Valor econômico, v. 17, n. 4448, 23/02/2018. Especial, p. A12.​

 

 

Segurança perdeu espaço no orçamento em 16 estados

Ana Conceição, Ligia Guimarães e Marta Watanabe

23/02/2018

 

 

Num quadro de crise fiscal quase generalizada, os gastos com segurança pública diminuíram com relação às despesas totais em 16 Estados brasileiros em 2017, segundo dados do Tesouro Nacional levantados pelo Valor. Em 2016, essa relação havia caído em oito Estados. Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul foram aqueles que mais reduziram os dispêndios com o setor em relação à despesa total. Mas embora a escassez dos recursos seja apontada como um dos responsáveis pela crise na segurança pública do país, a falta de planejamento do poder público parece pesar tanto quanto a falta de verbas para explicar o fracasso no combate à violência, na visão de pesquisadores e especialistas.

No orçamento dos Estados, as despesas com segurança abrangem gastos com policiamento, informação e inteligência, defesa civil e outras funções. No total, os Estados gastaram R$ 74,92 bilhões em segurança em 2017, aumento nominal de 4,7% sobre R$ 71,51 bilhões em 2016. Considerada a inflação do período, de 2,9%, as despesas tiveram ligeiro aumento real. Em alguns Estados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Amazonas, a variação dos gastos ficou abaixo da inflação do período. As despesas com policiamento, a ação mais visível para a população, respondem por 30% dos dispêndios com segurança pública e aumentaram 4,30% em termos nominais em 2017, para R$ 21,8 bilhões, após forte recuo, de 8,35%, em 2016.

Para Eduarda La Rocque, ex-secretária municipal da Fazenda do Rio (2009-2012) e ex-presidente do Instituto Pereira Passos, especializado em planejamento e integração de políticas públicas, as dificuldades fiscais prejudicam a segurança pública, mas a área carece de planejamento e integração com outras ações, de geração de emprego e de educação, por exemplo. "Tem que haver um choque de eficiência, integração entre polícias, integração entre União e Estados, investimento em políticas preventivas de violência, de criação de emprego", afirma.

Goiás e a cidade de Canoas (RS) têm exemplos de ações integradas entre polícias que deram resultados positivos (ver texto abaixo).

A questão não é só conseguir mais recursos para a área, mas pensar soluções de longo prazo. Instituir um imposto para financiar a área, como aventado pelo presidente Michel Temer, não seria exatamente uma solução, na opinião da economista. "Há recursos no orçamento federal, no militar, desperdiçados. É uma questão de colocar uma lupa nos privilégios, de acabar com eles, fazer um orçamento transparente, em vez de aumentar imposto", afirma Eduarda, que é contra a intervenção federal no Rio de Janeiro. "É um jogo político para abafar questões mais complexas. Há cidades muito mais violentas que o Rio de Janeiro".

Para Giuliana Castro, secretária de segurança pública de Roraima, a intervenção federal não é o melhor caminho. "Os Estados não precisam disso, mas de colaboração da União com seus projetos", diz.

A área não carece de boas propostas, diz Eduarda, citando estudos de Daniel Cerqueira, do Ipea, por exemplo. "Propostas existem, não há é capacidade de gestão".

O planejamento estratégico é crucial em um momento em que os Estados enfrentam restrições fiscais, que podem ser amenizadas com a recuperação da economia, mas que devem continuar por um bom tempo. "Tem que haver algum tipo de restrição nas despesas porque chegou-se num limite e tem que se fazer um ajuste. Jogamos todas as sujeiras para debaixo do tapete e agora tem que cortar na carne. A questão é como isso vai ser feito", diz Eduarda.

Um sinal de que nem sempre aumento de recursos implica em queda de indicadores de criminalidade é a relação entre gasto per capita e a taxa de mortes violentas. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016, o Rio Grande do Norte elevou em 20% o gasto per capita em segurança, mas a taxa de mortes violentas subiu 48,2 para 56,9 para cada 100 mil habitantes. A história se repete em outros Estados como Maranhão, Paraná, Bahia, Piauí, Tocantins. Em 2016, na média do país, o recuo per capita foi de 14%, enquanto a taxa de mortes violentas aumentou de 28,6 para 29,7 por 100 mil habitantes. Ainda não há dados para 2017.

Eduarda La Rocque enfatiza a importância de investir em inteligência. "O foco é informação para antecipar crises. O Estado do Rio é só um antecedente do que pode acontecer com outros Estados". Segundo o Tesouro, os gastos com informação e inteligência caíram 23% no conjunto dos Estados em 2016, ante 2015, e ficaram estáveis em 2017. Mas enquanto o Rio Grande do Sul elevou os recursos para a área em 43% no ano passado, por exemplo, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rondônia e Tocantins não destinaram recursos para isso.

Outro problema é a divisão das receitas arrecadadas a cada ano. Diferentemente das áreas de educação e saúde, a segurança não tem recursos pré-alocados por meio de vinculações à receita, diz Mauro Ricardo Costa, secretário de Fazenda do Paraná. "Perde-se a grande função do parlamento, que é a definição da aplicação de recursos. As vinculações são perversas porque fazem os Estados aplicarem em algumas áreas recursos superiores à sua capacidade", diz Para ajustar as despesas dentro do orçamento, os governos acabam retirando recursos de outras áreas e a segurança é uma delas.

Além disso, os dispêndios dos Estados com segurança pública não são padronizados e ficam a cargo de cada governo decidir como classificará cada despesa. Não dá para analisar, por exemplo, se o crescimento das despesas se deu mais em investimentos ou em gastos correntes, o que dificulta a análise a formulação de políticas direcionadas a cada um.