Correio braziliense, n. 20052, 15/04/2018. Política, p. 3

 

Lula e a pulverização da esquerda

15/04/2018

 

 

Ao sair da disputa pela faixa presidencial, seja pela recente prisão seja porque deve ser barrado pela Lei da Ficha Limpa, o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva deixou um vácuo que, há pelo menos quatro eleições, não existia. A falta de um nome forte para combater a ascensão dos também pulverizados candidatos de centro e da direita é um espaço que a esquerda precisa preencher, caso não queira correr o risco de chegar sem representante ao segundo turno das eleições. Enquanto o PT insiste na candidatura de Lula, apesar das circunstâncias, PSol e PCdoB não abrem mão de candidatos próprios, embora se unam à resistência contra a prisão do petista. O PDT, focado no pré-candidato Ciro Gomes, não vai negociar a cabeça de chapa para discutir as divergências com os menores.

A situação é confusa, e boa parte dos votos de Lula se espalha entre essas opções. Não é certo se o ex-presidente tinha a intenção de que todos se unissem em torno de uma só candidatura de esquerda quando, no palanque, antes de ser preso, enfatizou os nomes de Manuela D’Ávila, pré-candidata pelo PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSol. Mas especialistas acreditam que essa seria a melhor opção diante dessa pulverização. Com pouca diferença de votos, qualquer um que suba um pouco mais que os outros pode conseguir um destaque inesperado. “A ideia de uma frente ampla esquerdista para impedir isso seria interessante, mas padece do mal da não adesão”, comenta o cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Lucas Cunha.

Não é por falta de discussões, já que os partidos de esquerda têm se encontrado com frequência — pelo menos, de 15 em 15 dias, segundo a presidente nacional do PCdoB, Luciana Santos. Eles sabem que será mais fácil a esquerda chegar ao segundo turno se eles se unirem, mas não querem deixar de se posicionar como opção para ocupar o espaço deixado por Lula. “Estão cientes de que não são competitivos, mas, se não lançarem candidatos agora, vão se lançar quando? Quando Lula voltar?”, questiona o coordenador de análise política da consultoria Prospectiva, Thiago Vidal. “Todo mundo quer ser presidente no momento em que há um vácuo de lideranças, um vácuo de forças que tradicionalmente têm ocupado esse espaço”, explica o especialista.

Chapa

O PSol, por exemplo, reforça que não cogita “em hipótese alguma” abrir mão da candidatura de Guilherme Boulos. Se não for cabeça de chapa, não serve. “A gente acha pouco provável contar com o apoio do PCdoB e do PDT, que não vão deixar suas candidaturas para apoiar o Boulos. Por isso, é muito pouco provável que a gente possa esperar uma única cabeça dessas forças de esquerda”, explica o presidente nacional do partido, Juliano Medeiros.

“Há espaço para unidade política em defesa da democracia, mas não há espaço, neste momento, para uma unidade eleitoral”, diferencia Medeiros. A razão é “bem simples”, segundo ele: “Todos os partidos estão mantendo suas pré-candidaturas”. O PT reafirmou Lula mesmo depois de preso, PCdoB segue firme com Manuela e PDT não vai largar Ciro Gomes, o que mais tem intenção de voto entre os três: 12%. O cientista político Lucas Cunha aponta como obstáculo para se ter apenas um nome de peso na esquerda, além da vontade comum de “ocupar o vácuo”, a dificuldade em se unir as agendas. “Eventualmente, eles terão problemas para se unificar, porque não têm agendas convergentes”, explica.

Prioridades

Fazer essa união no segundo turno, apostando que alguém do mesmo espectro político chegará lá, faz sentido do ponto de vista partidário. No primeiro, cada um defende suas prioridades. Depois, eles se unem em torno do nome que eventualmente chegar ao segundo turno. 

É mais ou menos o entendimento de Medeiros, do PSol, que afirma que a insistência em manter a candidatura própria é por entender que o partido pode apresentar “avaliações e propostas muito diferentes das outras, por ser mais radical no campo da esquerda”. No segundo turno, entretanto, a situação muda. Se o candidato Jair Bolsonaro (PSL) chegar à fase final, por exemplo, o partido “vai ter responsabilidade, para evitar a vitória dele”.

Luciana Santos, do PCdoB, considera baixas, porém não impossíveis, as chances de que o desenrolar do cenário de fragmentação leve dois candidatos de direita ao segundo turno. A estratégia para evitar que isso ocorra, entretanto, ainda não foi definida. Menos firme que Medeiros em defesa da candidatura própria, Luciana não nega a possibilidade de que o PCdoB se junte a outro candidato, nem de que Manuela, pré-candidata do partido, se configure como a melhor opção da esquerda, no caso de uma convergência. 

Hoje com cerca de 2% das intenções de voto, ela é “candidata para valer”, garante Luciana. “Até que, lá para a frente, a gente discuta como faz”, ressalva. A filosofia é a mesma do PSol: “Se todo mundo mantiver as candidaturas, não tem por que a gente não manter a nossa”. (A.A)

"Eles estão cientes que não são competitivos, mas se não lançarem candidatos agora, vão lançar quando? Quando Lula voltar?”

Thiago Vidal, coordenador de análise político da consultoria Prospectivas

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Incertezas na direita

15/04/2018

 

 

A pulverização na esquerda e no centro também gera incertezas na direita. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pré-candidato à Presidência da República, nadou de braçadas neste espectro político até agora. O discurso antipetista nutriu a candidatura e a promessa de combate à corrupção consolidou o eleitorado. Mas a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a falta de partidos fortes para a montagem de uma coligação que ofereça mais minutos de televisão são fatores que podem desidratar o ex-militar.

O presidenciável, por ora, evita os debates e aposta no clamor do público e nas redes sociais como a chave para o sucesso nas eleições. Sem a expectativa de angariar muitos minutos de tevê, a avaliação é de que chamadas ao vivo na internet dos perfis de Bolsonaro e dos filhos políticos possam conseguir convencer eleitores.

Combate

Há, também, a expectativa de que um discurso combativo ao pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, consiga atrair votos. As fichas apresentadas até o momento pela candidatura de Bolsonaro, no entanto, não convencem o cientista político Murilo Aragão, sócio da consultoria Arko Advice. “Ele vai com um partido fraco, que tem poucos deputados, pouco tempo de televisão e pouco dinheiro. E não tem palanque estadual. A base dele é muito pragmática e, na hora que ver que ele não consegue decolar, o abandonará”, sustenta.

A análise de Aragão é de que a base de Bolsonaro tende a priorizar as eleições no Congresso, e não necessariamente o atual líder. “Para esses, o importante é proteger as posições estratégicas, não eleger o Bolsonaro. A lealdade e apoio irá até certo ponto. E esse ponto só será mantido se a campanha dele se viabilizar de verdade.”