Correio braziliense, n. 20087, 21/05/2018. Cidades, p. 18

 

O desafio da ressocialização

Isa Stacciarini

21/05/2018

 

 

SISTEMA PENITENCIÁRIO » Implantação de políticas públicas de educação, trabalho e saúde nos presídios do DF está distante do ideal. O ensino, por exemplo, é garantido com 1.580 vagas, mas a falta de atrativos e o deficit de aprendizagem provocam evasão

Os presos do sistema carcerário do Distrito Federal são atendidos conforme manda a lei. Contudo, as políticas públicas voltadas para os detentos estão “longe do ideal”, conforme avaliação do próprio Subsecretário do Sistema Penitenciário (Sesipe), delegado Osmar Mendonça de Souza. O ensino, por exemplo, é garantido com 1.580 vagas, mas a falta de atrativos e o deficit de aprendizagem provocam evasão. Os atendimentos de saúde também são realizados por equipes profissionais, porém a demora em levar os presos aos hospitais, em alguns casos, agrava as doenças. E as oportunidades de trabalho, embora ofereçam a chance de ressocialização, são limitadas.

Carlos (nome fictício) entrou no Complexo Penitenciário da Papuda em 2015. Durante o período em que ficou encarcerado, ele trabalhou como faxineiro para reduzir o tempo de pena. A cada três dias de serviço, conseguia diminuir um de prisão. Solto há pouco mais de um ano, ele está desempregado. “Faço faculdade de recursos humanos, mas, mesmo com experiência em outros empregos, quando puxam a ficha criminal não dão a chance de trabalho. Se não tiver família, a pessoa cai no crime de novo”, lamenta.

Durante o tempo em que ficou na cadeia, ele lembra que os agentes demoravam a prestar atendimento aos detentos doentes e relembra a dificuldade de acesso ao ensino. “Quem conseguia, ia para outra ala, onde ficavam os presos que estudavam. Mas é para poucos. Não quero voltar (ao presídio) nunca mais. Foi o preço que paguei por todos os meus erros.”

Presidente da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF e Entorno (Afisp-DFE), Alessandra Paes considera que ocorrem violações de direitos fundamentais. “A lei é clara. Eles perdem o direito de ir e vir, mas todos os outros direitos precisam ser preservados, mas”, afirma. “O Estado não fornece condições mínimas para o cumprimento à falta de liberdade”, alega.

Membro do Conselho de Direitos Humanos do DF, ela explica que a superlotação expõe os direitos fundamentais. “Faltam dignidade, trabalho e saúde. A situação é desumana e beira a precariedade”, lamenta. Promotores do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) responderam ao Correio que “mesmo quando a estrutura física está disponível, ela não é integralmente utilizada”.

Falta de servidores

Para especialistas, Ministério Público e o próprio governo, a alta quantidade de presos e a carência de servidores impõe barreiras para o desenvolvimento de políticas públicas dentro do sistema. São 1.482 agentes de atividades penitenciárias para 16.018 presos: pouco mais de 10 detentos para cada servidor, enquanto a Lei Distrital nº 5.969, de 2017, determina um carcereiro para cada cinco detentos. Na avaliação do Nupri, “o grande obstáculo à concretização de políticas públicas no sistema prisional é, a par da superlotação carcerária, o grave deficit de agentes de atividades penitenciárias”.

No Centro de Detenção Provisória (CDP), que fica dentro da Papuda, o MPDFT identificou, em julho de 2017, 15 detentos em uma cela para duas pessoas: sete vezes acima da capacidade. Segundo o subsecretário da Sesipe, Osmar Mendonça, semanalmente ingressam no sistema de 150 a 180 pessoas e cerca de 25 a 30 saem em cumprimento a decisões judiciais. “Hoje, existem carências dentro do próprio sistema prisional, como vagas e o quantitativo de servidores para fazer a movimentação de internas e presos. Isso impõe barreiras para que se possa desenvolver e melhorar as políticas públicas dentro das penitenciárias”, explica.

