF deu boa vitória a Lula na sua luta para não cumprir a pena. Aprimeira desculpa foi uma viagem do ministro Marco Aurélio Mello. Em seguida, um alegado possível cansaço dos ministros caso o julgamento prosseguisse noite adentro. A mim pareceu mais uma forma de deixar o barco correr para decidir depois. O Supremo Tribunal Federal empurrou o problema com a barriga, atropelou o Tribunal Regional da Quarta Região (TRF-4) e deu ontem uma boa vitória ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva na luta para não cumprir determinação judicial que o condenou a 12 anos de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Duas questões devem ser analisadas separadamente. Primeiro, por que os nobres ministros não poderiam prosseguir julgando até mais tarde? Já houve inúmeros casos de julgamentos no Supremo que entraram pela noite sem interrupção. Os ministros ficariam cansados? Claro que sim. Mas, e daí? Cansados trabalhariam e cansados estariam cumprindo o seu dever constitucional. Num momento como esse, em que se julga se um ex-presidente da República vai ou não ser preso, os ministros não podiam adiar o julgamento porque poderiam se cansar.
O ministro Ricardo Lewandowski fez um cálculo rápido, junto com seu colega Marco Aurélio, e concluiu que se a sessão continuasse ela poderia se estender até a meia-noite. E Lewandowski acrescentou que numa hora mais adiantada talvez os ministros já não entendessem mais os votos que estariam proferindo. Como assim? A maioria dos ministros já passou da casa dos 60 anos, é verdade, mas olhando rapidamente não dá para garantir que haja algum gagá no STF cujo cérebro deixa de funcionar regularmente depois de certa hora da noite. A outra questão, ainda mais grave, foi a decisão por maioria do STF de dar um salvo-conduto a Lula, impedindo que sua prisão seja expedida depois de o TRF-4 julgar, na segunda-feira que vem, os embargos movidos pela defesa. Significou ignorar decisão que será tomada pela segunda instância. Oras, não é exatamente esta a questão em pauta, prestigiar a segunda instância? A decisão meia-bomba do STF pode não apontar o resultado da votação final, mas já significou uma pequena derrota para a tese de que decisão colegiada em segunda instância deve ser final.
O Supremo tribunal, que até há pouco era atacado por Lula, seus advogados e seguidores por julgamentos anteriores, como as condenações do Mensalão e outras no âmbito da Lava-Jato, começou agora a ser elogiado pela decisão “corajosa” de ontem. Não acredito que esses elogios possam tranquilizar os ministros. Ao contrário, celebram o constrangimento geral que paira sobre o STF e que pode piorar no dia 4 de abril, data da retomada do julgamento.
A decisão significa que um dos maiores passos dados contra a impunidade, a mais conhecida praga nacional, foi temporariamente descartado pelos senhores e pelas senhoras que aparentemente estão sempre mais preocupados em inocentar do que condenar. A própria presidente, ministra Cármem Lúcia, ressaltou mais de uma vez, durante a sessão de ontem, ser o STF um tribunal defensor das liberdades coletivas e individuais. Ontem, o STF livrou o ex-presidente Lula provisoriamente do cumprimento de uma condenação de 12 anos de prisão.