O globo, n. 30922, 05/04/2018. Rio, p.  14

 

O desafio de recuperar as polícias no Rio

05/04/2018

 

 

Um dos principais objetivos da intervenção federal na Segurança Pública do Rio, a reestruturação das polícias estaduais dominou o encontro “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO e patrocinada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), com apoio do Banco Modal, para discutir saídas para conter a violência no Rio. O debate, na Maison de France, na última terça-feira, reuniu o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, e o cientista social e diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Eles destacaram estratégias para resgatar as polícias, como a importância do fim da ingerência política nas corporações e estratégias para aumentar e melhorar o trabalho dos efetivos nas ruas, além do combate à corrupção.

O evento foi mediado pelos colunistas Merval Pereira e Ancelmo Gois e teve a participação de empresários e editores do GLOBO.

Os dois concordaram sobre a necessidade do fim de indicações motivadas por relações políticas nas forças policiais. Jungamann diz que a intervenção deu um primeiro passo nessa direção reformulando as cúpulas da Polícia Militar e da Polícia Civil, no mês passado:

— Isso acabou. Não haverá mais indicação politica durante esse período. Não haverá indicação política nas forças policiais do Rio — disse Jungmann, destacando que parte dos policiais, no Rio e em outros estados, “vive em promiscuidade” com o crime organizado.

Renato Sérgio de Lima também considera que essas indicações são “um fio muito tênue entre o legal e o ilegal”. Ele pede mais transparência em relação às ações da equipe de intervenção.

— Se fosse uma lógica transparente, seria uma das primeiras medidas: acabar com a indicação política. Mas não é “acabou”só no discurso. É publicar uma resolução, dando métricas para que isso aconteça — destacou o sociólogo.

MINISTRO: LICENCIADOS E CEDIDOS NAS RUAS

Lima também defendeu o combate à corrupção dentro das próprias instituições como forma de valorizar os policiais. Ele cita que muitos dos PMs assassinados são vítimas de acertos de contas praticados por criminosos, mas isso ainda é tabu:

— A gente precisa separar o latrocínio daquele (PM) que (morre e) está envolvido com a criminalidade, com a corrupção. Porque hoje estamos com todos no mesmo balaio. Para valorizar o policial, é preciso separá-los e considerar que, os policiais estão sendo caçados pelo crime, mas nós também cortamos na própria carne.

Jungmann mencionou ainda outros pontos que serão foco de alterações durante a intervenção. O ministro disse que licenças médicas estão sob análise e reafirmou que as autoridades federais pretendem convocar de volta todos os 2,3 mil agentes cedidos a outros órgãos para integrar escoltas. Ele destaca que os poderes têm capacidade de contratar seguranças particulares.

— Estamos fazendo um recenseamento de pessoal, fazendo a revisão de todos aqueles que, por motivos de saúde, alguns por motivos reais e outros não tão reais, estamos fazendo um levantamento desse pessoal todo. Vamos começar a chamar de volta todos aqueles que estão prestando serviços à segurança privada.

Jungmann também criticou a curta formação recebida pelos PMs. Afirmou que esse período de estudos vai aumentar, acabando com o que chamou de “policial fast food”. Ele citou a qualificação permanente, ao lado dos investimentos em inteligência, como o diferencial da Polícia Federal.

O ministro anunciou que haverá redistribuição dos efetivos de PMs de acordo com as manchas criminais, uma estratégia de patrulhamento que já é usada em São Paulo, com a ajuda de um sistema computadorizado para traçar pontos críticos. Jungmann também defendeu a contratação de policiais militares temporários, nos moldes já adotados nas Forças Armadas, para realizar funções administrativas. Essa proposta liberaria policiais que ocupam esses postos para o trabalho nas ruas.

— Metade do efetivo do Exército é temporário. São aqueles que não têm a função de combate propriamente dita, são auxiliares, médicos, enfermeiros. Ao fazer isso, você libera os que ocupam essas funções para o patrulhamento.

Lima argumenta que intervenção precisa subverter ações convencionais para deixar um legado:

— A intervenção vai render poucos frutos se subir o morro para combater o tráfico ou a milícia. Surtirá mais efeito se conseguir reestruturar as polícias.

