O globo, n. 30918, 01/04/2018. Economia, p. 39

 

Empresas se armam contra boatos

Bruno Rosa

01/04/2018

 

 

Estratégia é monitorar redes sociais, recorrer à tecnologia e reagir rapidamente às ‘fake news’

A proliferação de notícias falsas nas redes sociais vem atingindo com frequência cada vez maior algumas das marcas mais populares do país. De refrigerantes a produtos lácteos, as empresas buscam a tecnologia e tentam reagir rapidamente para minimizar os efeitos nocivos das fake news. Mas, segundo especialistas, é preciso mais iniciativa e conscientização. Do consumidor, para não compartilhar informações de origem duvidosa. E das próprias companhias, que precisam estimular os internautas a terem mais responsabilidade na hora de repassar informação para amigos e redes de contatos.

Na internet, o boato geralmente vem acompanhado de vídeos e imagens, dizem as empresas. Segundo Luther Peczan, vice-presidente da empresa de marketing Webedia, as notícias falsas tomam proporções gigantescas em pouco tempo, afetando a reputação das marcas. E, afirma ele, se a companhia, não estiver preparada, não consegue reagir rapidamente e da forma certa.

— As redes sociais atuam como amplificador do fenômeno, mas não é um problema exclusivo delas. Existem também muitos sites falsos. O desafio é ter ferramentas simples e eficazes para denunciar e tirar esse conteúdo do ar — destaca. — O consumidor, por outro lado, tem um papel importante, verificando o que compartilha. Mas, para isso, ele mesmo tem que reconhecer essa informação como falsa, o que nem sempre é evidente.

RUMOR SOBRE VENDA DO AQUÍFERO GUARANI

Um dos setores que mais sofrem com as fake news é o de bebidas. No ano passado, surgiu a suposta notícia de que a Coca-Cola Brasil estaria negociando com o governo brasileiro a compra dos direitos de exploração do aquífero Guarani, no Sul da América do Sul, um dos maiores reservatórios de água doce do mundo. O boato voltou com força este ano. E, desta vez, com proporção ainda maior, envolvendo outros países da América do Sul. Marina Peixoto, diretora de comunicação da empresa, lembra que foi detectado um aumento dessa notícia, através de ferramentas internas, duas semanas antes do Fórum Mundial da Água, em Brasília, que aconteceu entre os dias 17 e 23 de março.

Por isso, conta Marina, o primeiro passo foi negar a informação com o uso de novas linguagens, com a criação de infográficos, além do tradicional comunicado corporativo. No site da empresa, a Coca criou uma seção chamada #ÉBoato. Além disso, a companhia decidiu criar um número de WhatsApp interno para seus funcionários para esclarecer e impedir que boatos ganhem força entre os próprios colaboradores.

— Percebemos que o boato do aquífero estava crescendo internamente entre os funcionários da empresa. Hoje, o WhatsApp, por ser fechado, é o que mais dissemina notícias falsas. Criamos no ano passado a vice-presidência de Transformação Digital. O objetivo é trazer o modelo digital de agir com mais rapidez, com o uso de inteligência artificial e monitoramento de redes sociais — diz Marina.

POMBOS EM FÁBRICA DE CERVEJA

Há alguns meses, a Pepsi se viu em meio a uma das maiores polêmicas de sua história. Nas redes sociais, começaram a ganhar força fotos falsas de uma lata da marca que tinha estampado o rosto do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), pré-candidato à Presidência. O boato tomou a internet, com milhares de compartilhamentos, em meio à campanha publicitária da concorrente Coca-Cola, que trazia a cantora drag queen Pablo Vittar em seus comerciais e produtos. Para tentar por fim ao episódio, a Pepsi correu para desmentir o caso.

— Sempre que nos deparamos com notícias que não são verdadeiras, nossa primeira ação é esclarecer mediatamente o fato. A transparência com os nossos consumidores é parte essencial do relacionamento que buscamos construir com o público — disse Felipe Ghiotto, diretor de marketing da Pepsi no Brasil.

Em março de 2017, as notícias falsas fizeram outra vítima: a Ambev, maior produtora de cervejas do país. Após a Operação Carne Fraca da Polícia Federal, que investigava um esquema de liberação de carnes impróprias por fiscais agropecuários, a gigante de bebidas foi alvo de um vídeo que mostrava pombos sendo processados supostamente em um moinho da companhia durante a fabricação de suas cervejas. A notícia também foi rapidamente desmentida pela empresa, que atribuiu as imagens a uma fábrica de pães na Rússia feitas em 2016.

Em nota, a Ambev disse que a companhia, ao estar diante de alguma dessas notícias, apura primeiro, internamente, com seus colaboradores. “Depois disso, é que é possível esclarecer aos seus consumidores. No caso do vídeo dos pombos, seguimos essa prática e esclarecemos que o caso não havia qualquer envolvimento da Ambev”.

Um dos casos mais graves envolvendo informações falsas no Brasil — e compartilhadas por consumidores via o aplicativo WhatsApp — envolveu a Itambé. A crise surgiu quando veio à tona a notícia, em agosto de 2016, de que uma criança morreu após ingerir o achocolato Itambezinho em Cuiabá, no Mato Grosso. O episódio foi o estopim para a circulação, nas redes sociais, de informações falsas sobre a contaminação de lotes inteiros do Itambezinho e até de achocolatados de outras marcas.

Investigação da polícia de Mato Grosso constatou que o produto que matou a criança havia sido envenenado, e duas pessoas foram presas. Mas, até o caso ser desvendado, a empresa conviveu com uma semana de boatos sobre a marca. Beatriz Cardoso, gerente de marketing da Itambé, destacou que a estratégia foi falar com todos os agentes envolvidos no caso durante esse período:

— A estratégia foi adotar uma postura proativa e transparente em todos os canais de comunicação: SAC, imprensa, redes sociais, público interno, de maneira ágil. Incluímos nessa estratégia também o WhatsApp e mantivemos contato com os órgãos reguladores, como Anvisa e as secretarias de Saúde a todo momento. À época, o presidente da companhia gravou um vídeodepoimento que foi amplamente divulgado nas redes sociais da marca.

RESPONSABILIDADE AO PROPAGAR CONTEÚDO

Segundo o sociólogo e antropólogo Fred Lucio, coordenador da ESPM Social, as redes sociais aumentaram a amplitude da propagação de notícias falsas, o que gera uma reação rápida em plataformas importantes como Facebook e Twitter, que misturam notícias e informações pessoais de seus usuários, além do WhastApp:

— Em muitos casos, as empresas conseguem antecipar possíveis problemas, pois investem em tecnologia de rastreamento do que acontece na internet. Mas, o consumidor é responsável pelo que compartilha e, assim, de certa forma, gera seu próprio conteúdo. É importante que essas companhias invistam em campanhas de responsabilidade para conscientizar o usuário de que não se pode compartilhar notícias sem que se saiba a origem.

Por isso, Flavio Martino, diretor de desenvolvimento da agência Heads, destaca a necessidade de o próprio consumidor ser responsável pelo que compartilha nas redes sociais.

— A grande maioria propaga e não gera o conteúdo. É importante ter responsabilidade nas duas ações.