Correio braziliense, n. 20092, 26/05/2018. Política, p. 3

 

Complô empresarial investigado

Rodolfo Costa, Alessandra Azevedo e Hamilton Ferrari

26/05/2018

 

 

A Polícia Federal investiga cerca de 20 empresários suspeitos de se aproveitarem da paralisação dos caminhoneiros para obter vantagens econômicas. Na prática, os agentes apuram se os gestores podem ter se apropriado do movimento grevista e impedido o retorno das atividades para concretizar pleitos mercadológicos antigos, como a redução da carga tributária. A determinação saiu do gabinete do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que exigiu a apuração da prática dos crimes.

A prática de locaute já estava sendo considerada pelo governo. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, admitiu na noite de quinta-feira, quando o acordo com a categoria foi firmado. As suspeitas começaram quando a Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez escoltas de caminhões de abastecimento e caminhões-tanque. Jungmann explicou que, ao chegarem na transportadora ou distribuidora, “não havia disposição de fazer com que os motoristas, sob a escolta e garantia da PRF, realizassem exatamente aquilo que é previsto, que é o transporte de carga.”


“Isso configurou o indício que nos levou a atribuir e determinar à PF que abrisse o inquérito e fizesse a investigação a respeito dos patrões estarem explorando este movimento social. E tenho motivos justos de que exploraram com interesse econômico e criaram problemas”, afirmou o ministro. As investigações estarão a cargo do diretor-geral da PF, Rogério Galloro. Os suspeitos podem ficar presos por até 16 anos caso as investigações comprovem o locaute. Eles estão sujeitos a responder por atentado contra a segurança do serviço de utilidade pública e do transporte marítimo, fluvial ou aéreo; atentado contra a liberdade do trabalho; exploração de trabalhadores e população; associação criminosa; e incitação ao crime. Além do período de reclusão, os empresários também poderão ser multados.

Mesmo se as investigações identificarem a existência do locaute, o acordo com a categoria será mantido, assegurou Jungmann. Ruy Coutinho, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), alegou que vários empresários se expuseram nas redes sociais para incentivar as manifestações. “Ocorreram muitas declarações de empresários dando força ao movimento, o que é estranho e dá indícios para a prática, que é ilegal e extrapola o bom senso”, ressaltou.

Coutinho também disse que, por conta do movimento, também se discutiu quais setores ficarão ou não de fora do projeto de lei da reoneração da folha de pagamento. “Foi um dos pedidos que fizeram e os caminhoneiros não têm nada a ver com a tributação da folha de pagamento das empresas. Então, é preciso investigar isso porque há empresários que podem estar defendendo seus interesses de forma ilícita”, apontou.

O Cade informou que também abriu um processo para apurar as “possíveis infrações econômicas” relativas à paralisação dos caminhoneiros.  A advogada especialista em direito concorrencial Ana Frazão, ex-conselheira do órgão, considera necessário que a entidade “ao menos cogite” a prática de locaute na movimentação dos caminhoneiros. Embora empresas tenham direito de se manifestar e se posicionar politicamente, elas não podem usar o poder de mercado para agravar a situação, afirmou. “A ideia da livre concorrência é exatamente a de que não deve existir, como regra, coordenação entre agentes econômicos. No caso dos empregados, eles podem se unir para para compensar o fato de serem a parte mais fraca na equação, mas isso não se estende aos empregadores”, explicou.

Contrário

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) informou que não participa, não incentiva e não apoia paralisações de caminhoneiros. “A instituição também não tem conhecimento de participação de empresas no movimento grevista e, se houver, o empresário responsável deverá ser punido”, detalhou em nota.

Segundo a entidade, a presença de representante da CNT nas reuniões com o governo federal nos últimos dias foi a convite do Palácio do Planalto e “como integrante do grupo de interlocução com as entidades representativas dos motoristas autônomos de caminhão, em busca de uma solução que levasse ao fim das paralisações”.

A prática de locaute é caracterizada quando empresários de um setor contribuem, incentivam ou orientam a realização de greve de seus empregados com o objetivo de obter benefícios, o que é proibido por lei. “Em relação ao movimento de paralisação dos caminhoneiros, a Polícia Federal informa que já está investigando a associação para prática de crimes contra a organização do trabalho, a segurança dos meios de transporte e outros serviços públicos”, disse a PF.
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Pressão sobre o ICMS

Rosana Hessel e Rodolfo Costa

26/05/2018

 

 

Em meio à crise de abastecimento em função da paralisação nacional dos caminhoneiros, o governo tenta negociar com os estados para que eles também contribuam para a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do diesel. No entanto, pelo menos seis entes federativos descartaram essa possibilidade. Reunidos em Cuiabá para o Fórum Brasil Central, representantes de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rondônia, Maranhão e Distrito Federal divulgaram ontem uma carta, assinada pelos governadores, criticando a política de preços da Petrobras e afirmando que não houve, “por parte dos estados, aumento do ICMS incidente sobre os combustíveis que justificassem a elevação dos preços.

“A causa da escalada dos preços dos combustíveis, notadamente do óleo diesel, nos últimos meses no Brasil se deve exclusivamente à política de flutuação dos preços praticada pela Petrobras, que os vincula à variação do petróleo no mercado internacional”, destacou o documento. Os estados signatários informaram que, para não prejudicar a recuperação fiscal e a execução de políticas públicas nas áreas de saúde, educação e segurança pública, “estão descartadas, até mesmo por impositivo legal, quaisquer medidas que prevejam redução de alíquotas de ICMS sem a correspondente compensação”.

O Palácio do Planalto sediou ontem a reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em que o governo fez duas propostas aos 13 dos 27 integrantes do colegiado. A primeira, para reduzir R$ 0,05, em média, o custo do óleo diesel na bomba com a redução de 10% do ICMS, e a segunda, para ampliar de 15 para 30 dias a periodicidade do ajuste de preço. De acordo com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, a reunião foi bastante “produtiva” e há uma sinalização de que o convênio poderá ser aprovado pela unanimidade dos integrantes para entrar em vigor na próxima terça-feira, em uma reunião virtual do Confaz. A expectativa inicial era que esse encontro ocorresse na segunda-feira, mas devido ao regulamento do conselho, são necessárias 48 horas úteis para uma nova reunião. Segundo o ministro, a adesão à redução será “facultativa para cada ente federativo”.

Pelas contas do ministro, essa redução média adicional do ICMS, se somada ao desconto da Petrobras, de R$ 0,25, anunciado por 15 dias, mas que será bancado via subsídio pela União até o fim do ano, e a eliminação Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que reduzirá mais R$ 0,25 o preço do diesel. Com isso, essas três medidas implicariam uma diminuição no preço do óleo na bomba de R$ 0,35.

O presidente Michel Temer participou do encontro dos secretários estaduais de Fazenda, algo incomum, pois a reunião estava inicialmente marcada no ministério da área, e aproveitou para fazer um discurso sobre o decreto para acionar as Forças Armadas para desobstruírem as estradas.