Jungmann, por sua vez, disse que a realidade violenta do Rio só vai mudar quando as forças policiais tiverem capacidade de inteligência para chegar ao comando do crime.

— As polícias precisam ser resgatadas. Resgatar como? Em um mês e meio, 45 dias? Não vai resgatar. Isso é um trabalho que vai levar tempo — argumentou.

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A importância do dinheiro exclusivo para segurança

05/04/2018

 

 

Outro problema identificado pelos dois participantes do encontro “E agora, Brasil?”, o ministro da Segurança, Raul Jungmann, e Renato Sérgio Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi a falta de integração entre União e estados para a gestão do setor de Segurança Pública. O ministro Raul Jungmann afirmou que a Constituição de 1988 prevê que o setor fique sob gestão dos estados, tirando essa responsabilidade quase por completo das cidades e da própria União. O ministro acredita que, desde então, sem grande volume de recursos destinados ao setor, as administrações vêm fugindo do tema. Ele cita um levantamento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2016, afirmando que, naquele ano, dos R$ 81 bilhões aplicados na Segurança Pública em todo o país, cerca de R$ 70 bilhões foram gastos pelos estados.

Diante desse quadro, Jungmann anunciou, durante o evento, que o governo federal prepara uma Medida Provisória, seguida por projetos de lei, para tentar aumentar sua ingerência sobre as políticas de Segurança dos estados e criar uma fonte de recursos fixa para o setor. A medida deve ser editada nesta semana ou na semana que vem, segundo ele. Trata-se de uma quantia (ainda não revelada) que, uma vez carimbada, será transferida para fundos estaduais para financiar ações na área de Segurança. Os estados precisariam aprovar a criação de fundos específicos destinados em suas Assembleias Legislativas. O Rio criou o seu no ano passado.

Os detalhes ainda estão em acerto com o Ministério da Fazenda, mas a ideia é condicionar o dinheiro à apresentação de resultados, tais como redução de índices de criminalidade e o desempenho das corregedorias policiais:

— Feito o contrato, estabelecidos quais são os recursos e quais são os indicadores que queremos alcançar, vamos dar total publicidade a isso. Ou seja, trimestralmente ou bimestralmente, seja como for, vamos publicar esses resultados. E aqueles que não publicam, serão penalizados — explicou o ministro, que não informou valores que serão repassados aos estados.

Jungmann disse ainda que não é só a falta de sintonia entre estados e União que prejudica o combate à violência. Ele também se queixou da falta de articulação entre os órgãos que se encarregam da Justiça criminal: as polícias, o Ministério Público, o Poder Judiciário e o sistema carcerário (gerido pelo Poder Executivo):

— Se considerarmos que dois desses grandes sistemas, o Ministério Público e o Poder Judiciário, têm autonomia assegurada a nível constitucional e são extremamente ciosos dessa autonomia, vocês podem entender como é que fica a possibilidade de se realizar justiça criminal com instituições diferentes, com autonomias diferentes, com regras diferentes, com velocidades diferentes — opinou.

Renato Sérgio de Lima destacou que a desarticulação entre os três entes federativos no âmbito da Segurança Pública não é sanada pela criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública — ocupado por Jungmann.

— Vivemos uma crise republicana e federativa na Segurança. Não temos nenhum órgão com competência legal pra coordenar os esforços. Acho que isso não existe e mesmo o Ministério (da Segurança) não cumpre esse papel, não tem essa condição legal de conseguir coordenar esses esforços. Como o ministro disse, a tentativa virá da indução de financiamentos, criando estímulos aos estados, mas, na prática não temos como na Saúde mecanismos de coordenação. Esse é o grande desafio.

Lima diz que o crime organizado teve seu poder acrescido diante da falta de um planejamento integrado para combatê-lo:

— No Brasil se trabalha demais, mas sem coordenar os esforços. Cada um vai para um lado, e isso gera vácuos. E o vácuo, no Rio de Janeiro, está sendo ocupado pelo crime organizado.