Correio braziliense, n. 20087, 21/05/2018. Política, p. 3

 

"Estamos no caminho. Temos que ir até o fim"

Pedro Simon, Ana Dubeux, Ingrid Soares, Paulo Silva Pinto e Vicente Nunes

21/05/2018

 

 

Para o ex-senador, um dos maiores defensores da ética na política, o país está sendo transformado pela luta contra a corrupção, e não pode esmorecer. A eleição presidencial o preocupa, mas ele acha que um nome de consenso está para surgir

A tribuna do Senado não é mais a mesma desde que Pedro Simon a deixou, há três anos. Voz mais forte nas denúncias de corrupção durante mais de três décadas, incomodava qualquer governo, no autoritarismo ou na democracia. Hoje está afastado do Congresso, mas não do povo. Viaja por todo o país, falando a quem quer ouvir suas palestras.

Simon acha que o Brasil vive um momento auspicioso com a prisão de políticos acusados de corrupção. “É a primeira vez que essas coisas estão acontecendo”.

Para que não haja retrocesso, alerta, é preciso que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continue preso. “Se o Lula sair da cadeia, morre tudo o que foi feito até agora e vão começar a roubar de novo.” Mas ele não poupa seu partido, o MDB, e os tucanos. Tem saudades de Itamar Franco, de quem se lembra ter rechaçado o toma lá dá cá para aprovar o Plano Real. “Ninguém ganhou um copo d’água.”

Ele vê o quadro eleitoral com apreensão, devido às chances de vitória do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pré-candidato à Presidência. “Deus nos livre de o Bolsonaro ganhar. Vai ser um retrocesso pior do que o Collor”. Entre os presidenciáveis, manifesta apoio à candidatura de Marina Silva, da Rede. Avalia que Ciro Gomes (PDT) tem potencial para chegar ao segundo turno.

Segundo ele, o país ainda aguarda por um nome que poderá, enfim, trazer um consenso entre várias forças políticas, mas ressalva que não se deve esperar por um salvador da pátria. Em visita a Brasília na semana passada, concedeu ao Correio a entrevista que se segue.

 

Como o senhor avalia o quadro político brasileiro?

Sou otimista. O Brasil mudou. Acho que estamos no caminho. Empresário, político ou quem roubasse coisa grande nunca foi para a cadeia. É a primeira vez que essas coisas estão acontecendo. Só ladrão de galinha era preso mesmo.

 

A prisão do Lula é justa na sua avaliação?

Sim. Não é uma coisa só contra petistas.  Também têm outras pessoas grandes na cadeia, e outros estão indo. Lula está preso porque foi julgado E foi condenado pelo conjunto da obra. A ambição pelo poder lhe subiu à cabeça. Tem gente querendo voltar ao que era antes. Se o Lula sair da cadeia, morre tudo o que foi feito até agora e vão começar a roubar de novo. Graças ao voto de 7 a 4 do STF, vai para a cadeia quem for condenado em segunda instância. É uma decisão do Supremo que mudou tudo.

 

Há equilíbrio nas investigações?

Sim. O Lula está na cadeia, mas muita gente também está. Tem até mais gente do MDB do que do PT. Tem o presidente da Câmara, três ministros do partido também. O pessoal do MDB está denunciado. Estão apurando Deus e o mundo.

 

O PMDB, agora MDB, foi tomado pela corrupção ou pelo fisiologismo?

Quando diziam que era a bancada que tinha indicado alguém para tal cargo, não era. Nunca houve maioria indicando nada. Era o Renan e seu grupo. Esse troca-troca era uma forma de ação do PMDB e de todos os partidos.

 

Qual sua opinião quanto às acusações contra o presidente Michel Temer?

Acho que nesta altura não deve ter uma terceira denúncia. Sou até contra. Não faz sentido afastá-lo meses antes da eleição. Ele não está sendo absolvido. Tem um processo andando contra ele. Enquanto ele for presidente, não pode ser denunciado, mas ele larga tudo no dia 31 de dezembro. No dia 1º de janeiro, ele pode ser preso. Abre-se um processo contra ele e não tem nem foro privilegiado, a não ser que tenha outro cargo. Estamos numa fase importante da história do Brasil. Tem que fazer justiça. Quem rouba tem que ir para a cadeia. Todos estão sendo denunciados.

