Correio braziliense, n. 20093, 27/05/2018. Mundo, p. 16

 

Conciliação em jogo

Jorge Vasconcellos

27/05/2018

 

 

COLÔMBIA » País vai às urnas para o primeiro turno de uma disputa presidencial em que o tema central é o acordo de paz firmado pelo atual governante, Juan Manuel Santos, com a principal guerrilha esquerdista

A direita conservadora e a esquerda radical da Colômbia se enfrentam hoje no primeiro duelo em eleições presidenciais, após uma campanha polarizada que trouxe incertezas sobre questões sensíveis, como o futuro do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), guerrilha que se desmobilizou e adotou a mesma sigla como partido político. A corrupção, a desaceleração econômica, a saúde e o avanço do narcotráfico, que afeta as fronteiras com Venezuela e Equador, também preocupam os colombianos. O candidato direitista Iván Duque, favorito nas pesquisas, está 10 pontos à frente do esquerdista Gustavo Petro, ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (M-19) e ex-prefeito de Bogotá. Se necessário, o segundo turno será em 17 de junho.

Representante do Centro Democrático e apoiado pelo ex-presidente e hoje senador Álvaro Uribe, Duque começou a construir a vantagem eleitoral com a ameaça de revogar o acordo, ecoando anseios da grande maioria do eleitorado. Na reta final da disputa, arrefeceu o discurso para propor “algumas reformulações” e, ontem, pelo Twitter, escreveu que a “campanha não é contra nada”. “É pela Colômbia, para a Colômbia e com a Colômbia”, seguiu. Petro, da coligação Colômbia Humana, não só apoia o pacto como prometeu trabalhar fortemente com o parlamento pela sua implementação.

Em 24 de novembro de 2016, o presidente Juan Manuel Santos e o chefe das Farc, Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, celebraram um histórico acordo para acabar com mais de 50 anos de conflito — que envolveram guerrilhas de esquerda, grupos paramilitares de extrema-direita e as forças oficiais. A guerra deixou mais de 260 mil mortos, 83 mil desaparecidos e 7,4 milhões de deslocados em um país que tem hoje 48,6 milhões de habitantes.

Criadas em 1964, após uma insurreição camponesa, as Farc tiveram entre seus golpes mais marcantes o sequestro, em 2002 da candidata presidencial Ingrid Betancourt, libertada pelo Exército após seis anos. A mais poderosa guerrilha da América Latina depôs as armas e se tornou um partido político, a Força Alternativa Revolucionária do Comun (Farc). O acordo de paz prevê também reformas política e agrária e uma Justiça especial que garante aos dois lados a substituição de penas criminais pelo reconhecimento da culpa e consequente indenização às vítimas.

“O acordo corre risco ante uma provável chegada do candidato do uribismo à presidência, principalmente por causa da falta de implementação e do desconhecimento em torno dele”, afirmou ao Correio Jaime Fajardo Landaeta, constituinte de 1991, colunista e analista de opinião colombiano. “Há questões que tentarão mudar e até mesmo retirar do acordo, inclusive a Justiça de transição, ou Justiça Especial de Paz, que se tornou um dos maiores temores do chefe do Centro Democrático, Álvaro Uribe”, acrescentou.

Após o acordo com a guerrilha, os homicídios nas zonas de cultivo de coca aumentaram 11% em 2017, chegando a 39,5 para cada 100 mil habitantes. Dissidentes das Farc, além do Exército de Libertação Nacional (ELN) e de várias gangues, disputam territórios no país que é o primeiro produtor mundial da folha de coca, matéria-prima da cocaína, com 146 mil hectares plantados. Também é o maior produtor de cocaína, com 866 toneladas em 2016, segundo a ONU.

O presidente Juan Manuel Santos lançou em maio um programa de substituição de 50 mil hectares de plantações de coca em 12 meses, em troca de um ano de subvenções e dois anos de assistência técnica. Além disso, a Colômbia espera erradicar à força 50 mil hectares adicionais.

“A paz chegou, mas não se pode dizer o mesmo da Justiça. O país está dominado pelo narcotráfico, pela violência e pela corrupção”, disse à reportagem o professor Argemiro Procópio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “Áreas antes controladas pelas Farc hoje estão nas mãos de milícias e do ELN”, acrescentou Procópio.

Ao perseguir uma paz completa, o presidente também negocia com o ELN, enquanto o Exército combate dissidentes das Farc e grupos armados do narcotráfico. Iniciadas há um ano, as conversações foram suspensas após uma série de atentados atribuídos ao grupo guerrilheiro. Às vésperas das eleições, o ELN anunciou um cessar-fogo.

