O globo, n. 30909, 23/03/2018. País, p. 14

 

Governador do Tocantins tem mandato cassado

MAteus Coutinho

23/03/2018

 

 

Marcelo Miranda foi acusado de uso de caixa dois; estado pode ter duas eleições este ano Caso surgiu quando a Polícia Civil de Goiás apreendeu um avião com R$ 500 mil e material de campanha do governador, em setembro de 2014

-BRASÍLIA- Por cinco votos a dois, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou ontem os mandatos do governador do Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB), e de sua vice, Cláudia Lelis (PV), por abuso de poder econômico na campanha de 2014. A decisão atende ao recurso do Ministério Público Eleitoral que acusa os dois políticos de terem captado R$1,5 milhão para caixa dois na campanha por meio de um empréstimo fictício. Na decisão, o TSE determinou ainda a execução imediata da pena, independentemente dos embargos das defesas dos políticos. Com isso, na prática, o estado pode ter duas eleições neste ano.

No momento em que o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, anunciava o placar da decisão, o advogado do governador, Daniene Mângia Furtado, solicitou ao tribunal que aguardasse a publicação do acórdão para que a execução da pena ocorresse. Fux, então, decidiu que vai analisar o caso, sem indicar se o governador e a vice já devem deixar o posto imediatamente.

MANDATO TAMPÃO

Com a cassação, o presidente da Assembleia do Tocantins, Mauro Carlesse (PHS), assumirá o cargo, e uma nova eleição deverá ser convocada em até 40 dias pelo Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins. O candidato eleito neste pleito, contudo, só ficará no cargo até o final deste ano, já que está mantida a eleição de outubro para a escolha do próximo governador do estado, que assumirá a partir do ano que vem.

Pela Lei da Ficha Limpa, Marcelo Miranda deverá ficar inelegível até 2022, só podendo voltar a se candidatar a cargos públicos em 2024.

O julgamento começou em 29 de março do ano passado, quando a então relatora do caso, ministra Luciana Lóssio, votou contra o recurso do Ministério Público e pela manutenção dos mandatos. A ministra havia entendido que as conversas de WhatsApp identificadas nos celulares apreendidos dos investigados não poderiam ser usadas como prova. Isso porque não havia, no momento da apreensão, um mandado de quebra de sigilo telemático.

O ministro Fux pediu vista do processo no ano passado e, ao retomar a discussão ontem pela manhã, optou por excluir as mensagens, mas entendeu que havia provas suficientes para a condenação do governador e de sua vice. Ele considerou que o conjunto de provas no processo — sobretudo relativas à movimentação de dinheiro de pessoas ligadas a Marcelo Miranda — leva à conclusão de que o governador foi beneficiado.

— A campanha do governador foi alimentada com vultosos recursos obtidos de forma ilícita, correspondente a 21% do total arrecadado, e se desenvolveu por caminhos obscuros, com significativa aptidão para impedir o controle público, mercê da má-fé do candidato — disse Fux.

O caso veio à tona quando a Polícia Civil de Goiás apreendeu, em 18 de setembro de 2014, um avião que carregava R$ 500 mil e material de campanha do governador no município de Piracanjuba, a 87 km de Goiânia. Na ocasião, foram presas quatro pessoas ligadas ao governador. Em depoimento, um deles confirmou a ligação do dinheiro com a campanha eleitoral.

“No calor dos acontecimentos, no momento da prisão, os envolvidos afirmaram haver relação direta entre o dinheiro apreendido e a campanha do governador”, afirmou em seu voto o presidente do TSE, ministro Luiz Fux.

CONTAS BLOQUEADAS

A partir daí, as investigações do Ministério Público identificaram que o dinheiro fazia parte de um empréstimo obtido “por influência” do irmão do governador e que foi pago em 12 cheques assinados por duas empresas de Brasília.

Na época, Miranda estava com suas contas bloqueadas em razão de irregularidades em mandato anterior como governador, em 2003, e estaria usando contas bancárias de laranjas para movimentar grandes quantias de dinheiro.

De acordo com a investigação, os líderes de campanha do governador coordenaram a operação financeira que fez com que os valores dos cheques fossem distribuídos a diversas contas bancárias e, posteriormente, sacados para dar aparência de legalidade às transações que abasteceram o caixa dois da campanha.

No julgamento de ontem, os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Admar Gonzaga e Jorge Mussi seguiram o presidente da Corte, ficando vencidos os ministros Napoleão Maia e Luciana Lóssio. Como o ministro Tarcísio Meira ocupa a cadeira que era da ministra Luciana, ele não votou. Apenas o ministro Jorge Mussi abriu divergência sobre a questão das conversas de WhatsApp e entendeu que as provas seriam ilícitas.