 

O que falta na política hoje?

Eu fui líder do governo do Itamar quando ele assumiu. E acho que se deve fazer agora o que ele fez. Teve uma reunião no ministério com todos os presidentes do partido, Brizola, Lula, Arraes, Ulysses. Ele disse “Não tenho o povo do meu lado, o povo votou no Collor. Quero estabelecer um pacto. Eu não faço nada sem vocês e vocês não vão para a rua fazer nada sem falar comigo.” Era um entendimento em torno de grandes teses, ele apresentou o Plano Real e disse que não queria o apoio de ninguém. Não teve troca-troca. Não teve nomeação de ministro para ganhar favores. O Plano Real foi o plano mais espetacular e está aí até agora. Ninguém ganhou um copo d’água. Não teve troca de favores. Ele apanhou muito, mas fez.

 

O senhor acha que os políticos corruptos vão parar de roubar?

Só vão parar de roubar quando o cara souber que rouba e vai para a cadeia. Tem que estabelecer esse princípio. Não há nenhum outro país do mundo onde roubaram tanto e ninguém foi para a cadeia como ocorreu no Brasil. Na França e nos Estados Unidos, na primeira instância a pessoa vai presa. Sempre brigamos e buscamos o fim da impunidade. Pedimos a CPI  (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos empreiteiros. Quando conseguimos no Supremo, de tanto que demorou, não era mais dos empreiteiros, mas do mensalão.  Estamos vivendo a fase mais importante. Nunca aconteceu algo semelhante.

 

O senhor acha que a vaidade dos juízes tem alguma interferência nos processos atuais?

Pode até tal coisa, mas não dá para dizer que é por isso que estão tomando essas decisões. Estão dando duro. O juiz Sérgio Moro é uma benção de Deus. Um homem excelente, tranquilo, que não se deixa envaidecer.

 

O senhor acha que ele tem motivação política?

Não. Sinto que ele não tem. Está consciente do papel dele. Quer exercer a profissão dele. Também não tem ambição de ser político.

 

O senhor apoia algum candidato a presidente?

Não há salvador da pátria. Hoje eu votaria na Marina. Sou simpático à ela. A apoiei nas duas últimas eleições. Ela foi a única candidata na eleição passada que apresentou projetos estudados. É corajosa, foi boa ministra, é uma pessoa linha reta, um nome respeitado mundialmente em quesito do meio ambiente. Dizem que o tempo dela passou, mas não acho. Ao contrário: não chegou. Se ela for eleita, vai fazer um bom trabalho, de alto gabarito, porque não tem compromisso com partido nem com dinheiro. Ela combateu a construção da Usina Belo Monte, no Pará. Tudo de ruim que ela disse que podia acontecer está acontecendo.

 

Como o senhor vê a possibilidade de o MDB lançar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles à Presidência da República?

Se for o Meirelles, pelo menos não vai ter a mescla da Lava-Jato. Ele é um homem neutro. Não tem uma palavra contra ele, tem respeito. Mas não tem chance de ir para o segundo turno.

 

Temer deve concorrer?

Não. É muito desgaste. A melhor coisa que ele faz é não concorrer.

 

Como analisa a candidatura do deputado Jair Bolsonaro?

Até 20 dias atrás, eu não levava o capitão a sério. Mas está começando a assustar, porque estou vendo gente demais o apoiando. Ele é inteligente e tem condições de ir para o segundo turno. Estou preocupado, as pessoas que estão em torno, de direita, iniciaram algo que não se sabe como termina. Tudo pode acontecer, por exemplo, fechar o Congresso. Não dá para ter nada como garantido.

 

O que vai acontecer caso ele vença?

Deus nos livre se Bolsonaro ganhar. Vai ser um retrocesso pior do que o Collor. Veja esse último discurso que ele deu, do Geisel, sobre o documento (que mostra a autorização de assassinatos de opositores ao regime militar). Ele declarou que um pai bate no filho para educar. Mas eles não bateram, eles mataram. Essa fala dele foi uma paulada. A comparação que ele fez não faz sentido algum. Mas está crescendo. Quem assume os militares é o Bolsonaro. A direita vai se agarrar nele.

