Correio braziliense, n. 20053, 16/04/2018. Economia, p. 8

 

"O debate eleitoral no Brasil é muito pobre"

Gustavo Loyola e Amauri Segalla

16/04/2018

 

 

Gustavo Loyola, 65 anos, é um dos personagens mais respeitados do campo econômico brasileiro. Doutor em economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e presidente do Banco Central em dois períodos – entre novembro de 1992 e março de 1993, e de junho de 1995 a agosto de 1997 –, Loyola comandou uma das mais importantes reestruturações do sistema bancário brasileiro. Atualmente, se dedica a dar suporte a empresas, como sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada. Nesta entrevista, Loyola analisa o horizonte econômico brasileiro, condiciona a sustentabilidade da retomada à corrida eleitoral e afirma que a tradicional polarização entre PT e PSDB acabou.

Como o senhor avalia a travessia brasileira pela recessão?
A economia está se recuperando de um processo recessivo muito grave. A crise nasceu dos excessos do período que a antecedeu, excessos na questão fiscal, principalmente, e em políticas heterodoxas. Os bancos públicos, usados politicamente, e o próprio Banco Central, que tolerou demais a inflação, geraram aquele movimento recessivo.

O que levou o Brasil a situação tão grave?
Os estímulos lançados para evitar que a crise internacional chegasse ao Brasil foram a base para a nossa própria crise. Aquelas políticas equivocadas foram se degradando ao longo do tempo, principalmente durante o governo da presidente Dilma Rousseff, e levaram à crise que todos nós presenciamos muito bem. Dilma deixou o governo endividado, as empresas endividadas, as pessoas endividadas.

O crescimento atual é sólido?
Mais recentemente, o Banco Central teve de fazer uma política monetária muito dura, subindo os juros. Foi uma tempestade perfeita para a economia brasileira até 2016, pelo menos. O ano de 2017 foi um período de recuperação. Pelo menos tivemos um PIB positivo. Houve também uma certa redução do endividamento das famílias, uma queda do endividamento das empresas e o próprio governo passou a ter uma política econômica responsável e após a entrada do ministro Henrique Meirelles e do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Isso abriu espaço para a inflação cair, permitiu ao Banco Central reduzir as taxas de juros e a situação fiscal, embora não tenha sido resolvida, parou de piorar. Há hoje um controle maior das contas públicas e o mercado de trabalho apresenta uma recuperação gradual. O crédito cresceu. Enfim, a economia voltou a crescer, e esse crescimento veio para ficar.

É possível, portanto, olhar para o futuro com mais confiança?
Acho que vai depender das políticas econômicas do próximo governo, notadamente na questão das reformas. Para crescer mais e de maneira sustentável, o Brasil precisa fazer as reformas, principalmente a previdenciária e a tributária. As reformas serão indutoras de crescimento, de produtividade e de investimento. Apenas com mais investimento é possível acreditar em um crescimento sustentável. Caso contrário, continuaremos a ter voos de galinha, com períodos de crescimento mais acelerado e que logo são interrompidos. Esse voo de galinha é o que acaba gerando um crescimento médio baixo, ao longo do tempo.

Quais são os indicadores econômicos que o senhor mais tem celebrado?
Certamente é a inflação baixa. Trata-se de algo que beneficia a todos e que, por consequência, abre espaço para a queda dos juros. Estamos com uma inflação acumulada em 12 meses abaixo de 3%, e com perspectiva de continuar assim. Isso é uma grande vitória em um país que, há dois anos, estava com inflação acima de 11%.

O fracasso do governo na tentativa de aprovar a Reforma da Previdência vai resultar em um novo voo de galinha?
Sem dúvida. O Brasil perdeu uma grande oportunidade. Tínhamos uma chance de fazer um ajuste nas contas da previdência, mesmo que não fosse a reforma ideal. Mas perdemos a oportunidade de dar um passo na direção correta. Infelizmente, não houve condições políticas para isso. Acho que não adianta jogar apenas a culpa nas costas do governo federal.

Por quê?
A reforma não saiu porque não conseguiu ter apoio suficiente na sociedade. Pela ação de grupos de interesse contrários à reforma, que hoje tem uma situação privilegiada, e que perderiam isso com a reforma. Então, a reforma encontrou vários pontos de resistência e o governo, que no início tinha capital político para ultrapassar essas dificuldades, perdeu esse capital político por conta dos escândalos de corrupção. Aí a reforma foi adiada.

E se a Reforma da Previdência tivesse sido aprovada?
Se tivesse passado, estaríamos vivendo um período eleitoral muito mais tranquilo. Haveria menos dúvidas sobre o destino, a trajetória da economia brasileira a partir de 2019. Agora, permanece a dúvida de como ficará a questão fiscal para o ano que vem e para 2020. Estamos todos na expectativa de que o próximo governo faça a lição de casa, mas é só uma expectativa. A reforma já deveria ter sido feita.

