O globo, n. 30924, 07/04/2018. País, p. 6

 

Recursos - Defesa de Lula vai ao STF em nova tentativa de impedir prisão

Eduardo Bresciani e André de Souza

07/04/2018

 

 

Com derrota de habeas corpus no STJ, advogados ingressam com ‘reclamação’ na Suprema Corte; O argumento principal da defesa é que a 8ª Turma do TRF-4 não poderia ter encaminhado a Moro a informação de que o trâmite estava encerrado

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- No dia em que as atenções do país se voltaram para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrincheirou-se com aliados, os tribunais superiores de Brasília receberam uma série de recursos contra o encarceramento do petista. A ofensiva jurídica começou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde os advogados de Lula protocolaram um habeas corpus para evitar a prisão do petista sob o argumento de que ele ainda teria um recurso a apresentar ao Tribunal Regional Federal da 4 Região (TRF-4). O recurso acabou rejeitado pelo relator da Lava-Jato no STJ, ministro Félix Fischer. Após a derrota, os defensores do ex-presidente apresentaram novo recurso contra a prisão, desta vez no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em geral, habeas corpus no STF só são analisados quando terminado o trâmite no STJ, o que ainda não ocorreu. Assim, a defesa de Lula preferiu apresentar outro tipo de ação, chamado de “reclamação”. A defesa queria que o processo fosse encaminhado ao ministro Marco Aurélio Mello por ele ser relator das ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que tratam do fim da prisão em segunda instância. A estratégia, no entanto, fracassou. O relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, foi sorteado para relatar o pleito, mas preferiu remeter o recurso à presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, para que ela decidisse a relatoria. À noite, Cármen decidiu manter a relatoria com Fachin.

Ao rejeitar o recurso de Lula no STJ, o ministro Félix Fischer argumentou que os advogados de Lula não apresentaram documentos e informações suficientes para demonstrar que a situação do ex-presidente era excepcional a ponto de justificar uma liminar que garantisse sua liberdade. Fischer determinou ainda que o caso seja analisado posteriormente pela Quinta Turma do STJ, composta por ele e mais quatro ministros.

No STF, a defesa de Lula fez três pedidos em caráter liminar, os mesmos já apresentados e rejeitados liminarmente no STJ. O primeiro solicitou que a prisão fosse suspensa até o julgamento definitivo da reclamação na Corte. O segundo foi para o impedimento da prisão de Lula até que o TRF-4 analisasse recursos extraordinários. O terceiro pede para que se aguarde, ao menos, a análise dos chamados “embargos dos embargos”, cujo prazo para apresentação no TRF-4 vence na próxima terça-feira. No STJ, Fischer entendeu que não é necessário esperar o julgamento desse recurso. Segundo o ministro, a “legitimação” da ordem para prender Lula vem justamente do ofício do TRF-4 encaminhado a Moro. Fischer também solicitou “informações atualizadas e pormenorizadas” ao juiz.

O argumento principal da defesa é que a 8ª Turma do TRF-4 não poderia ter encaminhado a Moro a informação de que o trâmite naquele órgão estava encerrado. Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). A defesa também recorreu ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), em Genebra, para evitar a prisão.

Enquanto o prazo de Lula se esgotava, uma divergência entre o ministro Marco Aurélio e Cármen Lúcia começou a se desenhar nos bastidores. Na quinta-feira, o ministro, que relata as ADCs que pedem o fim da prisão em segunda instância, anunciou que iria levar ao plenário, na sessão de quarta-feira, o pedido feito pelo PEN para que fiquem suspensas as prisões de todos os condenados na segunda instância. Por se tratar de medida urgente, Marco Aurélio avaliou que a análise do caso não dependeria da vontade da presidente para ser pautada. Cármen, no entanto, tinha outros planos para a sessão de quarta-feira. A ministra costuma dizer que a questão da segunda instância já foi analisada três vezes em 2016, sempre pela legalidade da execução da pena. Assim, no lugar das ADCs, ela pautou o julgamento de processos que podem significar a prisão ou a liberdade do deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP) e do ex-ministro Antonio Palocci.

