O globo, n. 30922, 05/04/2018. Economia, p. 25

 

China e EUA exibem as armas

Vivian Oswald

05/04/2018

 

 

Em menos de 12 horas, Pequim retalia taxação de Trump com tarifas para produtos americanos

China e Estados Unidos mostram suas armas em meio à tensão crescente que pode se tornar uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Menos de 12 horas após o governo de Donald Trump publicar a lista de US$ 50 bilhões em produtos chineses sobre os quais aplicará tarifas de importação, Pequim respondeu na mesma moeda. Anunciou, na manhã de ontem, sua própria lista: pretende taxar em 25% 106 itens comprados pelos chineses dos americanos também em valor equivalente a US$ 50 bilhões. A retaliação chinesa está prevista para entrar em vigor só quando as taxas americanas começarem a ser aplicadas, o que deve acontecer após cerca de dois meses de audiências e reuniões entre representantes dos dois países. Ou seja: antes de um conflito aberto, espera-se que as duas potências conversem em busca de algum consenso.

A reação chinesa afeta segmentos importantes de exportadores americanos. Inclui produtos como soja, aviões e carros. A lista é mais abrangente que outra divulgada há dois dias, que previa tarifas sobre US$ 3 bilhões em produtos americanos importados.

O governo da China diz querer evitar a todo custo uma guerra comercial e avisa que a retaliação é parte de uma “estratégia calculada”. A rapidez e a intensidade da resposta assustaram os mercados ontem, mas, no fim do dia, houve recuperação. Um dos temores é que a China adote como estratégia uma nova desvalorização do yuan em relação ao dólar e venda títulos do Tesouro americano, dos quais é o maior detentor. Na Bolsa de Nova York, o índice Dow Jones fechou em alta de 0,96%, enquanto o Ibovespa saiu de uma queda de 2% no início da manhã para recuo de 0,31%, também influenciado pelo julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

‘TARIFAS SÃO COMO ARMAS NUCLEARES’

A China nega reações no campo financeiro, mas defende seu direito de retaliar no regime tarifário. Em entrevista coletiva, os vice-ministros de Finanças, Zhu Guandyao, e de Comércio, Wang Shouwen, acusaram Washington de usar argumentos sem fundamento para justificar suas medidas restritivas contra as exportações chinesas. Além disso, Pequim diz que os americanos criam impedimentos para suas próprias exportações de produtos de alta tecnologia, o que ajudaria a inflar o déficit comercial histórico dos EUA com a China. Zhu defendeu ainda que é do interesse dos americanos manter déficits não apenas com a China, mas com outros países do mundo, para garantir que o dólar continue a ser usado como moeda de troca global.

— É clara a violação das regras de comércio internacionais. Isso afetou diretamente os interesses chineses e a recuperação da economia mundial e sua estabilidade. A China está agindo no seu legítimo interesse. No artigo 7 da lei de comércio da China está dito que, se qualquer país tomar medidas restritivas contra a China, também podemos aplicar regras duras em resposta — disse Wang.

Os vice-ministros repetiram que a China não quer guerra, mas, se houver uma, está pronta para enfrentá-la.

— Ninguém sairá ganhando. Mas não temos medo — destacou Wang.

Na avaliação do economista Gaurav Saroliya, estrategista e diretor de macroeconomia da Oxford Economics, de Londres, ainda há espaço para negociação. A rápida resposta, inclusive, é vista com otimismo. Com os termos postos à mesa, as duas nações estão prontas para conversar, tendo em vista o que está em jogo:

— Uma guerra comercial pode custar para todos os lados. Tarifas são como armas nucleares: você raramente as impõe, mas as usa como ameaças.

Desde a eleição de Donald Trump, os chineses se preparam para uma disputa comercial com os EUA. O americano já havia ameaçado a China com tarifas de até 45% sobre produtos importados. Mas, após os dois encontros entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, considerados bem-sucedidos pelos dois lados, imaginava-se que a tensão das relações havia sido reduzida.

— A China quer evitar uma guerra comercial o máximo possível, mas a sua mentalidade é a de “esperar pelo melhor e se preparar para o pior”. Existe uma frustração com a continuidade das reclamações dos EUA sobre a China (sobre comércio e outros temas) e uma grande confiança de que a China está mais bem posicionada do que os EUA para sobreviver a uma guerra comercial — disse ao GLOBO o diretor do Centro Carnegie Tsinghua, Paul Haenle.

Já o especialista da consultoria Gavekal Economics em Pequim, Arthur Kroeber, afirma que tanto os EUA quanto a China têm razões para evitar o pior.

— A reputação de Trump como um negociador será maior se ele conseguir dizer que suas ameaças surtiram efeito nos chineses. A China, contudo, se beneficia fortemente do continuado acesso aos mercados globais e do fluxo de investimentos. A retaliação contra as sanções comerciais americanas teria um alto preço — afirmou Kroeber. Colaborou Marcello Corrêa

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Disputa entre os países tem efeito limitado no Brasil

Eliane Oliveira

05/04/2018

 

 

Para governo e exportadores, impacto é pequeno, mas setor de carne suína espera vantagem

-BRASÍLIA- A nova lista de retaliações da China aos EUA, anunciada ontem, não deve ter reflexo direto sobre as exportações brasileiras, avaliam representantes do governo e do setor privado. No entanto, diante da primeira relação de produtos americanos sobretaxados, divulgada pelos chineses no domingo passado, um setor comemorou no Brasil: o de carne suína. Existe a expectativa de vendas maiores que as cerca de 40 mil toneladas enviadas anualmente ao país asiático comprometida a concorrência americana. Já no caso da soja, que faz parte da segunda lista, os produtores brasileiros afirmam que já vendem 80% do que colhem para a China, e o custo de produção atrapalha.

— O Brasil atende a 56% do consumo da China, e os EUA, a 34%. Seria um campo aberto para nós, que já somos os maiores fornecedores. Porém, com o aumento dos combustíveis e do frete e preços baixos, nossos custos de produção aumentaram cerca de 13% — disse o presidente da Aprosoja, Marcos da Roda.

O restante dos itens a serem sobretaxados na segunda lista incluem alguns cortes de carne bovina e bens de alta tecnologia, como aviões. No caso da carne bovina, a Associação Brasileira da Indústria Exportadora (Abiec) informou que, pelo menos num primeiro momento, o impacto para o Brasil não é tão grande, pois grande parte do que os EUA vendem para a China são linhas gourmet, área em que a participação brasileira é pequena.

Sobre aviões, o ex-presidente da Embraer, Henrique Rzezinski, ressaltou que o mercado de aeronaves é bem segmentado, e a retaliação não vai beneficiar a indústria brasileira. Por outro lado, ele vê oportunidade para que Brasil e EUA se aproximem em um contexto geopolítico, o que poderia favorecer a negociação entre Embraer e Boeing.