Correio braziliense, n. 20093, 27/05/2018. Cidades, p. 22

 

Itens faltam nas prateleiras

Renata Rios e Renato Alves

27/05/2018

 

 

CRISE DOS COMBUSTÍVEL » Com medo de ficar sem comida e bebida em casa, moradores lotaram os supermercados para encher os carrinhos e as geladeiras. Por outro lado, na Ceasa-DF faltaram expositores, produtos e clientes. Com estoque em baixa, varejistas falam em fechamento das portas

Os brasilienses acordaram cedo para ir às compras. Mas, enquanto muita gente lotou os supermercados perto de casa para encher os carrinhos e as geladeiras, na Central de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa-DF) faltaram expositores, produtos e clientes. Com estoque em baixa, varejistas falam em fechamento das portas e até falência de pequenos comerciantes, caso o transporte de cargas não seja normalizado rapidamente.

A Ceasa-DF ficou vazia, em relação aos sábados, o dia de maior movimento. Muitos expositores não montaram as bancas por falta de produto ou de combustível para levar a carga. A maioria dos que foram trabalhar era pequeno produtor do DF e Entorno. Eles levaram o que cultivam em suas residências, em carros. No entanto, com a escassez de combustíveis nos postos, a maioria dos clientes não apareceu. O resultado foram hortaliças, frutas e legumes sob o risco de se perderem.

“Viemos fazer compras normalmente. Tem alguns produtos faltando, assim como o preço está um pouco mais alto que o normal”, reclamou Cecília Trentino, 60 anos, que acordou cedo para fazer compras na Ceasa-DF acompanhada do marido, José Augusto Trentino, 61, ambos aposentados.

Dermeval Oliveira, servidor público de 44 anos, também foi à Ceasa, como de costume, na manhã de sábado. “Achei o espaço mais vazio, com menos gente circulando e até menos barracas. Também senti falta de alguns produtos”, observou. A aposentada Maria Emília Lemos, 65 anos, foi outra que sentiu falta de itens. “Vim fazer compras normalmente, não para estocar, mas faltou muita coisa que eu não consegui encontrar”.

Prejuízos também tiverem os revendedores, que recebem mercadorias de médios e grandes fornecedores de outras unidades da Federação para repassar aos estabelecimentos do DF e Entorno. Com os caminhões retidos nos bloqueios feitos pelos grevistas em todo o país, os estoques das distribuidoras da Ceasa-DF estão quase zerados. “Esta semana, a Ceasa-DF recebeu apenas 10% dos caminhões que vêm dos estados. É mais ou menos isso que temos à venda hoje (ontem)”, contou Fernando Santos, chefe de estatísticas da companhia.

Clientes a pé

O cenário era parecido na tradicional feira do Cruzeiro. “O movimento até está normal. O problema é que já temos algumas mercadorias faltando. Talvez nem conseguimos abrir amanhã (hoje)”, relatou o feirante Alexandre Melo Souza, 42 anos, que trabalha há mais de 20 no ramo. Para ele, a falta de combustível também limita o deslocamento da clientela.

Terceira geração de feirantes da família, que começou na Feira do Cruzeiro em 1968, Marcelo Sarmento, 40 anos, também reclamou da queda. “Caiu mais de 25% o movimento da feira, logo em um sábado, que seria muito movimentado”, afirmou. “Está começando a faltar algumas coisas, como queijo, por exemplo. Só recebi de dois distribuidores, ambos aqui de Brasília”, completou.

A professora Nídia Andrade, 45 anos, foi à feira do Cruzeiro a pé, ontem. “Viemos andando, como uma forma de economizar gasolina e de fazer alguma coisa diferente. Trouxe até o cachorro!”, contou. Moradora do bairro, Sílvia Helena Martins, aproveitou a proximidade para gastar menos gasolina. “Até agora consegui tudo que procurei, mas reparei que está mais vazio.”

Portas fechadas

O presidente do Sindicato dos Supermercados do DF (Sindsuper-DF), Antonio Perón, afirma que o setor está ansioso por uma solução por parte do Poder Executivo brasileiro. “Os produtos perecíveis estão acabando mais rapidamente, pois os que não foram vendidos perderam a validade e tiveram que ser retirados das prateleiras. Muitos supermercados não têm mais fruta, verdura e legumes, por exemplo”, afirmou Perón. Ainda segundo ele, o sindicato alerta para que as pessoas tenham calma e não estoquem alimentos. “Acredito que essa situação será solucionada antes que os estoques dos supermercados acabem”, aposta.

O Sindicato do Comércio Atacadista do DF (Sindiatacadista) alerta que a escassez de produtos pode provocar um efeito cascata no comércio local, inclusive refletindo na arrecadação e geração de empregos. O sindicato pede para que os governos do DF e Federal encontrem, urgentemente, medidas concretas para solucionar a questão. Segundo os empresários do setor, a situação está agravada, agora, com a falta de combustíveis. Caso a situação permaneça assim até segunda-feira várias empresas atacadistas podem não operar para evitar mais prejuízo.

O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Rodrigo Freire, considera a situação crítica. “Estamos no limite. Se o reabastecimento não for normalizado até segunda feira, teremos um alto percentual de estabelecimentos fechados. Há muitas franquias com problemas. Para alguns empresários, um dia sem funcionar resulta no fechamento das portas para sempre”, destaca. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio-DF) chama a atenção para gravidade dos efeitos da greve nos setores de comércio e serviços.

No Fran’s Café do Sudoeste, os efeitos da falta de abastecimento começam a aparecer. “Recebemos um caminhão com produtos vindos de São Paulo, toda semana, porém, ele não chegou esta semana. Temos alguns itens que começam a faltar, como os pães, por exemplo”, contou Fabiano dos Santos, gerente da casa.

Gerente do restaurante Soho, Marcelo Ramos destacou que a situação da casa ainda não é das piores. Por enquanto há só dois itens indisponíveis no menu. “Na sexta-feira, consegui salmão por via aérea, o que nos deu mais alguns dias de autonomia. Mas, se a greve continuar, os efeitos serão mais severos. Temos pescados para mais três dias apenas”, afirmou Ramos. Ele explicou que os pescados da casa não passam pelo processo de congelamento.

Apesar dos alertas, tanto o comércio de rua quanto os shoppings funcionam normalmente hoje.

Frase

“Estamos no limite. Se o reabastecimento não for normalizado até segunda feira, teremos um alto percentual de estabelecimentos fechados. Há muitas franquias com problemas. Para alguns empresários, um dia sem funcionar resulta no fechamento das portas para sempre”

Rodrigo Freire, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)