O globo, n. 30909, 23/03/2018. Economia, p. 25

 

Brasil tem trégua no aço

Eliane Oliveira, Henrique Gomes Batista e Ana Paula Ribeiro

23/03/2018

 

 

Mas EUA reforçam ofensiva contra a China, impondo tarifas sobre US$ 60 bi em produtos do país

-BRASÍLIA, SÃO PAULO E WASHINGTON- O Brasil se livrou, ao menos por enquanto, da sobretaxa imposta pelos Estados Unidos ao aço e ao alumínio importados. A trégua foi oficializada ontem para países que ainda negociam com o governo americano uma isenção permanente da cobrança — Canadá, México, Austrália, Argentina, Coreia do Sul e União Europeia também foram beneficiados. A medida, no entanto, não representa mudança na estratégia protecionista do presidente Donald Trump. No mesmo dia em que concedeu esse alívio, o republicano anunciou uma ofensiva contra a China que prevê tarifas de 25% sobre US$ 60 bilhões em produtos importados do gigante asiático, principalmente tecnológicos. O movimento já era esperado, mas levou tensão aos mercados, que temem efeitos de uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.

A folga temporária para as siderúrgicas brasileiras já havia sido considerada por Washington na quarta-feira, quando o presidente Michel Temer chegou a comemorar a decisão. A confirmação oficial, no entanto, só veio ontem. Em uma audiência no Senado americano, o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, explicou que se trata de uma “pausa” na cobrança das taxas.

— O presidente Donald Trump decidiu dar uma pausa na imposição das tarifas em relação a esses países — disse Lighthizer a parlamentares.

GUERRA COMERCIAL DERRUBA BOLSAS

O decreto de Trump prevê sobretaxa de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados pelos EUA. Para os países que não conseguiram isenção, as novas regras valem a partir de hoje.

No Brasil, a isenção foi recebida com cautela por governo e representantes dos dois setores. Há, pelo menos, duas razões para isso. Uma é que permanece a ameaça de surto de importações desses produtos, pois haverá um aumento dos estoques excedentes no mundo. O outro é que as negociações tendem a ser bastante duras nos próximos 30 dias, com expectativa de barganhas e concessões em várias áreas pelo governo brasileiro.

— Pedimos de novo ao presidente Temer que ele telefone para Trump para solicitar a exclusão definitiva do Brasil da sobretaxa — afirmou Marco Polo Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.

Enquanto negocia essas isenções para os exportadores de aço, Trump se volta para o principal foco de sua política de comércio exterior, ao anunciar a esperada ofensiva contra a China. A ação é focada em dez segmentos, como robótica, veículos elétricos e equipamento aeroespacial. O montante de US$ 60 bilhões representa o total de produtos chineses desses setores importados pelos EUA em um ano. A lista completa de itens que devem sofrer a tarifa será divulgada pelo governo americano em até 15 dias. O plano também prevê restrições para transferências de tecnologia e aquisições feitas por empresas de capital chinês. A ideia é pressionar Pequim para interromper práticas de comércio consideradas injustas.

RETALIAÇÃO CHINESA

No anúncio, Trump disse que o decreto era “o primeiro de muitos”. E explicou que se trata de uma resposta ao que a Casa Branca considera “agressão” à economia americana. A imposição de tarifas é fruto de investigação de sete meses tocada pelo Escritório de Comércio dos EUA (USTR) sobre violações de propriedade intelectual. Segundo o órgão, a China praticou uma série de condutas indevidas, como obrigar empresas americanas a transferirem tecnologia, além de acessar informações confidenciais por meio de ataques de hackers.

Como importam muito mais do que exportam para a China, os EUA têm um déficit comercial com o país asiático de US$ 375 bilhões.

— É o maior déficit entre países na História mundial. Está fora de controle — afirmou Trump, que descartou que se trate de uma provocação aos chineses. — Vejo eles como amigos. Tenho tremendo respeito pelo presidente Xi (Jin Ping, da China).

Provocação ou não, a China já anunciou que vai reagir. O país planeja impor tarifas a US$ 3 bilhões em importados dos EUA, do aço à carne de porco.

— Vamos retaliar. Se querem jogar duro, vamos jogar duro, e veremos quem vai durar mais tempo — disse o embaixador da China nos EUA, Cui Riankai, em vídeo na página da embaixada no Facebook.

O tom foi confirmado pelo comunicado oficial de Pequim. Segundo a agência estatal Xinhua, a China tomará “todas as medidas necessárias” contra a ação imposta por Trump.

A troca de acusações deixou os mercados nervosos. O Dow Jones, nos EUA, recuou 2,93%, maior queda em dois meses. Em pontos, o recuo foi de 724, o quinto maior já registrado. Na Europa, o dia também foi de perdas. O DAX, de Frankfurt, caiu 1,70%, e o CAC 40, de Paris, teve desvalorização de 1,38%. No Brasil, o Ibovespa fechou em queda de 0,25%. Já o dólar comercial avançou 1,25%, a R$ 3,31.

A ofensiva contra a China é vista com cautela por vários setores. Na terça-feira, uma associação de varejistas americanos chegou a enviar uma carta a Trump pedindo que o presidente reconsiderasse a medida, temendo alta de preços. Mesmo empresários que reconhecem as violações da China na área de propriedade intelectual alertam que a medida pode causar mais danos que benefícios.

— Empresas americanas querem ver soluções para esses problemas, não apenas sanções com tarifas unilaterais — disse John Frisbie, presidente do Conselho de Negócios EUA-China.