Qual é o efeito colateral da não aprovação das reformas neste ano?
Isso tem contribuído para aumentar as incertezas eleitorais, que podem atrapalhar o crescimento do PIB já neste ano. Muitos analistas estão revendo para baixo suas projeções de crescimento da economia. Tudo isso em razão da dificuldade em se enxergar um cenário eleitoral previsível.

Os candidatos pró-mercado têm boas chances na eleição?
O que acontece é que os temas econômicos não têm sido explicitamente tratados pelos pré-candidatos. Os temas são espinhosos e de difícil compreensão. A questão principal é saber qual é a visão de mundo de cada candidato, como é que ele pensa em governar, quais são suas intenções para a economia de maneira geral. Se for um candidato intervencionista, que não acredita na necessidade de equilíbrio fiscal, que faz de conta que não existe problema na previdência, evidentemente não será o cara ideal para fazer as reformas.

Mas ter apenas boas intenções não é suficiente.
Sim, não adianta o candidato só ter boas intenções, uma visão correta de mundo e boas ideias. Não se governa apenas com boas intenções. É preciso ter capacidade política de governar e de catalisar apoio no Congresso. Não se faz sozinho uma reforma. Boa parte delas depende de maiorias qualificadas no Congresso. Isso foi um problema. Como todos os escândalos de corrupção acabaram gerando uma ojeriza à classe política, há uma tentação da sociedade de eleger pessoas que não têm experiência política para ser presidente da República.

Eleger pessoas sem experiência política é necessariamente ruim?
Fica sempre a dúvida sobre se essas pessoas têm a capacidade de conquistar um apoio político para poder governar, de realizar as reformas. Isso é muito duro. Então, nós precisamos eleger um presidente não só comprometido com tudo isso, como também que tenha uma mínima capacidade política de fazer avançar uma agenda reformista.

Qual é o perfil de candidato que o leitor anseia encontrar?
O eleitor está buscando candidatos que tenham certas qualidades pessoais, que estejam acima de qualquer suspeita, que não estejam envolvidos em corrupção, e tudo o mais. Creio que a questão da segurança pública tem precedência na agenda de todos os candidatos. Há um mal-estar da sociedade em relação à violência e à impunidade. Isso está acima das questões econômicas nesta eleição. Tanto é que há uma melhora clara da economia, com indicadores consistentes, e nem assim o governo Temer ganha popularidade. Isso mostra que o governo não está correspondendo aos anseios mais urgentes da sociedade.

O debate eleitoral não mostrará quem é quem?
O debate eleitoral no Brasil é muito pobre. Muito pobre. Com isso, acaba não tocando em temas essenciais ao país, e se concentra em questões mais populistas, rasteiras e fáceis de resolver.

O senhor se refere ao discurso do pré-candidato Jair Bolsonaro?
Também. Quais são as ideias de Bolsonaro para a economia? Ninguém sabe, ninguém viu. Então, o fato de Bolsonaro estar entre os líderes de intenção de voto só demonstra como as questões econômicas ficaram para segundo plano e como o debate eleitoral é pobre. No caso dele, apesar de estar há décadas na política, parte dos eleitores o enxerga como alguém de fora da política. Não é correta essa percepção. Ele é político há muito tempo. A campanha vai reforçar ou desmascarar essa percepção.

Como o senhor avalia a prisão do ex-presidente Lula?
Ele foi julgado e preso dentro de um processo normal de funcionamento do judiciário. Evidentemente que a prisão de um ex-presidente da República é algo dramático, traumático para o país, especialmente após um longo processo de impeachment que tirou Dilma Rousseff. Hoje, o próprio presidente da República está envolvido em denúncia. Tudo isso faz parte desse caldo que, por um lado, é negativo para o Brasil, mas, por outro, mostra que as instituições estão funcionando. A prisão não diminui as incertezas eleitorais. Afinal, não se sabe para onde vai migrar o voto da esquerda.

O grande número de candidatos pode ajudar a eleger um outsider?
Toda essa fragmentação torna a eleição bem imprevisível. A antiga polarização entre PT e PSDB acabou. Os outsiders surgem porque existe uma demanda por outsiders. A sociedade está demandando candidatos que não sejam políticos de profissão, já que a classe está desmoralizada pelos escândalos de corrupção, independentemente do partido. Todos, dos pequenos aos grandes, foram atingidos pelos escândalos mais recentes.

O esforço do Banco Central em combater o spread bancário poderá gerar algum dividendo político para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
Não acho que o Banco Central esteja fazendo algo truculento, algo forçado aos bancos. A gente conhece muito bem a competência de todos os que estão lá e sabe que nenhum deles acredita que haja uma solução para o spread de maneira voluntarista ou algo padronizado para todos os bancos. Não dá para tabelar juros de banco, fazer uma coisa na marra. Esse tipo de medida é populista e insustentável. O último que tentou baixar os juros à força foi o Guido Mantega, e deu no que deu.