Título: As armadilhas das prestações baixas
Autor: Batista , Vera
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2012, Economia, p. 9

Uma prestação que cabe no bolso é a porta de entrada do brasileiro no mundo nada encantado das dívidas. Fácil de entrar, difícil de sair. Só quem viveu a experiência, perdendo noites de sono, sabe o preço dessas convidativas mensalidades, que parecem tão baixas, mas escondem os juros exorbitantes.

É o caso da analista de telemarketing Kênia Simone Sousa, 29 anos. Não bastasse ter feito alguns crediários sem pesquisar as taxas embutidas nas prestações, com o cartão de crédito na mão e tentada por ofertas, ela acabou gastando R$ 380. Com salário de R$ 1,2 mil brutos, Kênia não se preocupou em entrar no rotativo, até que, deixando de pagar duas faturas, viu sua dívida chegar a R$ 1,5 mil.

"Deixei de pagar duas faturas. Os juros deram um salto. Hoje, é um dinheiro que pago sem ter retorno. Depois desse transtorno, vou começar a me organizar e não cair no mesmo erro", diz Kênia. Compras adiadas e o sorriso dela fora de circulação nos encontros da turma do telemarketing foram os custos adicionais que pagou por não ter feito as contas antes de gastar.

Kênia não é a única, pois milhares cometem o mesmo erro. "Os brasileiros não pesquisam preço, caem nas armadilhas das propagandas e do pagamento mínimo do cartão de crédito e não têm o hábito de poupar", diz o educador financeiro Antonio De Julio, da Consultoria MoneyFit. Os consumidores, de fato, só querem saber se, individualmente, a prestação cabe no bolso. Acumulam parcelas baratas que, juntas, formam uma verdadeira bola de neve.

Aritmética Matemática financeira não é uma matéria fácil. Mas uma simples operação aritmética pode indicar se o cidadão está sendo explorado ou se o salário é suficiente para bancar os desejos. "Compare o valor à vista com o total pago até a última prestação. Se o resultado da soma for o dobro ou um bem e meio anunciado, pense melhor", destaca Christiano Ronaldo, do Escritório C&R Advogados. Não importa se o cidadão sabe calcular juros compostos. Ele tem que ficar atento para não dar um passo maior que a perna.

Ronaldo cita o exemplo de uma cliente que pensava ter feito excelente negócio ao comprar um automóvel popular, cujo preço à vista era de R$ 25 mil. Não usou o dinheiro que tinha guardado, porque o vendedor ofereceu uma oportunidade "imperdível": sem entrada, com 60 prestações de R$ 644,59. Ela não percebeu que estaria pagando mais de um carro e meio, ou seja, o total de R$ 38.675,40 — uma diferença de R$ 13.675,40. Pelo contrário. Aproveitou a suposta economia e deu vazão aos sonhos. Comprou eletrodomésticos, móveis, roupas e sapatos em 10 suaves prestações de R$ 300, R$ 250, R$ 180 e R$ 145. "Ao fim do quarto mês, estava com o nome sujo na praça. Com salário de R$ 2,5 mil mensais, gastava, fora os compromissos fixos (aluguel, condomínio, alimentação), mais R$ 1.519,59", contou Ronaldo.

Desespero Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) aponta que 57,4% da população brasileira tem algum tipo de dívida. Do total de endividados, 70,8% estão pendurados no cartão de crédito. O atendente de telemarketing Cleuber Viera de Souza, 30 anos, faz parte da estatística. Com o limite de R$ 3 mil no cartão, comprou um computador, de R$ 1,4 mil, em 10 vezes. Não pagou e a dívida saltou para R$ 2.310. Foi obrigado a renegociar o débito em seis parcelas de R$ 385.

"Não esperava que a taxa fosse tão alta. Com esse dinheiro, compraria dois computadores", afirmou. O vendedor Fabiano Barbosa estava com três parcelas da casa própria atrasadas (R$ 450 cada), entre outras dívidas menores. Para pagar, pegou empréstimo de R$ 3 mil, que, com os juros, ultrapassou os R$ 5 mil. "No desespero, resolvi um problema e criei outro", lamentou.

O promotor de vendas Romes Souza, 43 anos, também não tem ideia de quanto paga de juros. O importante para ele é que a prestação seja compatível com a renda. "Pesquiso preços em mais de uma loja para ter condições de pagar e fujo do crédito rotativo do cartão de crédito", disse. Já o estudante Yago Rodrigues de Oliveira, 19 anos, faz parte do grupo que prefere esperar para fechar o negócio. Conseguiu economizar R$ 2,3 mil e comprar um computador. "Valeu a pena esperar. Se parcelasse, pagaria quase o dobro", disse. O aposentado Manoel Livino Martins, 74 anos, não sabe o que é comprar a prazo há mais de 10 anos. Vive com um salário mínimo por mês. "Junto dinheiro e, se puder, compro à vista."