Correio braziliense, n. 20093, 27/05/2018. Economia, p. 9

 

Falta investimento em trilhos

Rosana Hessel

27/05/2018

 

 

Brasileiros perdem muito tempo nos deslocamentos urbanos, porque o transporte ferroviário é pouco explorado no país

Diante da enorme dependência que a economia e os brasileiros têm do modal rodoviário, volta à tona a velha discussão sobre a necessidade de alternativas para reduzir a relevância dos carros e caminhões na vida da população. Nessas horas de aperto, as pessoas começam a comparar como países que têm uma boa infraestrutura de trilhos, como trens, metrô e VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), proporcionam maior qualidade de vida nos grandes centros urbanos, além de poluírem menos.

A superintendente da ANPTrilhos, Roberta Marchesi, lembra que a falta de investimentos nas ferrovias vem desde a década de 1950, quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi um dos principais responsáveis pelo sucateamento de uma malha que um dia já foi maior do que a dos Estados Unidos ao apostar na indústria automobilística em detrimento das ferrovias. “Aos poucos, o governo foi abandonando o investimento. O país chegou a ter 5 mil quilômetros (km) de vias de transporte urbano e hoje tem apenas 1 mil km para o transporte de passageiros”, critica, lembrando que o mandato de quatro anos não estimula prefeitos e governadores a investirem em projetos de metrô.

A especialista ressalta que a cidade de São Paulo, com a maior malha de metrô do país, tem apenas cerca de 40km enquanto Londres e Nova York possuem 400km. “A cidade do México, que inaugurou o metrô na mesma época em que São Paulo (no fim da década de 1970), hoje tem 220km”, compara. A predominância do transporte individual em detrimento ao de massa traz, inclusive, uma falsa sensação de mobilidade, na avaliação de Roberta. O brasileiro gasta, em média, 1,5 hora no deslocamento de casa para o trabalho, o que dá 90 horas por mês desperdiçadas no trânsito. “O investimento em trilhos proporciona muito mais produtividade para o indivíduo, que pode usar esse tempo no lazer, na educação e na saúde”, assinala.

O consultor Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), também lamenta a falta de investimento em ferrovias e o fato de o país ter dimensões continentais e necessitar que uma carga seja transportada do Sul para o Nordeste de caminhão. Pelas contas de Figueiredo, o Brasil tem apenas 3km de ferrovia para cada quilômetro quadrado (km²) de território, enquanto os Estados Unidos têm 10 vezes mais: 30km de trilhos para cada km². “Dois terços dos trechos concedidos estão abandonados. Dos 28 mil km de malha concedida, apenas 8 mil km operam atualmente”, diz, lembrando que o transporte de passageiros ficou em segundo plano no processo de privatização.

Para Figueiredo, o mais grave hoje é que as rodovias estão no limite. “As estradas estão malconservadas. Os caminhoneiros fazem sacrifícios para continuar trabalhando, enquanto a oferta de carga ainda não se recuperou”, destaca. O especialista reconhece que, como o problema é estrutural, demanda tempo para ser corrigido. “Melhorar a ferrovia demora, portanto, o país precisa conviver e cuidar do rodoviário para profissionalizar o negócio. O caminhoneiro não pode ficar três dias parado no porto esperando para descarregar”, avalia.

Bonde perdido

Na avaliação de Roberta, por conta da má administração e das escolhas erradas do poder público, o Brasil perdeu o bonde ao deixar de avançar os projetos de mobilidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas. “Nas obras previstas, havia projetos de 70 km de linhas de trilhos e o governo não conseguiu entregar 1 km. O país não aproveitou uma oportunidade única de deixar um legado positivo para a população”, lamenta.

Paulo Furquim, professor de finanças do Insper, afirma que falta uma estratégia de desenvolvimento no país, porque nem a política de incentivo ao etanol, que é um combustível mais limpo e não fóssil, se sustentou. “O que o país tem feito é sujar a matriz energética, usando mais petróleo”, lamenta.

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Peso da carga tributária

27/05/2018

 

 

Em meio à escassez de combustíveis nos postos e à falta de serviços públicos de qualidade, o peso da carga tributária e do pouco retorno que o estado dá não deixa de ser um questionamento frequente para quem tem ficado horas a fio nas filas dos postos para encher o tanque do carro. Na bomba, a gasolina é a campeã de impostos. Praticamente, 62% do preço do produto são para pagar tributos federais, estaduais e municipais, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Mas o diesel não fica atrás. Quase metade, 46,6%, do custo são impostos, percentual parecido com o do querosene de aviação: 46,7%

O presidente do IBPT, João Eloi Olenike, explica que o alto percentual da gasolina, quase parecido com a tributação do cigarro, é resultado do forte aumento de PIS-Cofins ocorrido no ano passado, de mais de 40%. Antes, o peso dos tributos girava em torno de 53%. Apenas o etanol, com 29,5%, fica abaixo da média da carga tributária de 33,6%, porque tem subsídios. Para o especialista, como o maior volume de cargas é transportado por estradas e com o diesel tributado em quase 50%, “inviabiliza qualquer retomada na economia.”