Dignidade

A professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Cristiane Damasceno considera que são mínimas as políticas públicas oferecidas dentro dos presídios do Distrito Federal. “O sistema prisional é uma sociedade à parte. O modelo de encarceramento que copiamos do Sul dos Estados Unidos enlouquece as pessoas. Essas assistências fazem parte da dignidade humana, mas, dentro de uma sociedade fechada, com uma subcultura muito forte, só é oferecido o mínimo”, avalia.

Ela é responsável pelo Grupo de Estudo do Sistema Prisional do IDP e já visitou presídios do Paraná e do Rio de Janeiro, além de cadeias da Paraíba e de Roraima. Em maio e junho, vai conhecer a realidade de Teresina e do Pará. “Mapeamos outros exemplos para termos boas ideias e práticas para implementar no Distrito Federal. Hoje, as presas e os presos do DF têm uma assistência de atenção primária à saúde, mas não uma política pública efetiva”, considera. “Eles tomam remédios, por exemplo, quando precisam, mas não existe um plano anual. São atendimentos básicos e, como não há diálogo institucional, não se consegue consolidar ações efetivas fora do papel”, acrescenta.

O subsecretário do sistema, delegado Osmar, esclarece que ao atender um chamado de um preso por problema de saúde é necessário avaliar a circunstância do caso. “Retirar um interno da cela requer todo um aparato de segurança. É uma análise abrangente que fazemos. Temos de ter um número de servidores suficientes e um ambiente totalmente controlado para que possamos entrar na ala com segurança. Após essa retirada, ele é levado para um local com condições para aguardar o socorro que é feito pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) até um hospital”, explica.

A Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social informou que, em novembro do ano passado, nomeou 200 novos agentes penitenciários. Eles já tomaram posse. Em 8 de maio, o GDF anunciou, ainda, a nomeação de mais 114 agentes, que será feita até a terceira semana de maio, segundo a previsão do Executivo local.

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Literatura que resgata

21/05/2018

 

 

A presença de bibliotecas em cadeias públicas do país é regulamentada pela Lei de Execuções Penais - nº 7.210, de 1984. Dados de 2017, divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça (MJ), mostram que o DF tem seis bibliotecas: uma para cada unidade penitenciária. A nível nacional, no entanto, só existem livros em 33% das cadeias. Os índices são relativos a 2016.

A bibliotecária aposentada Iza Antunes Araújo, 78 anos, foi uma das profissionais responsáveis pela implantação do espaço na Penitenciária Feminina do DF, conhecida como Colmeia. O projeto começou em agosto de 2007. A inauguração, um ano depois, ocorreu no pátio da unidade. “Esse era o único lugar, e construímos a estrutura ainda de alvenaria”, recorda. Ela se lembra que as detentas procuravam mais por romances espíritas. “Tivemos histórias de mulheres que voltaram a estudar por causa da leitura e os próprios agentes comentavam que sentiam a diferença, principalmente no comportamento delas”, destaca.

Além da Colmeia, Iza levou a leitura para as unidades prisionais masculinas. Ela recorda que, à época, alguns profissionais se colocaram contra a instalação das bibliotecas nos presídios. “Alguns achavam uma maluquice. Diziam que tínhamos de trabalhar pelos que estavam aqui, porque os presos cumpriam as decisões erradas. Muita gente foi contra, mas nós sabíamos da importância do projeto. Existiam algumas distribuições de livros, mas não era algo regular”, ressalta.

Legislação

“Bibliotecas prisionais não são uma fábrica de fazer milagres, mas propiciam verdadeiros resgates. É inconcebível um preso conseguir remição de pena lendo livro e fazendo resenha sem que ele esteja familiarizado com a leitura. Os números mostram que 75% deles não têm ensino fundamental completo e 90% jamais pegaram em um livro, mesmo que pequeno”, pontua a ativista de biblioteconomia social e presidente da primeira Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais, Catia Lindermann.

Cada uma das unidades penitenciárias do DF conta um Núcleo de Ensino (Nuen). Em dezembro de 2017, do total de 1.580 vagas de estudo, 1.211 estavam ocupadas. Os agentes de atividades penitenciárias desses locais são responsáveis por selecionar os presos que estudarão no local. A escola responsável pelas matrículas, aplicações de provas, avaliações, desligamentos, certificados e literatura aplicada é o Centro Educacional 1 (CED 1). (IS)