Correio braziliense, n. 20093, 27/05/2018. Política, p. 3

 

PF pede prisão de empresários

Bernardo Bittar e Alessandra Azevedo

27/05/2018

 

 

Corporação abre 37 inquéritos para apurar se patrões aproveitaram a greve dos caminhoneiros para obter vantagens financeiras

A Polícia Federal instaurou 37 inquéritos em 25 unidades da Federação para apurar a prática de locaute durante a greve dos caminhoneiros. Trata-se de um crime que ocorre quando empregadores proíbem seus empregados de trabalhar. Geralmente, essa prática visa ao lucro decorrente da paralisação. A pena para quem comete o crime pode chegar a até 16 anos, tempo de prisão equivalente ao de condenados por homicídio.

O assunto foi discutido ontem em reunião emergencial convocada pelo presidente Michel Temer. Oito ministros estiveram no Palácio do Planalto pela manhã. O titular da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que a PF pediu a prisão de empresários que estariam comprovadamente por trás do movimento, coordenando ou incentivando a greve, o que é proibido pela lei por afrontar a livre concorrência. Cerca de 20 pessoas são oficialmente investigadas.

“Hoje, temos a convicção de que, além do movimento paredista, existe o locaute”, declarou o ministro, após mais de três horas de reunião com o presidente. “A PF já tem inquéritos abertos para investigar essas suspeitas. E os empresários suspeitos serão intimados”, acrescentou. Além disso, os donos de transportadoras que não voltarem ao trabalho terão que pagar multas de R$ 100 mil por hora, disse o ministro. Sobre os pedidos de prisão, Marun repassou a informação do diretor-geral da PF, Rogério Galloro, de que já foram feitos e que, agora, resta aguardar manifestação da Justiça. A PF, segundo ele, não pode dar mais detalhes.

Segundo o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, foram expedidos 400 autos de infração que correspondem a cerca de R$ 2,8 milhões em multas. Além das investigações da PF, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também abriu inquérito, na sexta-feira, para investigar a possibilidade de locaute. Se as suspeitas forem confirmadas, as empresas envolvidas poderão ter que pagar multas de até 20% do faturamento anual, sem contar outras possíveis sanções, como proibição de participar de licitações e de ter acesso a empréstimos subsidiados em bancos públicos.

Avaliação

A advogada especialista em direito concorrencial Ana Frazão, ex-conselheira do Cade, lembra que a entidade pode tomar medidas preventivas, como determinar a suspensão de alguma conduta até o fim da investigação, caso julgue necessário. “É preciso fazer análises econômicas muito detalhadas para se chegar a uma conclusão. Por isso, pode demorar para que a investigação seja concluída. Mas, quando há evidente risco à concorrência, é possível tomar medidas excepcionais”, pontuou.

O professor de direito penal Celso Vilardi, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, afirma que, embora existam evidências sobre o crime, é necessário haver investigação comprovando o ocorrido. Ainda que o governo credite a culpa dos atrasos aos empresários, Vilardi afirma que “é muito cedo para se falar em condenação”. A pena para quem pratica locaute pode chegar a 16 anos de cadeia, o mesmo que um homicídio simples. “Na minha opinião, é um pouco exagerada. São dois problemas sérios. O locaute está atrapalhando o país inteiro, se tiver mesmo acontecido. E a pena é severa, a mesma de quem mata uma pessoa.”

Além do crime financeiro, o locaute também pode ser caracterizado como constrangimento ilegal. “É uma coisa que está atrapalhando a coletividade”, aposta o coordenador de pós-graduação da Faculdade de Direito do Instituto de Direito Penal (IDP-SP) Fernando Castelo Branco. Como indícios, você tem a falta de produtos básicos e até a atuação do Procon, que multou alguns estabelecimentos que praticaram preços abusivos durante a semana que passou. “A situação precisa ser resolvida logo, mas os processos judiciais ainda vão dar muito o que falar”, aposta o criminalista.

 

Frase

“É preciso fazer análises econômicas muito detalhadas para se chegar a uma conclusão. Por isso, pode demorar para que a investigação seja concluída”

Ana Frazão, especialista em direito concorrencial