Correio braziliense, n. 20053, 16/04/2018. Política, p. 2

 

Coalizão, mas pode chamar de continuidade

Deborah Fortuna

16/04/2018

 

 

ELEIÇÕES » Tendência é de que o próximo presidente da República continue dependendo de arranjos políticos para contar com base na Câmara dos Deputados e ter poder de governabilidade , principalmente pela ausência de renovação dentro da Casa

O próximo presidente da República não terá como fugir das velhas e famosas coalizões para garantir a governabilidade. A pulverização do poder partidário dentro da Câmara dos Deputados e a cada vez mais palpável falta de renovação da Casa não deixará que o chefe do Executivo tenha apoio suficiente para aprovar projetos ordinários no Legislativo, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. Para conseguir a vitória, é necessário que a legenda do mandatário tenha base aliada equivalente, por exemplo, a cinco vezes o tamanho do PT, que hoje reúne 60 parlamentares.

Se o presidente eleito for de partidos menores, a situação fica mais complicada: no caso do Jair Bolsonaro (PSL-RJ), a sigla não chega a oito deputados dentro da Câmara. Para especialistas, o próximo presidente só conseguirá governabilidade caso haja o presidencialismo de coalizão. Ou seja, um governo no qual há fragmentação em vários partidos. A situação, no entanto, é histórica. Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, “desde Sarney isso tem sido frequente”. E a tendência é que isso fique mais acentuado este ano.

Segundo Queiroz, independentemente da linha ideológica do próximo chefe do Executivo, é necessário que ele se una a outras siglas. “Nenhum presidente elege parlamentares suficientes para aprovar leis ordinárias. Então, além da coalizão para se eleger, ele precisa agregar partidos para a base e garantir governabilidade para aprovar leis”, explica. A expectativa é de que os três maiores partidos — PT, PSDB, e MDB — consigam colocar pouco menos de 50 deputados, cada um, dentro da Câmara. “Se no atual Congresso a pulverização foi grande, no próximo tende a ser maior”, comenta o diretor.

Portanto, é preciso contar com quem já está dentro da Casa. Mesmo com o período de janela partidária, encerrada em 7 de abril, o maior partido continua sendo o dos Trabalhadores. “(O PT) É quem elegeu mais, quem tem mais recursos do fundo eleitoral. Os cinco maiores vão continuar os atuais, com pequenas oscilações”, argumenta Queiroz. A sigla elegeu 68 deputados nas eleições de 2014, e hoje tem 60. “O MDB perdeu muitos (na janela), em compensação, arregimentou outros. O único que teve ganho líquido foi o DEM, que agregou mais de 19 deputados e não perdeu quase ninguém”, observa.

Maioria

O coordenador do curso de ciência política da UDF, José Deocleciano, também concorda que o novo presidente será obrigado a investir no troca-troca. “Ao longo do sistema democrático, nenhum presidente conseguiu maioria verdadeira. Nenhum deles foi capaz de fazer isso, nem o próximo deve ser”, opina. Por isso, para ele, não há alternativa para garantir a governabilidade. “Eu diria que, em 2019, qualquer que seja a linha ideológica do eleito, de fato, ele terá que fazer coalizões com os partidos que aí estão”, completa.

De acordo com Deocleciano, o presidencialismo de coalizão não necessariamente significa um sistema ruim, já que ele é mais uma consequência de como foi construído dentro da política brasileira. Por isso, o arranjo que gera a necessidade do sistema não é necessariamente prejudicial. “Se tivesse funcionado no governo de Temer, ele teria, por exemplo, conseguido aprovar a reforma da Previdência”, explica.

O problema é que, como a aliança tem um caráter de manutenção do poder, o custo é muito alto. Não apenas o valor político, mas também o financeiro. Para sustentá-la, há recursos como o apadrinhamento, a distribuição de recursos e até de cargos. “A coalizão não é negativa em si, mas, por vezes, gera consequências. O que a gente viu é que, certamente, desde o último mandato do Fernando Henrique Cardoso, esse custo é alto. Seja para o FHC, Lula, Dilma, Temer, e vai ser para o próximo, dada as atuais circunstâncias”, avalia.


"Nenhum presidente elege parlamentares suficientes para aprovar leis ordinárias. Então, além da coalizão para se eleger, ele precisa agregar partidos para a base e garantir governabilidade para aprovar leis”


Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

60 

Número de parlamentares do PT na Câmara dos Deputados, o maior partido na Casa atualmente

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A improvável renovação

16/04/2018

 

 

Com o Congresso Nacional sem a renovação esperada para este ano, o problema deve ser crucial para o novo presidente da República. A necessidade do toma lá dá cá partidário pode definir a forma de atuação do novo chefe do Executivo. Antes da reforma política, a previsão era de que a troca de deputados dentro da Câmara dos Deputados fosse uma das mais altas da história. Porém, isso não deve ocorrer.

Para o professor e coordenador do curso de ciência política da UDF, José Deocleciano, esse processo político é um dos mais peculiares da história das eleições. E a ausência de uma renovação política pode ser justificada pela mudança das estruturas eleitorais: o tempo de campanha que diminuiu de 90 para 45 dias; a alteração das regras de campanhas partidárias, em rádio e televisão; e a mudança no financiamento de campanha. “Elas acabam por privilegiar as estruturas partidárias.”

Segundo o diretor de documentação do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, as condições não estão favoráveis para a mudança. Um dos motivos é a busca pela reeleição, que será acentuada pela busca do foro privilegiado. “Eles tendem a ser reeleitos, porque seus concorrentes não terão espaço no horário eleitoral, nem recursos do fundo partidário ou tempo de campanha. Isso foi alterado pelos próprios parlamentares”, completou. 

Além disso, há as vantagens, como ter nome conhecido, emendas parlamentares e serviço prestado, o que “representa 20% de vantagem”. “E quem está verbalizando o desejo de mudança, em grande medida, também vai votar nulo, branco ou se abster. Quem quer mudança, não vai contribuir para que elas aconteçam”, diz.

Mais do mesmo

No começo deste ano, o Diap mostrou que a renovação dentro do Legislativo será menor do que nas outras eleições — com 45%, frente à média histórica de 49%. “Ao mesmo tempo em que há o desejo de renovação, as regras eleitorais não nos permite achar que ela será muito grande. É muito difícil apostar em algo acentuado. Acho que pode haver, mas o desejo de mudança encontra limites institucionais”, explica José Deocleciano, coordenador do curso de ciência política da UDF.