 

Ciro Gomes tem chance de ir para o segundo turno?

Justiça seja feita: ele tem discurso firme. A biografia não tem nada contra. Foi governador, duas vezes ministro. O maior defeito dele é o temperamento. Mas tem um brilhante debate. Gosto dele.

 

Sobre a desistência de Joaquim Barbosa de se candidatar à Presidência, qual sua opinião? Acha que ele teria chances de ser eleito?

Joaquim Barbosa seria um bom nome. Ele é um homem notável. Lutou e venceu na vida. Ele sentiu que ia entrar numa engrenagem em que não ia se encaixar. Estava em segundo lugar nas pesquisas, estava subindo. No meio disso tudo, a renúncia dele foi um ato de qualidade, dignidade, uma constatação de que ele não dava pra isso que está aí.

 

Quais desafios esperam os candidatos a presidente do país?

O primeiro é ter a capacidade de montar um governo de gabarito, que pense no Brasil. Não pode ser na base do troca-troca. Quem iniciou esse processo maldito foi o Sarney. Até então, não tinha essa história de toma lá dá cá. Há também uma herança positiva de que as coisas estão sendo apuradas. Tem que conquistar o respeito e a confiança da população.

 

Como definiria este momento que o Brasil está vivendo?

É a hora da verdade. Já tivemos de tudo: ditadura, liberdade. Mas não tivemos o encontro de nós com nós mesmos. O Supremo está indo bem, fazendo justiça. Estamos nesse caminho. Tem gente doida para tirar o Lula, mas se ele sair, sai o resto.

 

O senhor é a favor da Reforma da Previdência proposta por Temer?

Sou a favor. Não sou a favor de querer fazer medida provisória sobre o tema, mas tem que fazer a reforma, o Brasil está falido. No Rio Grande do Sul, a folha dos professores aposentados é bem maior do que a dos atuantes. A dos brigadianos (policiais militares), também. Isso é insustentável. Quem trabalha paga por dois aposentados.

 

É mais difícil hoje a relação do governo com o Congresso do que era quando Fernando Henrique Cardoso era presidente?

Com Fernando Henrique foi diferente. Ele comprou o apoio para reeleição. Fez a privatização da Vale do Rio Doce. Ele é uma boa pessoa, um baita cara, mas não é santo.

 

E sobre a intervenção Federal no Rio de Janeiro?

Avalio isso com preocupação. Tinha que ser feita, mas estou assustado, porque os resultados práticos são muitos difíceis. Em todas as regiões do país, vemos o crescimento organizado das quadrilhas. Cada dia que passa o Estado perde mais credibilidade. Isso é ruim.

 

O senhor pensa em se candidatar nas próximas eleições?

Não. Estou com 88 anos.

 

Por que há uma aversão da população à política?

Houve exageros. Por exemplo, não tem mais o caixa dois, mas os caras têm verba disso, daquilo, para tudo quanto é lado.

 

Sente saudade da tribuna?

Sim e não. Em momentos como este, gostaria de falar algumas coisas. Quero chamar a atenção para o fato de que estamos no caminho certo e que isso que está acontecendo é o que tem que acontecer. Temos que ir até o fim. Tem que botar ladrão na cadeia. Alguma coisa tem que acontecer. Acho que em até um mês um nome vai sair e haverá um grande entendimento em torno dele. Mas, dos que estão aí, acho que o melhor nome é a Marina.

 

Relação com Brasília

Eu gostava muito de morar aqui. Fui senador por 32 anos, entre 1979 e  2015, descontado o tempo em que governei o Rio Grande, entre 1987 e 1990. O que é bom é que parece uma cidade do interior, tranquila. Vivi aqui com toda a família, na 309 Sul. Vejo tantos gaúchos que vieram para cá e gostam da cidade. Mas nem tudo é bom hoje. Vemos o crescimento desordenado. Estive em Águas Claras e, no meio daqueles edifícios, senti uma falta de ar, oprimido por ser cercado por tantos prédios. Não deveriam ter incentivado tanto a imigração para cá como fizeram, com a distribuição de terrenos e até propaganda em outros locais do país para que as pessoas viessem para cá.