O globo, n. 30922, 05/04/2018. Rio, p. 16
‘Presídios, berço do crime organizado’
05/04/2018
Jungmann reclama da política de encarceramento, e Renato Sérgio de Lima diz que 27 das 30 facções existentes no país nasceram em presídios
Em um ponto o ministro Raul Jungmann e o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concordaram durante o “E agora, Brasil”: o crime organizado nasce e se reproduz dentro dos presídios e de lá comanda as principais facções criminosas.
Jungmann levantou, inclusive, a possibilidade, de terem sido celebrados acordos entre governos estaduais e grupos de presos. Ele disse que, à frente do Ministério da Defesa, comandou 33 vistorias em presídios de sete estados, e descobriu que, dos 22 mil presos, 11 mil (50%) estavam armados.
— Tinha tudo lá dentro, o que nos leva à seguinte conclusão: existem acordos entre o sistema prisional, o governo estadual e os que estão dentro da cadeia. Não é possível que você tenha 11 mil dos 22 mil armados, frigobar, geladeira, TV, chips, drogas, o que se quisesse. Como explicar o fato se não por um acordo tácito entre o governo e o sistema prisional? É algo estranho! — diz o ministro.
No Rio, segundo ele, as duas primeiras varreduras das forças conjuntas foram realizadas poucos dias atrás. Os militares fizeram duas inspeções seguidas no presídio Bangu 3. Na primeira, houve um vazamento que permitiu aos presos jogar celulares pela rede de esgoto.
— Estamos no Rio desde julho de 2017 e nunca nos foi solicitado fazer uma varredura, não tínhamos autorização para isso.
O ministro voltou a afirmar que defende a instalação de parlatórios em todos os presídios, para que todas as conversas dos presos com seus visitantes sejam gravadas. Mas se queixou que sua proposta “tem sofrido reações corporativas”.
— O sistema carcerário é o berço do crime organizado no Brasil. De dentro das prisões as grandes gangues se comunicam com a rua. É preciso ter parlatório. Se não cortar isso vai ficar muito difícil atacar o comando do crime organizado.
Renato Sérgio de Lima informou que, das 30 facções criminosas existentes no país, 27 nasceram dentro das prisões.
— Resolver o problema dos presídios é resolver o problema dos crime. Qual o papel do Judiciário e do Ministério Público nesta conversa? Os presos provisórios são de responsabilidade do Poder Judiciário. O preso é gestão do Judiciário, o sistema prisional é gestão do Executivo, e ninguém sabe quem compra tornozeleiras eletrônicas — criticou o especialista.
FACÇÃO CRIMINOSA FORNECE ABSORVENTES
Para exemplificar o que ocorre nos presídios, Lima contou a história dos absorventes higiênicos para as presas de São Paulo. Como o governo do estado não sabia como fazer a compra, que custaria cerca de R$ 100 mil por ano, quem assumiu o encargo foi a facção criminosa que comanda os presídios paulistas.
— Quem fornece os absorventes é a facção criminosa que comanda os presídios de São Paulo — disse Lima, para surpresa dos convidados no evento realizado pelo GLOBO, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio e apoio do Banco Modal.
Jungmann se queixou do super encarceramento hoje no Brasil. Dos 726 mil presos de todo o país, 255 mil não têm condenação, sendo que 155 mil são jovens entre 18 aos 21 anos de idade.
— É preciso discutir se, no caso do jovem que não tem antecedente criminal, o ideal é colocá-lo dentro do sistema prisional controlado pelo crime organizado. É isso que estamos fazendo. Nós recrutamos os soldados do crime organizado. Qualquer jovem que vai para dentro deste sistema vai se tornar presa de associações criminosas. Nossa política de encarceramento está levando água para o moinho do PCC, do Comando Vermelho e de outras facções.
No ano passado, o Fundo Penitenciário Nacional recebeu R$ 1,7 bilhão. Este ano, R$ 1,2 bilhão. Mesmo com todo esse dinheiro, o número de vagas novas abertas nos presídios é reduzido. O ministro se queixa de obstáculos burocráticos e administrativos para a construção de presídios e diz que está tentando resolver o problema com gestões junto ao Judiciário.
Para ajudar a esvaziar os presídios, será celebrado um convênio com a OAB, que indicará advogados dativos para socorrer os detentos que já cumpriram a pena ou têm direito a progressão de regime.
