Correio braziliense, n. 20052, 15/04/2018. Política, p. 2

 

Roleta-russa eleitoral

Rodolfo Costa e Alessandra Azevedo

15/04/2018

 

 

ELEIÇÕES » Pulverização de candidaturas leva políticos de todas as matizes ideológicas a apostas de alto risco deixando a campanha refém do imponderável. Cenário de 1989 tende a se repetir em outubro, caso partidos não se unam

As cartas estão lançadas no que promete ser a corrida eleitoral mais apertada e sem prognósticos da história brasileira. Apostar em qualquer um dos 22 pré-candidatos é jogar com o imponderável. Candidaturas de esquerda e centro, que não se atraem, estão pulverizadas. A extrema-direita, liderada majoritariamente pelo pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pode enfrentar problemas com os poucos minutos de televisão, recursos e falta de palanque nos estados.

O momento é ainda mais incerto porque, hoje, a aposta dos partidos é no tudo ou nada. Legendas resistem em deixar uma porta aberta para, em determinado momento, se unir mais à frente. Mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso, o PT ainda acredita na possibilidade de atrair apoio de aliados, como PCdoB, da presidenciável Manuela D’Ávila, e do PSol, do pré-candidato Guilherme Boulos. Ambas as siglas, no entanto, relutam em acenar com uma união. O PDT, de Ciro Gomes, e a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, também resistem e procuram alçar voo longe do discurso petista.

No centro, a divisão não é diferente. Está ainda mais pulverizada. O MDB, do presidente Michel Temer, que vai tentar manter o legado do governo, aposta em uma imagem fortalecida com o embarque do ex-ministro da Fazenda e também presidenciável Henrique Meirelles para atrair apoio de outras siglas. O ambiente eleitoral atualmente traçado, no entanto, aponta o contrário. DEM, PSD, PSC e PRB, legendas da base governista, vão tentar emplacar candidaturas próprias.

As pesquisas eleitorais podem até dar sinais do apelo popular. Mas dificilmente serão suficientes para cravar o rumo das eleições, que pode ser ainda mais imprevisível do que as disputas de 1989, avalia o cientista político Murilo Aragão, sócio da consultoria Arko Advice. “A realidade de hoje repete muitas circunstâncias daquela situação. Muitos candidatos, uma fragmentação muito ampla. Uma esquerda muito dividida e um centro muito pulverizado que não se entendia em torno do PMDB (atual MDB), do PSDB e do PFL (antigo DEM)”, pondera.

A grande diferença, avalia Aragão, é o fim do monopólio da esquerda petista. “E o que pode até deixar o partido de fora do segundo turno. Agora, o que favorece a esquerda é o fato de que o centro também não se entende ainda”, analisa. A falta de uma grande liderança e de uma unanimidade compromete a aglutinação de forças ainda no primeiro turno. Na esquerda, os ataques de Lula e do PT às instituições afugenta o embarque de alguns aliados. No centro, ameaças judiciais a Temer e ao pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, incentivam outras pré-candidaturas.

Caso o cenário continue como está, é possível que o mais votado no primeiro turno não atinja nem 30% dos votos válidos, avalia o especialista em política brasileira Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “E todo o resto pode ficar com percentuais muito próximos, de 15%, 11%, 10%, 8%, 4%”, sustenta.

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Os tiros no escuro do centro

15/04/2018

 

 

A aposta no centro é, hoje, um tiro no escuro. É possível que uma candidatura com o discurso de abertura de mercado e que sinalize com a manutenção de direitos sociais chegue ao segundo turno, mas o cenário ainda é muito incerto. O agora ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, pré-candidato pelo PSDB, é o mais cotado para chegar à fase final da corrida eleitoral e ser vencedor entre as candidaturas do espectro político. Mas rachas dentro da própria base, com indefinições partindo da sucessão no governo paulista, podem comprometer os palanques do tucano. Tal divisão favorece a candidatura governista, do MDB, embora o partido também não tenha muitos motivos para comemorar. E vários outros nomes observam atentos à dificuldade dos mais poderosos politicamente em decolar, sonhando em abocanhar parte do eleitorado.


O MDB quer fazer melhor do que Ulysses Guimarães, em 1989, que abocanhou 4,73% dos votos válidos. Seria um desafio diante de divisões internas dentro do próprio partido, que ainda se divide entre o presidente Michel Temer e o agora ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Também joga contra a candidatura governista uma possível terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer.

A auxiliares, Temer admite que a melhora na economia ajuda, mas falta uma melhor comunicação junto à base para convencer a montagem de uma coligação forte. A expectativa é de que a máquina pública possa jogar a favor e, assim, trazer metade do partido em torno dele e viabilizar palanques nos estados. Para isso, espera que o poder da caneta, com recursos, cargos e entrega de obras, atraia aliados.

Em outros processos eleitorais, gerir a máquina pública com tais instrumentos políticos tornava quase imbatíveis as campanhas dos candidatos governistas. Mas as suspeitas de corrupção e a previsão de uma recuperação econômica mais lenta podem desidratar o MDB nas eleições, avalia o cientista político Carlos Melo, professor do Insper. Para o especialista, Temer não conseguirá emplacar uma candidatura com viabilidade eleitoral.

“Não acredito que tenha condições de ganhar. Ele vai passar a campanha tomando pancada. Mas, do ponto de vista político, faz sentido pleitear o processo eleitoral e defender o legado”, pondera. Melo acredita que, se muito exitoso, o governo pode abocanhar uma fatia de 10% das intenções de votos válidos nas eleições. O que ainda seria insuficiente para a disputa do segundo turno. “Mas suficiente para negociar apoio com algum candidato que chegue à fase final do processo eleitoral.”

Incerteza

A retomada de uma aliança entre PSDB e MDB é incerta. Pelo menos em um primeiro turno. “No segundo turno, poderia ser o caso de os dois partidos voltarem a negociar”, admite um interlocutor de Temer. O governo espera atrair outras candidaturas ainda na primeira etapa das eleições, mas sem forçar demais a barra. A ideia é deixar outras pré-candidaturas do centro correrem livremente, angariar votos para, mais à  frente, negociar a montagem da coligação.

A divisão no centro pode durar pelo menos 90 dias. Esse é o prazo em que o presidente do Sebrae Nacional, Guilherme Afif Domingos, levará avaliando a pré-candidatura pelo PSD. “Eu vou colocar o nosso carro na rua. E o que vai acontecer eu só posso avaliar daqui a três meses. Não adianta antecipar absolutamente nada. Porque agora é menos busca de articulação política e mais busca de articulação eleitoral”, destaca.

O estudo de campo é natural e deverá ser feito também por outras pré-candidaturas. A ideia é que eles tenham tempo para convencer o eleitor e saber se há disposição para apoiar. Caso contrário, o esforço pode ser em vão. “Depois, lá na frente, temos que ver com quem a gente soma ou quem vai somar conosco”, ressalta Afif. (R.C)


"A falta de uma grande liderança e de uma unanimidade compromete a aglutinação de forças ainda no primeiro turno”

Murilo Aragão, cientista político e sócio da consultoria Arko Advice