Valor econômico, v. 17, n. 4449, 26/02/2018. Política, p. A12.​

 

 

Contra 'estelionato', Previdência vira pauta da direita e da esquerda

Raphael Di Cunto e Cristiane Agostine

26/02/2018

 

 

A reforma da Previdência está enterrada no governo Temer, mas os candidatos, à direita e à esquerda, já deixaram preparado terreno para apresentar uma nova versão caso sejam eleitos. A oposição, dizem, é apenas à proposta formulada pelo MDB, mas "ajustes" são necessários para garantir justiça social e o equilíbrio do sistema. A ideia é mostrar ao mercado que a vitória de alguém de fora da base do governo não será uma aventura fiscal e nem ser acusado, em 2019, de mentir para vencer a eleição.

A população, dizem interlocutores dos presidenciáveis, está desconfiada desde a campanha de 2014, quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) prometeu não mexer em direitos dos trabalhadores "nem que a vaca tussa" e que, antes mesmo de tomar posse para o segundo mandato, editou medidas contrárias a isso. Os eleitores que a apoiaram se desiludiram, os que votaram nos adversários aumentaram a pressão e a popularidade despencou.

Agora, embora o assunto seja impopular, a maioria dos candidatos diz que não será possível fugir do debate na campanha. A discussão é puxada pelos presidenciáveis da base do governo - ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD); presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o próprio presidente Michel Temer (MDB).

A oposição, contudo, também já começou a sugerir mudanças. A ex-senadora Marina Silva (Rede) declarou ser favorável à idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) diz que a demografia do país e a concentração dos gastos nas grandes pensões impõem mudanças. A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende reforma tributária para melhorar as fontes de financiamento da Previdência. E até o líder do MTST, Guilherme Boulos, que deve filiar-se ao Psol para se candidatar, promete alguns ajustes.

Dos pré-candidatos, um dos que menos se posiciona é Jair Bolsonaro (PSC-RJ). O deputado federal já criticou a idade mínima de 65 anos e tentativas de alterar as regras dos militares, carreira que exercia antes de virar político. Seu economista, Paulo Guedes, é a favor de um regime de capitalização, mas o parlamentar nunca falou sobre isso.

Para Bolsonaro, falar em idade mínima de 65 anos, quando a expectativa de vida no Nordeste não chega a 70 anos, "é falta de humanidade", segundo disse num evento. Ele já declarou que a reforma deve começar pelo setor público - mas, em outras ocasiões, afirmou que é "demagogia" dizer que mexerá nos atuais servidores. O Valor procurou Bolsonaro, mas a assessoria afirmou que ele está em viagem e ele não respondeu as mensagens no celular.

Marina é das mais assertivas sobre a reforma. Divulgou nota defendendo mudanças nas regras previdenciárias para corrigir o déficit e dizendo que, se ainda fosse senadora, votaria a favor da proposta de Temer, desde que com alterações. "Não vou pelo discurso fácil de que não precisa de reforma. Tanto precisa que todos os governos anteriores tentaram implementa-las", diz no texto.

Ciro Gomes defende idade mínima para a aposentadoria, mas diz que é preciso avaliar as diferenças do país. Aponta sempre que o trabalhador do semiárido do Nordeste não pode ter a mesma regra de um engravatado como ele. "Não sou contra [a reforma], temos um problema para resolver", disse à "RedeTV!".

O pedetista se usa como exemplo. Diz que teria direito a pensões desde os 36 anos como ex-deputado, ex-prefeito e ex-governador que dariam R$ 82 mil por mês, mas abriu mão. Por isso, diz, teria mais legitimidade para propor mudanças do que Temer, que se aposentou aos 55 anos. Ciro critica as grandes aposentadorias de juízes, promotores e políticos e afirma que o país deveria migrar do regime de repartição (os trabalhadores em atividade sustentam os benefícios dos aposentados) para o de capitalização (cada trabalhador poupa para sua pensão), mas que a transição é complicada.

Responsável pelas propostas para a Previdência que serão apresentadas por Lula, caso o ex-presidente não seja considerado inelegível pela Justiça, o ex-ministro Carlos Gabas diz que as mudanças devem ser acompanhada por uma reforma tributária, com revisão da fonte de financiamento.

"É preciso calibrar para reduzir a dependência da folha e aumentar os recursos arrecadados com Cofins e CSLL", diz.

Gabas é contra uma idade mínima para a aposentadoria. Sugere manter a fórmula 85/95 como regra de acesso ao benefício. "É necessário aumentar a idade média de aposentadoria. Isso é feito com a combinação da idade mais tempo de contribuição [para o INSS]", diz. Os dois critérios seriam somados e o trabalhador só poderia se aposentar quando atingi-los.

O ex-ministro defende a manutenção das regras para os trabalhadores rurais. Os servidores públicos e os militares também não devem ser alvo de grandes alterações. "Já fizemos mudanças para os servidores e os militares não são servidores públicos iguais aos demais", diz. Mas ele ressalva que é preciso "modernizar" regras dos militares e que se deve fazer mudanças no "alto escalão dos três Poderes", sobretudo do Judiciário.

O líder do MTST, Guilherme Boulos, provável candidato do Psol, também rejeita a idade mínima e defende a manutenção das atuais regras para o trabalhador do campo e para os servidores. Boulos discorda que exista um déficit - "os recursos são usados para outras despesas" - e diz que o governo deveria cobrar os grandes devedores.

Boulos, no entanto, marca diferença em relação ao PT ao defender a revisão nas pensões militares. "Somos contra uma reforma da Previdência. Defendemos que primeiro seja feito o combate a privilégios, como o regime especial dos militares. Isso tem de ser enfrentado", afirma. "Há privilégios nas cúpulas dos Poderes, como do Judiciário, que precisam ser mexidos".

O líder do MTST, que deve se filiar ao Psol em março, critica a proposta de idade mínima porque "quem está na base da pirâmide social não vai conseguir se aposentar". "Na cidade de São Paulo a expectativa de vida vai de 52 a 80 anos". E diz que não se pode demonizar os servidores públicos. "É preciso valorizar o professor, o servidor da saúde. É razoável que haja um regime diferenciado".

O PCdoB, com a deputada Manoela d'Ávila como pré-candidata, diz que a esquerda defende uma reforma, mas exige que seja dialogada. "A irresponsabilidade fiscal é o tipo de discurso que não pega. Lula e Dilma fizeram reformas. Ninguém questiona essa necessidade, mas não concordamos com esse modelo que acaba com a previdência pública", diz a presidente nacional da sigla, deputada Luciana Santos (PE).

Os candidatos de partidos que compõem ou participaram do governo Temer estão com o discurso da reforma incorporado. Alckmin liderou o PSDB a fechar questão a favor do projeto - embora parte da bancada tenha continuado contra. Meirelles é o autor da proposta. Maia diz que seus aliados tentam convencê-lo a parar de falar de Previdência. "Mas não vou abrir mão do que acredito ser o melhor para o país", disse.