Lima se queixou também da falta de discussão da política de drogas.
— A gente nem discute, fica com uma vergonha danada de conversar. Enquanto isso, o Ministério do Desenvolvimento Social age na contramão de tudo que se está fazendo no país.
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Hora de negociar com países vizinhos
05/04/2018
No encontro “E agora, Brasil”, promovido pelo GLOBO, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, revelou o tamanho da insatisfação do governo brasileiro com a quantidade de drogas e armas que entram pelas fronteiras do país.
— Acho que está na hora de o Brasil mudar o seu posicionamento diplomático com relação aos países grandes produtores de drogas.
O Brasil é o segundo maior consumidor de drogas do mundo, vizinho de quatro dos maiores produtores: Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai. Segundo Jungmann, o Rio se tornou um hub de distribuição de drogas para outros países, com mais de 800 comunidades dominadas por facções do crime organizado.
Para tentar atacar o problema, o ministro acha que o país terá de mudar sua estratégia na relação com os países fronteiriços:
— O Brasil tem de mudar seu posicionamento, não no sentido de ser agressivo, de hostilizar, porque isso não faz parte de nossa cultura diplomática. Mas, de fato, existe uma corresponsabilidade. Não se combate o crime transnacional só no espaço nacional. É preciso ter parcerias para combater em outros países.
Ele disse achar que, diplomaticamente, cobrança não é a melhor palavra a ser utilizada. Mas é disso que se trata. Será preciso estabelecer metas e compromissos com esses países para combate dos ilícitos transfronteiriços.
— Acho que é preciso fazer gestões diplomáticas, para integração de inteligência e convergências de legislação. Os países precisam estar mais próximos, cooperar mais, trabalhar mais juntos — afirmou o ministro.
No Brasil, faltam homens e recursos para fechar os 17 mil quilômetros da fronteira brasileira. Jungmann informou que já teve reuniões com todos os países que fazem fronteira com o Brasil, exceto com a Venezuela.
— Mas em alguns deles precisamos de mais atenção. Temos ótimo relacionamento com a Colômbia, contatos na fronteira com todos os países. Tem dado resultados, mais precisamos torná-los mais efetivos.
DEFESA DE AUTORIDADE SULAMERICANA
Em 2016, segundo o ministro, havia 97 integrantes do PCC, a maior facção criminosa paulista, presos no Paraguai, o que é um exemplo de como o crime organizado se transnacionalizou, ultrapassou fronteiras. Para Jungmann, é preciso constituir na América do Sul uma autoridade regional na área de Segurança Pública, para facilitar a integração entre os países:
— Teremos, sobretudo, de integrar os nossos esforços e os nossos efetivos em termos de fronteira, criar comitês binacionais, e instituir a autoridade sulamericana. A América do Sul precisa de autoridade para fazer a coordenação entre os países na área de segurança.
O ministro terá uma reunião em Foz do Iguaçu com ministros dos países vizinhos para discutir a ideia, que ele já apresentou ao ministro das Relações Exteriores da Colômbia. A ideia agora é organizar um fórum sulamericano de segurança para desenvolver o plano, já com o apoio do Itamaraty.
O ministro disse que, atualmente, o efetivo da Polícia Federal é pequeno para o tamanho das fronteiras brasileiras, mas quando somado ao de instituições como Ibama e Forças Armadas, “fica mais robusto”. Mesmo assim, ele acredita que, a solução para o problema é investir em tecnologia, com o uso de drones, radares móveis e vants (aeronaves não tripuladas).
Em breve, segundo o ministro, a Força Aérea Brasileira (FAB) vai realizar uma operação que cria corredores eletrônicos na fronteira com Bolívia e Paraguai. Todas as aeronaves que passarem por este corredor eletrônico, entrando ou saindo do Brasil, terão de se identificar, ou serão abordadas por aviões Supertucanos da FAB e obrigadas a descer.
— A nossa percepção da insegurança ainda está aquém da realidade — disse Jungmann. — O que existe por trás da violência difusa é um nível de organização das facções criminosas muito maior do que é perceptível. Em 2016, no Maranhão, crime organizado queimou escolas para não permitir que se tivesse eleição. Temos de prestar atenção na capacidade deste crime de afrontar o Estado. Estão em jogo a democracia, as instituições e a própria sociedade.