Processos envolvendo pessoas presas, como Palocci e Maluf (que cumpre pena em casa por motivos de saúde), têm prioridade. Mas, como lembra Diego Werneck Arguelhes, professo adjunto da FGV Direito Rio, o pedido nas mãos de Marco Aurélio também trata de condenados presos.

— Se o relator leva um caso assim, se a maioria dos ministros está de acordo e a presidente também, não vai ser falta de dispositivo expresso no regimento que impedirá o julgamento — afirmou o professor. E se Cármen não concordar? — Aí seria uma queda de braço — disse Werneck.

Marco Aurélio se mantém firme na disposição de levar o pedido a julgamento na quarta-feira

— Vamos aguardar a sessão e o colegiado verá o que tem preferência. De início tem preferência habeas corpus com réu preso, que é o que está no regimento. Mas vou levar de qualquer forma. (Colaborou Cleide Carvalho)

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Condições especiais não significam regalia

Cleide Carvaçho e Gbriela Varella

07/04/2018

 

 

Direito de ficar em cela separada é prerrogativa de ex-presidentes, mesmo que eles não estejam citados nominalmente em artigo do Código de Processo Penal

A prisão especial atribuída ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva está prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal. Desde 2001, quando o texto foi alterado pela Lei 10.258, a prisão especial consiste, exclusivamente, no recolhimento em cela separada dos demais presos ou até mesmo alojamento coletivo, desde que seja junto com outros réus com o mesmo direito.

A lista dos que têm direito à prisão especial é grande. Inclui ministros de Estado, governadores, membros do Poder Legislativo, ministros dos Tribunais de Contas, oficiais das Forças Armadas e os militares dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios, advogados, magistrados, delegados de polícia e até guardas-civis dos estados — ativos e inativos — ministros de confissão religiosa e cidadãos que já tenham sido jurados, além dos que têm diploma universitário e servidores agraciados com títulos de mérito (inscritas no Livro de Mérito, como grã-cruz, grande oficial e comendador, por exemplo).

Embora inicialmente tenha sido tratado no despacho do juiz Sergio Moro como uma concessão em dignidade em atenção ao cargo que Lula ocupou, a prisão especial é considerada uma prerrogativa de ex-presidentes, embora eles não estejam citados nominalmente no artigo 295.

EX-CHEFE DAS FORÇAS ARMADAS

Um procurador da força-tarefa explicou ao GLOBO que, quando ocupou o posto de presidente, Lula foi o chefe das Forças Armadas. Como oficiais das Forças Armadas, mesmo na reserva, têm direito a prisão especial, não faria sentido que o mesmo tratamento fosse negado ao ex-presidente da República.

— Absolutamente correto que ele tenha uma cela especial. Ele foi um ex-chefe de Estado e evidentemente não pode ficar misturado a um ambiente carcerário, diante dos riscos que ele correria, da integridade física, e também seria uma ofensa à dignidade do cargo que ele já ocupou. Há privilégios legais que estão atrelados ao posto que ele exerceu. (A medida) deve ser aplicada para garantir a ele o cumprimento da pena em condições diferenciadas. Isso não significa um privilégio, mas sim um respeito ao cargo que ele exerceu — afirma o advogado Antonio Figueiredo Basto, um dos mais atuantes na defesa de réus da Lava-Jato.

— É uma cela especial que é destinada não à pessoa, mas em razão do cargo que a pessoa exerceu, e o que ela representa social e legalmente no Brasil. Então, não é o cidadão Lula, mas é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tem que ter esse tratamento.

O advogado Daniel Bialski afirma que a lei enumera várias pessoas que ocupam posições importantes, de forma que Lula estaria acima disso.

— Mas é importante dizer que prisão especial não significa regalias, apenas ficar preso em local diferenciado.

Segundo Bialski, se vier a cumprir pena em São Paulo, onde mora, Lula deverá ser transferido para os presídios de Taubaté ou Tremembé, destinados normalmente a presos com direito ou necessidade de permanecer separados dos demais.

Figueiredo Basto lembra ainda que, no caso de Lula, a prisão é cautelar, já que o debate sobre a execução da pena apenas depois do trânsito em julgado dos processos não foi encerrada.

— Ela não é uma prisão definitiva. Só vai definir isso com o trânsito em julgado. É uma execução provisória da pena, então há maiores motivos ainda para que se tome essa cautela — explicou.