“Não creio que o próximo governo, seja qual for, anule as negociações iniciadas com o ELN, mas poderá optar por um congelamento, pois é um grupo mais complexo para se negociar”, analisa Magda Catalina Jiménez Jiménez, professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidade de Externado, em Bogotá.

 

Pontos de vista

 

Por Magda Catalina Jiménez Jiménez

Transição delicada

A direita colombiana, representada pelo Centro Democrático e liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, é contra alguns pontos do acordo de paz, incluindo a Justiça de transição, mas não é contra o acordo como um todo, até porque ele é irreversível. No Legislativo, nem toda a direita  apresenta restrições. Há outros partidos, como o Partido Conservador e a Unidade Nacional, que são favoráveis ao acordo. Repito: não creio que seja o fim do acordo com a Farc, pois ele já está fechado, mas há alguns pontos que precisam ser aclarados para a sua operacionalização. Será uma transição difícil, sobretudo na questão da segurança, pois há grupos emergentes, bandos envolvidos com o narcotráfico em alguns territórios, e isso será muito mais complexo. Não que a paz seja um tema que nós não queiramos, ou que os eleitores da direita não queiram, mas pontos como a Justiça de transição são focos de grandes dificuldades nas negociações. Seja o próximo presidente de direita ou de esquerda, ele enfrentará dificuldades para a operacionalização do pacto.

Professora da Universidade de Externado (Bogotá)

 

Por Jaim Fajardo Landaeta

Retrocesso ameaça

O acordo de paz tornou-se um problema sério para empresários, pecuaristas e grandes proprietários de terra que financiaram a guerra ou patrulharam ativamente a guerrilha. Os crimes contra a humanidade cometidos pelos amigos de Uribe os colocam perante a Justiça, mas eles só querem que os ex-guerrilheiros prestem contas perante o tribunal de paz. Um eventual triunfo da direita nas eleições será um golpe significativo para a paz do país e para a Constituição de 1991, em si. Tenho medo de voltar a tempos muito sombrios do conflito armado e da política de ódio e vingança que os líderes da extrema-direita anseiam. A Justiça de transição deve dar passos mais precisos. Não pode ficar na defensiva. As Farc têm de mudar sua estratégia e dar mais força às questões de reparação coletiva e individual e à construção da memória histórica e da verdade integral. Estão muito enganadas, e com isso dão argumentos aos inimigos da paz.

Constituinte de 1991, colunista e analista de opinião

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Disputa resume a polarização do país

27/05/2018

 

 

O candidato mais jovem e líder nas pesquisas é o senador direitista Iván Duque, 41 anos, de inexpressivo histórico político, porém com um apoio de peso: o do controverso ex-presidente Álvaro Uribe, o senador mais votado nas eleições legislativas de março. O segundo colocado, com uma desvantagem de 10 pontos, é Gustavo Petro, ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá, 58 anos, que promete um pacote de reformas. Logo atrás aparecem o independente de centro Sergio Fajardo e o ex-vice-presidente Germán Vargas, que prometem surpreender nas urnas. O ex-negociador de paz com as Farc Humberto de la Calle surge em grande desvantagem, e o evangélico Jorge Trujillo não registra índice nas pesquisas.

Duque e Petro são a imagem de um país radicalmente dividido. “Essa polarização começou antes, no plebiscito de 2016 para referendar os acordos de paz”, destaca Juan Carlos Rodríguez, do Observatório da Democracia da Universidade dos Andes. A simetria de posições ficou clara, por exemplo, nos debates eleitorais sobre a crise na vizinha Venezuela, que empurrou 762 mil refugiados para a Colômbia, dos quais 518 mil desejam fixar residência no país.

A Colômbia praticamente não mantém relações diplomáticas com o governo do presidente reeleito Nicolás Maduro. A fronteira entre os dois países foi tomada pelo contrabando de gasolina, de mercadorias e de drogas.

Duque propagou a ideia de que, em um eventual governo “castrochavista” de Petro, a Colômbia se tornaria “outra Venezuela”. O candidato da esquerda não esconde a condição de simpatizande das ideias do falecido presidente venezuelano Hugo Chávez, mas afastou-se de Maduro e de seu projeto, que considera “adverso à democracia”.

O próximo governante colombiano nem mesmo foi eleito e já é alvo de um apelo de Maduro. “Espero que o presidente que for eleito tenha a altura, a valentia e a coragem para recompor as relações com a Venezuela, que Juan Manuel Santos, lamentavelmente, destruiu a níveis nunca vistos em 200 anos”, disse o chavista na semana passada, ao denunciar que “Santos está preparando planos macabros para criar uma situação de conflito bélico”. (JV)