Correio braziliense, n. 20092, 26/05/2018. Política, p. 2

 

Após o diálogo, o uso da força

Renato Souza e Rodolfo Costa

26/05/2018

 

 

Depois de fracassar o acordo com os caminhoneiros, o governo federal adotou um tom mais combativo e vai usar a força para liberar rodovias que estão bloqueadas pelos manifestantes. O presidente Michel Temer decretou estado de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em todo o território nacional. A medida, que vigora desde ontem e se encerra em 4 de junho, autoriza o emprego das Forças Armadas em todos as unidades da Federação e concede poder de polícia aos militares. A decisão ocorre no momento em que a população sofre com a falta de combustível e enfrenta a escassez de alimentos em supermercados devido à greve da categoria.

A prioridade, inicialmente, será levar combustível para abastecer serviços considerados críticos, como ambulâncias, carros policiais e aeroportos. Dos mais de 50 aeroportos do país, oito estão totalmente sem combustíveis. O Exército Brasileiro, que tem o maior efetivo entre as três forças, colocou à disposição do comando da operação mais de 100 mil militares. O efetivo vai começar a atuar primeiro em áreas em situação de emergência, como Belo Horizonte, São Paulo e nas refinarias em diversos estados. No entanto, a intenção é de que o uso do contingente das forças de segurança estaduais evitem o emprego exacerbado das tropas federais.

O uso da força contra os atos relacionados ao protesto dos caminhoneiros recebeu a chancela do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão tomada na noite de ontem, ele autorizou a remoção de caminhões,  até mesmo dos acostamentos, e a aplicação de multa de até R$ 100 mil para entidades e de R$ 10 mil para motoristas que se recusem a retirar os veículos dos locais determinados. “Autorizo a imediata reintegração de posse das rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos.”

O decreto que estabelece a GLO foi publicado em uma edição extra do Diário Oficial da União. Mas antes mesmo de a norma entrar em vigor, o Exército iniciou a mobilização das tropas que ocupam ruas de todas as unidades da Federação a partir de hoje, em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em rodovias federais. Nas estradas estaduais, os militares contarão com o apoio da PM.

O texto do decreto permite que militares dirijam caminhões para retirá-los dos locais de passagem dos demais veículos. “As ações previstas neste decreto poderão incluir, em coordenação com os órgãos de segurança pública, após avaliação e priorização definida pelos Ministérios envolvidos: I - a remoção ou a condução de veículos que estiverem obstruindo a via pública.” O efetivo das forças de segurança dos estados também pode ser assumido pelos órgãos federais que coordenam a ação. Mesmo quem estiver estacionado no acostamento, gramado ou laterais das pistas será removido. “Chegamos a um acordo com as lideranças nacionais representativas dos caminhoneiros, atendemos 12 reivindicações prioritárias dos caminhoneiros, que se comprometeram a encerrar a paralisação, mas infelizmente a situação não ocorreu como prevista”, criticou Temer.

Fluxo normal

A medida, considerada extrema por muitos especialistas, coloca o país em apreensão, avaliam especialistas. O professor George Felipe Dantas, consultor em segurança pública, destaca que a convocação das forças federais representa uma resposta do governo diante da situação de calamidade. Mas a medida está longe de representar uma solução para o problema. “Os militares têm em sua formação treinamentos para atuar neste tipo de situação, de caos e perda de controle. Mas a reclamação sobre o preço do combustível é a mesma no país inteiro. Eu diria que deve ter algum efeito nos próximos dias, principalmente no abastecimento de produtos essenciais, mas não fará voltar o fluxo normal no transporte de cargas. Não existem militares suficientes para dirigir todos os caminhões”, afirma.

No ápice das manifestações, os caminhoneiros conseguiram bloquear 938 pontos em rodovias federais e estaduais. Até as 18h de ontem, 419 obstruções deixaram de existir e restavam apenas 519, segundo dados da PRF. “Os números apontam para a adesão crescente dos senhores caminhoneiros aos termos do acordo fechado pelo Palácio do Planalto e pela equipe coordenada pelo ministro Padilha”, analisou o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.

O anúncio do presidente Temer foi suficiente para que a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) recuasse. A entidade foi uma das duas representantes da categoria que não assinou o acordo com o governo. Em nota divulgada pelo próprio presidente, José da Fonseca Lopes, pediu aos filiados a retirada das interdições, mas não dos protestos. “Mantenham as manifestações de forma pacífica, sem obstrução das vias. Já mostramos a nossa força ao governo, que nos intitulou como minoria. Conseguimos parar 25 estados”, destacou. Novas reuniões serão feitas hoje para debater os avanços do processo de desmobilização da greve. O Gabinete de Acompanhamento da Normalização do Abastecimento terá reuniões às 9h e às 17h para avaliar como está a situação em todas as regiões.

 

Pelo país

30
Quantidade de decisões judiciais que proíbem a obstrução de rodovias federais no Acre, Ceará, Sergipe, São Paulo, Paraná, Pará, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Pernambuco, Paraíba, Rondônia, Distrito Federal e Rio Grande do Sul durante as manifestações de greve de caminhoneiros

8
Total de aeroportos que ficaram totalmente sem combustível e tiveram que cancelar voos

550
Pontos de paralisação de caminhoneiros ontem nas rodovias do país em 25 unidades da Federação, de acordo com a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA). O total apresenta alta em relação aos 496 pontos de manifestações registrados 
24 horas antes

40%
Percentual da frota de ônibus que vai circular neste fim de semana em São Paulo. A medida será adotada pela SPTrans para economizar combustível

4milhões
Total de flores jogadas fora em Holambra (SP). Os produtores da região dependem totalmente do modal rodoviário e, por serem perecíveis, as hastes não conseguem ficar armazenadas.