Correio braziliense, n. 20052, 15/04/2018. Política, p. 4

 

Dos palacetes para as penitenciárias

Bernardo Bittar

15/04/2018

 

 

UM PAÍS SOB TENSÃO » Lava-Jato completa quatro anos com a marca de colocar figurões na cadeia. Lista inclui o ex-presidente Lula, o deputado cassado Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral

Ter uma Justiça que funcione e puna o criminoso independentemente do poder ou da conta bancária ainda desperta suspiros. É umanseio nacional. Estamos nos acostumando à ideia de que, durante quatro anos, a Operação Lava-Jato condenou 160 pessoas entre os principais políticos e empresários do país. No Superior Tribunal de Justiça, há nove governadores investigados e três denunciados. Autoridades que desafiaram o Judiciário foram obrigadas a deixar os extravagantes palácios em que sempre viveram e trabalharam para dividir celas nas penitenciárias brasileiras.

Um capítulo que poderia ficar conhecido como a década das prisões merece especial atenção. Há 10 anos, o  então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era o homem mais poderoso da República. Recebeu R$ 1,3 trilhão para organizar a estrutura de 232 mil pessoas no governo federal, segundo cálculos do Ministério do Planejamento e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O petista foi preso na semana passada, após seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitarem o pedido de habeas corpus da defesa. Lula foi condenado a 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). Ainda pairam contra ele mais oito processos.

Considerado até então um ótimo articulista político, o deputado cassado Eduardo Cunha (MDB) teve poder suficiente para colocar em xeque a atuação do mais alto cargo eletivo do país. O ex-senador Luiz Estevão conseguiu fazer com que um processo contra ele se arrastasse durante muitos anos. Paulo Maluf (PP) fez a mesma coisa. Geddel Vieira Lima (MDB) foi condecorado 11 vezes com medalhas importantes — como a Ordem do Mérito Naval em Grau de Grande Oficial, recebida em 2007. Nenhum deles escapou da Justiça quando seus crimes foram revelados.

“É um fato que as coisas estão aí acontecendo, mas ainda há desigualdade nesse meio. Falar que a lei chegou aos políticos é um fato, mas dizer que vale para todos ainda é precipitado”, diz o cientista político Glauco Peres da Silva, professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele acredita que a punição não chega com a mesma rapidez a todos os casos. “Esse discurso precisa ser mais bem entendido. Temos o foro privilegiado, a articulação política, os movimentos sociais… Mecanismos que deixam impune quem sabe usá-los.”

Glauco explica que a grande evolução neste cenário é a possibilidade de acabar com o “você sabe com quem está falando?”. “Hoje não tem mais essa, a polícia investiga, e a Justiça prende quem comete crimes. Chegou aos políticos. É verdade e é simples de entender, mas ainda não chegou a todos”, observa.

Denúncias

Símbolo de um tempo em que a Justiça, além de lenta, era seletiva, o deputado federal afastado Paulo Maluf (PP) foi preso aos 86 anos, velho e debilitado, por crimes cometidos há décadas. A trajetória do ex-governador de São Paulo sempre foi marcada por seguidas denúncias de corrupção, peculato e até lavagem de dinheiro. Seu nome figurou, durante muitos anos, na lista vermelha da Interpol. “Concordei com a prisão, mesmo ponderando que o assunto é de uma sensibilidade enorme. Um senhor de idade não deixa de ser culpado dos crimes que cometeu quando era jovem. Agora, as pessoas vão ter medo”, afirmou a psicóloga Juliana Cardoso Gebrim, palestrante e professora aposentada da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Em alguns casos, prender não é o suficiente. Personalidades como o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) ainda conseguem burlar o sistema. O carioca deu um “jeitinho” e descolou uma sala de cinema na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio. Também conseguiu complementar a dieta com camarão, bolinho de bacalhau, queijos importados e iogurte. “Pequenos prazeres”, disse ele à Polícia Federal durante o inquérito que apurava as regalias.

O que reascende a esperança de que todos são iguais perante a lei são casos como o do ex-senador Gim Argello (PTB) que, recentemente, teve um pedido de redução de pena negado pela Justiça por não ter alcançado nota suficiente no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Formado em direito, o empresário não conseguiu a nota mínima na prova escrita nem na redação. Como todo mundo, poderá tentar de novo. Mas só recebe a recompensa se trabalhar duro.