Olenike destaca que a falta de retorno dos serviços públicos básicos não é proporcional à carga tributária. “Os brasileiros pagam imposto sobre a renda, o patrimônio e o consumo e ainda pagam por fora serviços particulares para compensar a ausência do Estado, como plano de Previdência, escola particular, cerca de arame eletrônico e pedágio. O governo não entrega serviços de qualidade pelos quais cobra porque gasta muito mal os R$ 2,3 trilhões de impostos que arrecada”, critica.

A redução de 10% no preço do litro do diesel, anunciada pela Petrobras e que os cofres da União vão subsidiar até o fim do ano, é paliativo, não resolverá a crise por muito tempo. “O governo está empurrando o problema com a barriga para o próximo presidente”, alerta. Para ele, essa discussão precisa entrar no debate eleitoral, porque uma reforma tributária se faz necessária. “Os serviços essenciais previstos na Constituição, como medicamento e material escolar, não deviam ter carga tributária tão elevada. Isso é um contrassenso”, pontua.

Negociações

As negociações entre o governo e os caminhoneiros para reduzir tributos sobre o diesel devem acalmar o clima de tensão nas estradas, mas vão agravar as contas públicas, que têm como teto da meta fiscal um rombo de até R$ 159 bilhões. A isenção da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e a alíquota de PIS-Cofins sobre o diesel, pelas contas do economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria, deve provocar um rombo de R$ 8,6 bilhões nos cofres do governo. “Será necessário compensar via aumento de imposto ou corte  de despesas para cumprir a meta fiscal”, destaca.

Klein lembra que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) tem um peso maior do que os tributos federais. “A carga do ICMS varia de 12% a 25% e incide sobre o valor final do produto. Os estados, portanto, precisam participar da discussão da desoneração, porque não é só o governo federal que tem que pagar essa conta da crise dos combustíveis”, avalia. O governo começou a negociar com os estados na sexta-feira e terá nova reunião na terça. Por enquanto, apenas 10 entes federativos aceitam reduzir o ICMS sobre diesel. (RH)

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Recursos escassos para mobilidade

27/05/2018

 

 

O forte desequilíbrio no orçamento federal vem fazendo com que governo sacrifique cada vez mais os investimentos, comprometendo a manutenção da infraestrutura existente e minando a ampliação de obras que poderiam ajudar a melhorar a vida dos contribuintes. Como a maior parte de tudo que o governo arrecada acaba indo para pagar despesas obrigatórias — como a folha de pagamento e os benefícios previdenciários —, que crescem em ritmo mais acelerado do que a inflação, sobram menos recursos para esses desembolsos. Não à toa, o país patina e não consegue voltar a crescer conforme o esperado após a crise econômica.

Especialistas lembram que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007 pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alavancar os investimentos em infraestrutura, praticamente caiu no esquecimento. Conforme dados do Tesouro Nacional, o volume de investimentos atingiu o pico de R$ 57,7 bilhões, ou 1% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2014, ano em que as contas públicas começaram a fechar no vermelho. No ano passado, caiu pela metade em termos percentuais, para R$ 29,6 bilhões e a tendência é de que, nos próximos anos, seja zerado.

A queda no investimento reflete na taxa de Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB, que atingiu o menor nível da história em 2017: 15,6%. Pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), esse indicador não chegará a 20% do PIB nos próximos cinco anos, o que limitará um crescimento mais robusto daqui para frente.

O consultor Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), reconhece que o investimento só encolhe diante da falta de equilíbrio nas contas públicas e acaba prejudicando o desenvolvimento do setor. “O governo cobra outorga na concessão das ferrovias e, em vez de aplicar na melhoria de infraestrutura, bota o dinheiro no caixa do Tesouro para cobrir o deficit fiscal”, critica. Para ele, o setor de ferrovia é estratégico.

Figueiredo lamenta o fato de o projeto do trem-bala não ter saído do papel, apesar de custar menos do que os R$ 51 bilhões de prejuízo que a política de congelamento no preço da gasolina provocou na Petrobras. Na avaliação do consultor, é imprescindível que a ampliação da malha seja feita e que novos trechos sejam concedidos, porque há investidores de olho nas oportunidades que existem nesse setor.

A superintendente da ANPTrilhos, Roberta Marchesi, destaca que a falta de investimento no transporte ferroviário é sistêmica. “A crise atual é uma grande oportunidade para que o próximo presidente comece, desde já, a pensar em mudar o quadro atual e a avançar na discussão de projetos de mobilidade urbana para as grandes cidades e, também, para as médias, que podem ter os mesmos problemas que as capitais passam daqui a alguns anos”, pontua. (RH)

 

Frase

“A crise atual é uma grande oportunidade para que o próximo presidente comece, desde já, a pensar em mudar o quadro atual e avançar na discussão de projetos de mobilidade urbana”

Roberta Marchesi, superintendente da ANPTrilhos