Título: Nova lei seca mantém as brechas jurídicas
Autor: Bernardes , Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2012, Cidades, p. 21

As mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados a fim de tornar a lei seca mais eficaz (veja quadro) são insuficientes para acabar com o vácuo jurídico, afirmam especialistas ouvidos pelo Correio. Isso significa que o Poder Judiciário ainda terá dificuldade de enquadrar o infrator no crime de dirigir alcoolizado quando esse se recusar a assoprar o bafômetro ou a fazer o exame de sangue que quantifica a concentração de álcool no organismo.

Por isso, o senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES) prepara um movimento para agilizar a votação do projeto no Senado e, imediatamente, aprofundar o debate em torno do tema, construindo um novo projeto que dê fim ao impasse. "Precisamos fechar essa janela de impunidade. Isso só vai ocorrer com a tolerância zero. Na próxima quarta-feira, vou defender a aprovação desse projeto em regime de urgência porque ele traz avanços, mas vou elaborar proposta para acabar com o vácuo legal", antecipou Ferraço, que é membro da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Embora reconheça os avanços advindos da ampliação do rol de provas para atestar a embriaguez, a maioria dos juristas ouvidos pelo Correio alerta que a manutenção do índice de concentração de álcool exige aferição exata. No entendimento do Ministério da Justiça e dos autores do projeto, no entanto, a mudança na redação do artigo 306 acaba com a polêmica e, mesmo quem se recusar a fazer o teste, será enquadrado pelo crime de conduzir o veículo sob efeito de álcool.

Juiz criminal e presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra alerta que os tipos penais têm que ser taxativos. "Ou você diz que não pode ingerir bebida alcoólica antes de dirigir ou institui a tolerância de álcool no sangue que deve ser medida. O juiz não pode julgar de acordo com a vontade de quem fez a lei, mas de acordo com os princípios do direito penal", afirma. "Acho isso (brecha legal) lamentável. Em 1972, fui atropelado por um motorista de ônibus completamente embriagado. Tive cinco paradas cardíacas. Ou se tem a coragem de dizer que a pessoa está proibida de beber antes de assumir a direção ou continuaremos assistindo à morte de centenas de pessoas no trânsito", completa.

Mas nem todos concordam. Na avaliação do advogado criminalista e professor de direito penal do Iesb, Paulo Emilio Catta Preta, as mudanças vão amparar a decisão dos magistrados. "É um projeto adequado ao que se destina: dar uma resposta à decisão do STJ, que viu a impossibilidade de lançar mão de outras provas. Agora, a dosagem é mais um meio de prova e não limita a atuação do Judiciário", entende. Em 28 de março, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria de votos, não acatar a inclusão de outros meios para comprovar a embriaguez ao volante.

O desembargador da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Marco Antônio Marques da Silva, tem opinião semelhante. "A ampliação de provas ajuda a clarear as dúvidas existentes. Isso vai diminuir os conflitos e as interpretações contraditórias ou equivocadas dos magistrados", acredita.

Na contramão desse pensamento, o presidente da Comissão do Sistema Viário e Trânsito da OAB-SP, Maurício Januzzi, garante que o texto aprovado é pior do que a legislação vigente. "É mudança para inglês ver, para dar uma resposta ao STJ. A solução eficiente está em tornar crime dirigir alcoolizado e acabar com qualquer índice", defende Januzzi.