O globo, n. 30922, 05/04/2018. Rio, p. 15
Jungmann: ‘intervenção falha na comunicação com público’
05/04/2018
Para ministro, o problema se deve à formação militar do interventor; especialista cobra transparência e divulgação de metas
O ministro Raul Jungmann reconhece que há deficiências na comunicação dos interventores na Segurança do Rio com a opinião pública. No encontro “E agora, Brasil”, ele atribuiu a falha à formação militar dos comandantes da intervenção. E disse que vai procurar melhorar a informação aos cariocas sobre as estratégias adotadas, para não deixar a impressão de que o trabalho ainda não começou ou não está avançando.
— Devo confessar que há, de fato, um déficit de comunicação da intervenção com o público. Isso se deve à formação do militar, que é muito distante da comunicação. O militar passa o tempo de sua formação voltado para suas tarefas e atividades. Só quem deve falar pelos militares é o comandante. Romper com isso não é fácil. É um aprendizado — disse o ministro.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o principal problema é que a intervenção na Segurança Pública do Rio é civil, mas está sendo “regida pela lógica da segurança nacional e do controle da informação”:
— A gente não sabe de nada do que está acontecendo. Na Segurança Pública, a premissa é a da transparência. Quais são as metas fixadas para o interventor? Quais os indicadores que serão usados para medir se a intervenção deu certo ou não? Qual a matriz de resultados?
Lima lembrou que a comunicação foi elemento-chave para o sucesso da Operação Lava-Jato. A cada operação havia uma entrevista para explicar os objetivos e o progresso obtido pelos policiais federais e pelos procuradores:
— No desenho da intervenção, a comunicação não pode ser vista como inimiga. A gente precisa saber claramente onde se quer chegar, quais as medidas de curto, médio e longo prazo que estão sendo ou serão implementadas.
No debate, foi levantada a questão de que para muitos moradores do Rio a intervenção ainda nem começou, já que as tropas das Forças Armadas, que dariam visibilidade ao trabalho, continuam nos quartéis ou fazendo pequenas e rápidas incursões pela cidade.
TEMOR SOBRE A REAÇÃO
Para Jungmann, os generais precisam explicar que a principal função deles é a reestruturação da Polícia Militar e da Polícia Civil:
— Os que estão fazendo isso (comandando a intervenção) também estão em aprendizado, não estão prontos, não chegaram feitos. Estão procurando dar o melhor de si, pois entendem que a principal função deles é a reestruturação das polícias. Isso talvez não esteja ficando claro para a sociedade e vamos ter de melhorar.
O ministro disse acreditar que a intervenção está no rumo certo e que os resultados vão aparecer, embora não no ritmo que o morador do Rio anseia, pelos graves problemas de criminalidade enfrentados pelo estado.
— Não vamos ter um resultado espetacular do dia para a noite — afirmou Jungmann. — O principal objetivo é recuperar a capacidade operacional das polícia do Rio, que anda no nível mais baixo que se possa imaginar. Ela está sucateada, sem armamentos ou com armamentos ineficientes, e com problemas de rigidez nas corregedorias, com parte dos policiais em promiscuidade com o crime organizado.
O ministro explicou por que a intervenção não está obtendo resultados com mais rapidez e mais visíveis para a população. Admitiu que havia um temor de reação se o ritmo adotado fosse outro:
— Foi avaliada qual era a velocidade com que deveríamos entrar, e havia condição de talvez ser muito mais célere em algumas coisas. Mas imaginava-se que haveria uma contrapartida, uma reatividade, que faria com que tivéssemos problemas internos e externos em termos de segurança.
MUDANÇA DE PADRÃO
Para Renato Sérgio de Lima, a intervenção vai render muito pouco se puser os militares para subir os morros do Rio para combater tráfico ou milícia. Ele acha que o trabalho “vai surtir mais efeito” se conseguir reestruturar as polícias:
— A intervenção foi um ato político, que talvez não tenha respeitado um timing de planejamento mais adequado. Precisa começar estabelecendo critérios para separar a política da polícia, criar metas transparentes.
O especialista acha que outra medida importante será usar os financiamentos federais para criar medidas concretas de valorização do trabalho dos policiais do Estado do Rio.
— Uma intervenção para fazer mais do mesmo não adianta. Precisa ter inovação, e isso passa por mecanismos de coordenação, de integração, por pensar diferente. O problema é o modelo com o qual o Estado responde ao crime.
O ministro disse achar que, se não for possível recuperar as polícias do Rio, não será possível mudar a realidade de violência, pois Exército, Marinha e Aeronáutica não serão capazes de fazê-lo.
— O treinamento dos militares é para outra finalidade. Quem imagina que ter um militar na rua com fuzil traz sensação de segurança. Até traz, mas isso é dar férias para bandido, porque quando os militares vão para a rua, o crime se retrai, mas volta em seguida.
Para Jungmann, o que muda é usar a inteligência policial para chegar aos chefes do crime organizado e ao arsenal das quadrilhas, além de descobrir por onde passa o dinheiro dos criminosos. Para isso, segundo ele, técnicos do Banco Central participam da força-tarefa da intervenção, assim como funcionários do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) e a Receita Federal.
— Não há uma única instituição que não esteja participando do esforço no Estado do Rio. Ministério Público, Banco Central, Polícia Federal e tudo mais. Como imaginar que não vai ter resultados? Vai ter resultado, mas aquém da nossa ansiedade. É inexorável que se mudem os padrões de segurança no Rio, mas é claro que isso não vai se dar do dia para a noite.
“VÁCUO DE PODER”
O ministro disse que, para que a sensação de segurança do carioca tivesse melhorado nos 45 dias da intervenção, seria necessário ter usado “estratégicas pouco recomendáveis”.
— Não seria o caso, evidentemente. Alguém quer que as Forças Armadas façam este papel? As Forças Armadas são feitas para destruir. Seria o caso de destruir a Rocinha? Elas não podem e não devem fazer isso. Quem deve atuar são as polícias, e isso elas vão levar tempo para fazer.
Jungmann adiantou que na Páscoa deste ano já foi registrada uma redução dos índices de homicídios e outros crimes, na comparação com a do ano passado. Os números ainda serão divulgados no próximo mês.
O interventor federal na segurança, general Braga Netto, se reporta diretamente ao presidente Michel Temer, mas, segundo Jungmann, está sendo criado um comitê federal de coordenação, com a participação do Ministério da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para facilitar a intermediação.
Para Renato Sérgio de Lima, a falta de coordenação na Segurança Pública entre a União e os estados e entre os poderes da República criou um vácuo de poder que, no Estado do Rio, foi ocupado pelo crime organizado.
— No Rio, o trabalho foi relegado a operações espetaculosas. Mas estamos investindo em investigação? Basta ver o episódio em que a PM dispensou testemunhas no caso da vereadora Marielle Franco. Não há protocolo de isolamento do local, de identificação de testemunhas, de ações conjuntas. Isso deu certo no mundo todo e pode ser feito aqui porque estamos em ambiente de intervenção.
O especialista disse achar que uma ação contra as milícias já poderia ter sido executada, porque dali vazam as informações sobre as varreduras contra o crime organizado nos presídios.
— É claro que não iria acabar com a milícia de um dia para o outro, mas era importante ter uma ação forte em relação a isso.
Para Lima, será muito bom se em dezembro, quando termina a intervenção federal, os analistas puderem constatar que a intervenção ajudou, mas não se tornou imprescindível.
— Porque, se continuar sendo imprescindível, será uma indicação de que nosso problema é muito maior e a gente não pode avançar.