Poderosos prisioneiros

Na última década, grandes nomes do establishment político viram a vida mudar. O posicionamento mais agressivo do Ministério Público e o aval do Judiciário ajudaram no combate ao desvio de dinheiro dos cofres públicos. Autoridades que antes acreditavam ser inacessíveis e se refestelavam com assalto ao erário viram que quem comete crimes precisa pagar por eles.

Lula(PT): preso em Curitiba

Condenado a 12 anos e um mês de prisão, foi presidente da República durante dois mandatos consecutivos, entre 2003 e 2011. O petista passou por situação inédita ao deixar o cargo com quase 80% de aprovação. Os números eram tão bons que Lula teve força suficiente para eleger uma sucessora até então inexpressiva - a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff - a quem controlava nos bastidores.

Eduardo Cunha (MDB): preso em Pinhais (PR)

Condenado na 14 anos e seis meses de prisão, foi o deputado mais influente do país em 2015, quando assumiu a presidência da Câmara. Ganhou ainda mais protagonismo colocando o impeachment de Dilma, então presidente da República, para ser votado. Perdeu o mandato menos de um ano após assumir a Câmara e foi preso em seguida.

Antonio Palocci (sem partido): preso em Curitiba

Homem de confiança de Lula, de quem foi ministro da Fazenda em 2006, Palocci também foi importante no governo Dilma. Continuou perto do poder, sempre nos bastidores até ser chamado para chefiar a Casa Civil da Presidência da República, em 2011. Preso, Enviou uma carta ao PT se defilando e fazendo críticas a Lula.

José Dirceu (PT): cumpre prisão domiciliar em Brasília

O primeiro ministro da Casa Civil de Lula foi acusado de tráfico de influência, participação em organização criminosa, enriquecimento ilícito e outros crimes relativos à corrupção praticados entre 2003 e 2016, durante os governos do PT. Ele foi condenado duas vezes pela Lava-Jato, com penas somadas que chegam a 32 nos, e virou réu pela terceira vez no mês passado.

Paulo Maluf (PP): cumpre prisão domiciliar em São Paulo

Foi condenado em maio do ano passado por lavagem de dinheiro e teve o primeiro recurso rejeitado em outubro pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal. Recentemente, a defesa impetrou novo habeas corpus para tentar tirar o ex-governador de São Paulo da cadeia. Com 86 anos e apresentando sinais de fragilidade, Maluf aguarda uma decisão da Justiça sobre o cumprimento da pena.

Geddal Vieira Lima (MDB): preso em Braília

Uma mala de dinheiro com R$ 51 milhões escondida em um apartamento de Salvador foi o passaporte de Geddel para a cadeia. O baiano está preso desde o ano passado de forma preventiva e já tenta negociar uma delação com a Polícia Federal. Foi ministro da Integração Nacional de Lula, em 2007, vice da Caixa Econômica Federal, com Dilma, em 2012, e da Secretaria de Governo de Michel Temer, em 2016.

Gim Argello (PTB): preso em Curitiba

Condenado a 11 nos e 8 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, teve uma das maiores equipes de assessores da história da Câmara Legislativa. Cerca de 25 pessoas o auxiliavam enquanto presidiu a Casa. Gim foi diplomado como senador suplente de Joaquim Roriz em julho de 2007, assumiu o cargo com a renúncia do ex-governador, mas não se reelegeu.

Henrique Eduardo Alves (MDB): preso em Natal

Preso por desvios no fundo de investimento do FI-FGTS, o ex-presidente da Câmara teve o pedido de prisão domiciliar negado pelo STJ em fevereiro. Henrique Alves tomou posse em 2015 como Ministro do Turismo de Dilma, mas deixou o cargo no ano seguinte, quando a presidente passou pelo impeachment. Citado na delação do doleiro Alberto Youseff, passou a ser investigado pelo MPF, que descobriu irregularidades e pediu a prisão preventiva.

Sérgio Cabral (MDB): preso no Rio de Janeiro

Preso preventivamente desde novembro e réu em 22 processos da Lava-Jato, o ex-governador do Rio de Janeiro ficou 83 dias preso em Curitiba e conseguiu no Supremo ser transferido de volta para a capital fluminense. O motivo foram as denúncias feitas pelo MPF de que ele tinha regalias na prisão, como bebidas importadas, frutos do mar e queijos exóticos. Juntas, as penas para seus crimes somam 100 anos.

Luiz Estevão (sem partido): preso em Brasília

Condenado a 26 anos de prisão por irregularidade nas obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, o ex-senador está preso desde março de 2016. Para evitar a prisão, os advogados dele interpuseram 36 recursos e fizeram o processo se arrastar por 17 anos.