O globo, n. 30921, 04/04/2018. País, p. 3

 

Fim da prisão em 2ª instância aumentaria impunidade?

04/04/2018

 

 

FERNANDO MENDES - SECRETÁRIO-GERAL DA AJUFE

A revisão da decisão do Supremo pode contribuir para o aumento da sensação de impunidade porque diminui a possibilidade de resposta judicial mais célere ao cidadão. Seria mais uma decisão de entendimento político do STF em relação à extensão da presunção da inocência. Na maioria dos países ocidentais, é admitida a execução da pena após segunda instância, em alguns sendo possível a execução da sentença de primeiro grau. Uma decisão como essa diminuirá a efetividade da prestação jurisdicional. Os processos, pela dificuldade do STF e do STJ de lidarem com todos os recursos possíveis, correm um grande risco de ficarem prescritos. Igualmente, a execução provisória de pena desde 2016 foi importantíssima para o combate à corrupção, sobretudo em operações como a Lava-Jato.

 

SELMA ARRUDA - JUÍZA FEDERAL

Sim, a impunidade pode aumentar após essa decisão. Em primeiro lugar, porque o excesso de recursos possíveis impulsiona a prescrição dos crimes. Quanto mais esses processos tiverem degraus para subir, mais os réus podem ser beneficiados com o instituto da prescrição. E isso ocorre principalmente com crimes de colarinho branco, que têm penas muito brandas. Para o crime de corrupção, a pena mínima é dois anos; fraude à licitação prevê detenção de meses. É importante lembrar que as pessoas não cometem os crimes pensando em prazos e recursos. Cometem o crime porque pensam que não terão que cumprir pena. Além disso, os principais beneficiados são os criminosos mais abastados. O pobre dificilmente tem condição de pagar um advogado que passe da segunda instância.

 

GUSTAVO BADARÓ - PROFESSOR DE DIREITO PENAL DA USP

Penso que o que vale é a garantia que está na Constituição, que é o trânsito em julgado. A impunidade ocorre quando se deixa de punir alguém dentro da lei. Se o STF mudar de posição não estará aumentando a impunidade, mas eliminando punições antecipadas, que eram inconstitucionais. Para quem já está preso preventivamente, não muda nada. No caso de prisões necessárias, elas continuarão e deverão ser mantidas porque são pessoas presas preventivamente, como é o caso do ex-deputado Eduardo Cunha e do ex-governador Sérgio Cabral. O ex-presidente Lula está solto. O que o STF vai impedir é que pessoas soltas comecem a cumprir a pena antes do trânsito em julgado. A decisão não tem relação com prisão preventiva, e sim com execução antecipada da pena.