Correio braziliense, n. 20060, 23/04/2018. Economia, p. 5

 

Cópia de documentos consome R$ 172 milhões

Hamilton Ferrari

23/04/2018

 

 

PEQUENOS GRANDES GASTOS » Em plena era digital, despesa do governo federal com a reprodução de registros em papel cresceu 14% em 2017. Valor gasto seria suficiente para construir 2,3 mil residências do programa Minha Casa Minha Vida

Num período em que o mundo passa por um processo cada vez maior de digitalização e informatização de serviços, a administração pública federal do Brasil gastou R$ 172,8 milhões, em 2017, para fazer cópias de documentos, segundo pesquisa realizada pela ONG Contas Abertas. Pelos dados do Ministério do Planejamento, o Executivo federal expandiu essas despesas de R$ 137 milhões para R$ 156 milhões nos últimos dois anos, o que corresponde a uma alta de quase 14%. De acordo com economistas, os valores são excessivos e vão contra o ajuste fiscal nas contas públicas.

O Correio dá continuidade à série de reportagens sobre os gastos que, embora sejam considerados pequenos quando se considera o Orçamento Federal como um todo, poderiam ser reduzidos, já que não são indispensáveis e acabam diminuindo a disponibilidade de recursos para áreas que beneficiam diretamente os contribuintes. Newton Marques, especialista em finanças públicas e integrante do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal, mostra preocupação com o aumento dessas despesas. “É preciso analisar se foram criados mais órgãos ou repartições que justifiquem essa elevação do custo, o que, ao meu ver, não ocorreu. Se houve avanço sem motivo, o governo precisa justificar por quê”, diz.

Marques considera que a expansão de 14% é muito elevada, sobretudo num ano em que a administração pública busca cortar custos. Ele destaca, ainda, que, por conta do processo de informatização, o aumento dos gastos com reprodução de documentos causa ainda mais estranheza. “É uma alta expressiva num momento em que tudo está ficando mais digital. Então, em tese, deveria haver menos despesas com cópias”, critica.

 

Desperdício

À primeira vista, uma despesa anual de R$ 172,8 milhões não impacta tanto as contas públicas, que apresentaram rombo de R$ 124,4 bilhões em 2017. Mas os recursos seriam suficientes, por exemplo, para construir mais de 2,3 mil unidades do programa Minha Casa Minha Vida, que poderiam beneficiar mais de 4,8 mil pessoas.

Economistas destacam que o ajuste fiscal também passa pelas cifras pequenas. Mesmo não sendo suficiente para resolver o problema do deficit, cortar esse tipo de gasto é importante para evitar desperdícios e aumentar a efetividade dos recursos públicos. Bruno Lavieri, analista da 4E Consultoria, avalia que, apesar de não ser expressivo no orçamento federal, o custo com a realização de cópias está longe de ser pequeno. “Ainda que seja um serviço simples, uma atividade corriqueira, o que a administração pública gasta está fora da realidade. Há possibilidade clara de reduzir a quantidade da impressão de documentos e, consequentemente, o desperdício”, afirma.

O analista avalia que a otimização dos recursos públicos passa não só pela mudança de orientação das autoridades e gestores, mas também por medidas de incentivo que alterem o comportamento dos funcionários. “O uso irregular de materiais nos órgãos públicos é bem nítido. Por mais que haja um esforço do topo, dos gestores, ainda é muito difícil disseminar essa mentalidade no setor público”, ressalta Lavieri.

Em nota, o Ministério do Planejamento informou que trabalha para reduzir o consumo de papel e aumentar a digitalização de serviços. Uma das iniciativas é a implantação do Processo Eletrônico Nacional-Sistema Eletrônico de Informações (PEN/SEI), já adotado por 357 órgãos  — 100 com sistemas implantados e 257, em fase de implantação.

 

Transparência

“Por intermédio da gestão eletrônica, o SEI elimina trâmites em papel, resultando em mais celeridade nos processos de trabalho, na atualização de informações em tempo real, além de promover transparência. A economia tende a ser maior com a conclusão da implantação do PEN/SEI na totalidade dos órgãos, bem como a tramitação eletrônica de documentos entre órgãos”, afirma a pasta. O ministério destaca também que o contribuinte pode fiscalizar os gastos do governo federal no Painel de Custeio Administrativo, que pode ser acessado pelo site www.planejamento.gov.br.

Apesar das despesas elevadas com as cópias, o governo federal reduziu os gastos discricionários — aqueles que podem ser realizados ou não — no orçamento federal. Em 2017, a queda foi de 14%. O economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, afirma que o movimento é positivo. “O governo tem feito um ajuste, o que se pode observar quando se trata das despesas discricionárias”, diz. “Mas, de maneira geral, nós sabemos que há um amplo espaço para aumentar a efetividade dos gastos públicos.”

 

Frase

"É uma alta expressiva num momento em que tudo está ficando mais digital. Então, em tese, deveria haver menos despesas com cópias”

Newton Marques, do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

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Esforço de redução

23/04/2018

 

 

O ajuste fiscal não é obrigação apenas do Executivo, mas de todo o setor público. “A regra do teto dos gastos (que limita o crescimento das despesas à alta da inflação) se aplica a todos os poderes. Então é natural que todos visem gastar menos e cortar aquilo que está superando o limite”, afirma o economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria.

Nos últimos anos, o Judiciário tem demonstrado maior empenho na redução do consumo de papel. A assessoria do Supremo Tribunal Federal (STF) informou que, em função do programa Agenda Ambiental, que busca conscientizar os servidores e os funcionários terceirizados quanto ao consumo de papel, a Corte diminuiu a quantidade de resmas utilizadas anualmente, de 20 mil, em 2011, para 8,3 mil no último ano. De acordo com dados da ONG Contas Abertas, a última instância da Justiça gastou pouco mais de R$ 320 mil em 2017.

Cortes também foram feitos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que vem, paulatinamente, diminuindo os gastos desde 2010. “Naquele ano, foram utilizadas 42,4 mil resmas de papel, ao custo de R$ 308 mil. Esforços conjuntos da Corte, por meio do Plano de Logística Sustentável, fizeram com que, em 2016 e 2017, a compra fosse reduzida para 23,4 mil e 16,3 mil resmas, respectivamente”, informou a assessoria do órgão. O gasto em 2017 foi de R$ 204,6 mil.

Má impressão

No Poder Legislativo, o Senado Federal gastou R$ 2,3 milhões com cópias de documentos, segundo a ONG Contas Abertas. De acordo com a Casa, há um contrato com uma empresa especializada para soluções de impressão, reprodução de documentos e digitalização. O serviço inclui o direito de uso de 730 equipamentos novos.

“O atual modelo de contratação, adotado desde 2014, representa uma redução de cerca de 65% em relação ao formato anterior no qual o Senado era responsável pela aquisição das máquinas e suprimentos”, ressaltou o Senado. A Câmara dos Deputados teve uma despesa em torno de R$ 3,5 milhões, mas a assessoria não se pronunciou sobre os gastos com cópias.

O economista-chefe e sócio da Modal Mais, Álvaro Bandeira, destaca que a burocracia no setor público gera desperdícios que não ocorrem tanto nas empresas. “O custo de cópias no setor privado normalmente é menor, porque há um controle maior dos gestores. No setor público é diferente”, diz. (HF)