Correio braziliense, n. 20093, 27/05/2018. Economia, p. 8

 

Paralisação escancara dependência rodoviária

Rosana Hessel

27/05/2018

 

 

Caos no abastecimento revela que o país é refém do transporte sobre rodas e do diesel. 60% dos produtos viajam de caminhão

A crise de abastecimento na qual o país mergulhou com a paralisação de caminhoneiros, iniciada na última segunda-feira, revela o quanto o país é refém do modal rodoviário e, principalmente, do óleo diesel, que é o combustível que move a economia brasileira. Atualmente, mais de 60% de tudo o que é transportado no país viaja sobre os caminhões e esse percentual tem sido crescente nos últimos anos devido à falta de investimentos para diversificar a matriz de transportes.

Entre 2006 e 2016, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Instituto Ilos — Especialistas em Logística e Supply Chain, a fatia das rodovias na matriz de transportes brasileira avançou de 59% para 62,8%. No mesmo período, a participação da ferrovia recuou de 24% para 21%.

“O principal problema é que o Brasil é dependente do caminhão e essa dependência aumentou nos últimos anos. Não temos uma ferrovia forte e os investimentos nesse setor estão paralisados há quase sete anos”, lamenta o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Fleury, um dos maiores especialistas em logística do país e fundador do Instituto Ilos. Ele destaca que o combustível está em praticamente tudo na economia. “Nos últimos anos, a participação do rodoviário aumentou na matriz de transportes e a dos outros modais diminuiu”, emenda.

Na avaliação do economista André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da Fiesp, o transporte rodoviário é essencial na economia porque ajuda a agregar valor aos produtos, desde a soja, passando por veículos e itens de informática. Mas ele também lamenta a dependência elevada não só do caminhão, mas, sobretudo, do diesel. “A matriz dominante de transporte é resultado de uma escolha dos governos passados e hoje sofremos as consequências das decisões políticas”, frisa, lembrando que o transporte ferroviário também é movido a diesel, assim como o marítimo e o hidroviário.

Até mesmo a energia elétrica, uma boa parte (cerca de 20%) vem de termoelétricas movidas a combustíveis fósseis. Rebelo destaca que os serviços, que têm um peso de 70% na composição do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, dependem, em sua essência, dos transportes. O diesel, sozinho, tem um peso de 2% a 2,5% no PIB, calcula. “Esse percentual é superior ao peso da indústria automobilística, de 1,5% do PIB”, afirma.

Para o economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a importância do diesel na economia é grande, porque praticamente todos os produtos consumidos no país são transportados, em algum momento, por caminhões. Também tem relevância na composição dos preços em geral, apesar de o diesel ter um peso menor do que o da gasolina na composição da inflação, de apenas 0,15 ponto percentual, contra 4,36 pontos da gasolina no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). “O diesel não pesa diretamente no IPCA, mas ele movimenta a economia, desde o transporte de produtos agrícolas até o de produtos manufaturados, passando pelos ônibus nos grandes centros, navios e até a geração de energia”, destaca.

O chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, reforça que a crise ganhou uma proporção gigantesca, porque o combustível e o caminhão são dois componentes que não têm substituto. “A falta de combustível, principalmente o diesel, inviabiliza a economia, porque muitos produtos têm giro rápido nos estoques e são impactados no preço”, explica.

No caso da indústria automobilística, que trabalha no just in time, com estoque reduzido de autopeças, várias fábricas tiveram problemas para dar continuidade à produção. “O giro dos estoques no comércio, em geral, também é rápido. E eles acabam sendo repostos várias vezes ao longo do mês. Com o desabastecimento, o impacto foi direto nos preços”, explica.

Atraso tecnológico

Na avaliação de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), a dependência do rodoviário e do diesel escancarada pela greve dos caminhoneiros mostra como o país está atrasado nas discussões de vanguarda sobre infraestrutura. “No mundo, há opções de substitutivo para o diesel, como o GNL (Gás Natural Liquefeito), tanto para caminhões quanto para navios, o que é a modernidade. O gás natural é mais barato e polui muito menos, mas não se discute isso. O país está atrasado no debate de mudança tecnológica”, destaca.

Fleury, da UFRJ, ressalta que, estruturalmente, é muito difícil resolver esse problema da dependência do diesel e das rodovias no país. “O caminhoneiro está em qualquer lugar do país. E a maioria da categoria é de motoristas autônomos. Isso provoca vulnerabilidade”, alerta. Rebelo, da Fiesp, lembra ainda que a crise reflete um problema maior que é a falta de demanda por frete. “Hoje, o motorista autônomo não está mais conseguindo repassar os aumentos sucessivos no diesel em função da alta do dólar e do petróleo para o cliente, porque não há tanta carga disponível para ser transportada. A economia está demorando muito para reagir da recessão de 2015 e 2016 e isso se reflete no frete”, avalia.