Correio braziliense, n. 20053, 16/04/2018. Economia, p. 7

 

Internet: gestão sem paridade

Simone Kafruni

16/04/2018

 

 

Integrantes do CGI.br defendem que as 21 cadeirYdo comitê sejam distribuídas igualitariamente entre governo, empresas, terceiro setor e academia. Maioria de representantes da União, para alguns setores, contraria o caráter multissetorial do colegiado

Mais alta instância para estabelecer as diretrizes estratégicas de uso e desenvolvimento da internet no Brasil, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) tem um modelo de governança com a participação de todos os setores da sociedade nas decisões. A distribuição das 21 cadeiras que integram a cúpula do colegiado, no entanto, não agrada a todos.

Compõem o comitê multissetorial nove integrantes do governo, quatro representantes empresariais, um notório saber, três membros da comunidade científica e tecnológica e quatro do terceiro setor. Colégios eleitorais são formados por entidades homologadas para eleger os participantes. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, lamenta, contudo, que o setor empresarial, responsável por 100% dos investimentos, não tenha poder de decisão. “A distribuição é absolutamente desequilibrada”, diz.
Das quatro cadeiras do setor empresarial, uma é do representante dos usuários. “Das outras três, os provedores de infraestrutura de telecomunicações, que são as empresas que eu represento, aportam 90% do capital. Mas eu nunca consegui fazer valer minha posição, porque o terceiro setor e o a comunidade científica, cujos membros são sociólogos, defendem apenas os interesses sociais”, ressalta.

Levy assinala que a internet é um negócio e precisa de investimentos robustos, por isso tem de ser avaliada também pela ótica econômica. “Em sete anos (de participação), o CGI nunca tratou de questões econômicas importantes, como redução de impostos do setor. De que adianta defender o acesso a todos, sem dizer como fazer isso?”, indaga. Ele aponta, ainda, que as exigências para as entidades de terceiro setor se credenciarem para votar são mínimas, enquanto o setor empresarial tem que atender a uma série de exigências.

No entender de Flávia Lefévre, integrante do terceiro setor e especialista em telecomunicações da associação de defesa dos consumidores Proteste, se há algum problema de representatividade é o desequilíbrio das cadeiras do governo. “O que muitas vezes ocorre é que o governo e as empresas se unem e têm a maioria. Com seus nove votos, basta o governo conseguir mais dois para ter 11 de 21”, contabiliza.

Reivindicação
Segundo ela, quando o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) abriu consulta pública, no ano passado, as contribuições apontaram para necessidade de representação paritária com cinco membros de cada setor — governo, empresas, terceiro setor e academia — mais o presidente, resultando nas mesmas 21 cadeiras atuais. “A representação paritária equilibraria as decisões. Agora, a representatividade reflete o poder econômico, contraria o caráter multissetorial que caracteriza o comitê”, sustenta Flávia.

Na opinião de Demi Getschko, notório saber em internet, o CGI é um belo modelo internacional. “Todo mundo elogia. Não vejo problemas, funciona desde 2003 nessa configuração”, pondera. “O setor governamental tem vários representantes, mas é uma distribuição variada. O CGI é um órgão político que recebe recursos do domínio ‘.br’, portanto não é um bem do governo e, sim, da comunidade. Esses recursos são devolvidos por meio das ações do comitê”, argumenta.

Getschko ressalta a importância dos debates do comitê. “O mais recente discutiu a questão da privacidade na internet. Uma lei para proteger o usuário seria um par adequado para o Marco Civil da Internet”, destaca. Flávia, do terceiro setor, explica que, na decisão de 9 de março, o CGI pediu urgência para editar a lei de proteção de dados digitais. “Foi aprovada por todos. Como o grupo é multissetorial, o objetivo é buscar consenso”, sentencia.

Representante do setor empresarial na cadeira dos provedores de acesso e conteúdo da internet, Eduardo Parajo reforça a tese de que os assuntos principais são tratados de maneira consensual. “Se for analisar numericamente, pode ser que exista alguma distorção na composição. Mas é um comitê, onde as decisões são resultado de um processo de construção”, diz. “Claro que, nem sempre, todo mundo sai feliz. 

Sergio Amadeu, um dos representantes da comunidade científica e tecnológica, considera elevado o número de participantes do setor governamental, apesar de ressaltar que o modelo brasileiro é visto como exemplo no mundo inteiro. Sociólogo, Amadeu também defende a paridade. “A internet exige que os segmentos da sociedade civil tenham interação para organizar a governança. O problema é que o governo, sozinho, tem mais representantes do que os demais, o que garante poder de pautar e definir questões. Isso enfraquece o CGI”, afirma.

 

Equilíbrio
A ideia do equilíbrio é fundamental para a gestão da internet, no entender de Amadeu. “O CGI não foi criado para dar força a quem tem mais capital. Pelo contrário, foi feito, exatamente, para representar os interesses mais diversos”, diz. Sobre a alegação do presidente do SindiTelebras, de que mesmo os representantes da comunidade científica e tecnológica são da área social, o que desequilibra ainda mais as decisões, Amadeu é categórico: “A internet não é mais um interesse exclusivo da área de tecnologia. É uma construção vital para política pública, para ciência, medicina. Nosso esforço é no sentido de ampliar a modelagem do colégio eleitoral”, reage.

Tanto Amadeu quanto Flávia defendem que, além de maior paridade na representação, as reuniões do conselho sejam abertas e transmitidas pela internet em tempo real. “Já coloquei em votação essa ideia porque o comitê deve ser transparente. Isso ampliaria a percepção da relevância do CGI, inclusive pelo setor empresarial, e permitiria à sociedade entender os temas discutidos”, ressalta.
O secretário do Ministério da Defesa, Franselmo Araújo Costa, um dos nove integrantes do comitê indicados pelo governo, afirma, em nota, que, “assim como os representantes dos demais setores, tem o papel de trabalhar por uma internet democrática, melhor, justa e com normas, procedimentos e padrões técnicos e operacionais adequados aos melhores padrões internacionais”.

Procurada, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), informou que o conselheiro Otavio Luiz Rodrigues Junior, que representa o órgão no CGI, está em férias. O coordenador do CGI, Maximiliano Martinhão, não atendeu à reportagem.