O globo, n. 30931, 14/04/2018. Economia, p. 22
BNDES cria taxa fixa para pequenas empresas
Danielle Nogueira
14/04/2018
Para especialistas, ajuste visa a inverter queda no desembolso, com mais previsibilidade no pagamento
Mal a Taxa de Longo Prazo (TLP) entrou em vigor como referência nos empréstimos do BNDES, o banco já anunciou mudanças nas condições de financiamento de dois programas, abrindo a possibilidade de as empresas optarem por taxas fixas — a TLP oscila com a inflação. A mudança vale apenas para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Na avaliação de especialistas, a alteração sinaliza que será preciso fazer ajustes na TLP para manter a atratividade dos financiamentos do BNDES, especialmente para as MPMEs, que buscam previsibilidade nos financiamentos. A taxa fixa valerá apenas para empresas com faturamento até R$ 300 milhões anuais que contratarem crédito da linha BNDES Giro, voltada para capital de curto prazo, a partir deste mês. Em maio, créditos aprovados no âmbito da Finame Ônibus e Caminhões, que financia a compra desses veículos, também terão essa opção. Segundo o banco, os créditos dessas duas linhas tomados por MPMEs representaram 24% das operações indiretas (intermediadas por agentes financeiros) e 11% dos desembolsos totais do BNDES entre 2013 e 2017. É possível que a taxa fixa seja estendida a outros programas no futuro.
— A impressão que dá é que, só depois de implementar a TLP, é que pensaram em como vão fazer com o crédito para MPMEs. Em ano eleitoral e com indefinições sobre a economia nos próximos anos, é natural que pequenas empresas fiquem com medo de tomar crédito com uma taxa que poderá mudar ao longo do financiamento — diz a analista de crédito da Tendências Isabela Tavares.
A TLP tem juros que são estabelecidos no momento da contratação do empréstimo, e que são mantidos ao longo do prazo do financiamento, e um componente variável, que oscila com a inflação. Ela só será plenamente implementada após cinco anos, período em que haverá uma transição entre a antiga TJLP e a nova taxa, mais próxima às taxas de mercado. Até ano passado, grande parte dos financiamentos do banco era feita em TJLP, que embutia um subsídio implícito, uma vez que era menor que a taxa básica de juros.
Num momento em que o BNDES adota o discurso de intensificar o crédito para MPMEs, a escolha de uma taxa com baixa previsibilidade para embasar os financiamentos era vista como um entrave por alguns empresários. Na avaliação de José Velloso Dias Cardoso, presidente da Abimaq, que reúne fabricantes de máquinas e equipamentos, esse receio está por trás do recuo nos desembolsos do BNDES no primeiro bimestre. Segundo ele, a taxa fixa foi um pedido da associação ao banco.
BANCO VOLTA AO PATAMAR DOS ANOS 90
O BNDES criou a taxa fixa em meio ao recuo dos desembolsos para Finame e BNDES Giro nos dois primeiros meses do ano. A queda foi de 20% e 25%, respectivamente, num movimento oposto ao que vinha acontecendo. No acumulado de 12 meses encerrados em fevereiro, as liberações para essas duas linhas subiram 11% e 88%, refletindo o crescimento nos meses anteriores. O banco atribui a queda, em parte, a uma corrida no fim do ano para pegar crédito em TJLP e a problemas nos sistemas dos bancos repassadores. No Finame e no BNDES Giro, o dinheiro é do BNDES mas outros bancos repassam e assumem o risco das operações.
— Mesmo que a taxa fique um pouco mais cara, pelo menos ela não vai mudar durante o financiamento. Isso é muito importante para o pequeno empresário — diz Velloso. — Se fosse só um problema no sistema e a demanda existisse de fato, a procura por crédito nos dias seguintes compensaria as falhas nos dias anteriores.
Segundo um estudo do próprio BNDES, a parcela dos desembolsos para MPMEs vem crescendo: saiu de 16,3% no período de 1990 a 1994 para 33,4% no período de 2015 a 2017. O mesmo estudo mostra como o banco encolheu nos últimos anos, voltando ao patamar da segunda metade da década de 1990. Os projetos financiados pelo BNDES representaram 21% dos investimentos feitos no país em 2009, ano seguinte à crise econômica global. Naquele ano, o banco adotara o Programa de Sustentação do Investimento, que chegou a emprestar a juros negativos para conter efeitos da crise. No ano passado, a fatia do BNDES nos investimentos caiu a 6,9%, bem próximos ao patamar de 1996 (6,1%).
Essa queda ocorreu principalmente devido à recessão, que reduziu o apetite do empresariado por crédito. Na avaliação de alguns economistas, com a TLP o banco ficará ainda menor, o que poderá comprometer o ritmo de recuperação da economia.
— A taxa fixa é um esforço do BNDES de oferecer uma solução de mercado dentro do engessamento que impuseram a ele. Mas acredito que não vá resolver o problema da queda do desembolso, pois não há horizonte de investimentos no país. Períodos como o que estamos vivendo são como voos de galinha, há um pequeno crescimento e depois novo recuo — diz Antonio Alves, professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio, para quem a retração do BNDES na oferta de crédito não será compensada pelo crédito privado, que continua em queda.
O presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, diz que o país vive uma fase de juros baixos e o diferencial de taxa que existia antes nos empréstimos do banco não faz mais sentido. Ressalta que houve contração do crédito privado porque empresas e famílias estavam muito endividadas:
— Isso não tem a ver com o BNDES. A curva (de desembolsos) que caiu vai se inverter. Mas qual vai ser o tamanho do BNDES? Vai ser do tamanho da necessidade do desenvolvimento do país.
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‘Alteramos processos para ter mais transparência’
Dyogo Oliveira
14/04/2018
Após operação da PF, presidente recém-empossado do BNDES diz que contratará auditoria externa para o banco
O novo presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, diz estar contratando auditorias externas para avaliar operações do banco para apoiar o crescimento de empresas e, assim, prestar todos os esclarecimentos aos órgãos de controle. Reportagem da revista “Época” publicada ontem revelou trocas de mensagens entre técnicos do BNDES integrantes do inquérito da Operação Bullish, da Polícia Federal. Num dos diálogos, um dos técnicos chama o método usado nos cálculos para definir uma operação de apoio à JBS de “indefensável”.
O diálogo dos técnicos do banco causou estranheza ao senhor?
Pode haver uma discordância técnica, mas não há a mínima inferência de que houve má-fé dos nossos técnicos. Há metodologias diferentes para fazer precificação de ações. Nós estamos contratando consultorias especializadas externas exatamente para avaliar. Uma pessoa que não é familiarizada com essas coisas não vai compreender tecnicalidades.
As auditorias vão analisar casos específicos para levar conclusões aos órgãos de controle?
São vários casos. Vamos apresentar aos órgãos e também internamente, para tomarmos as providências cabíveis. É preciso dizer que, em todos os processos, em momento algum foi identificado qualquer recebimento de recurso indevido por funcionário do banco, que tem uma equipe qualificada técnica e eticamente. Há uma série de apurações que o banco está apoiando proativamente. Fizemos apurações internas. Agora estamos contratando auditorias externas especializadas em sistemas financeiros porque muitas vezes os órgãos de controle não têm conhecimento técnico específico. Muitos do processos do banco já foram alterados para conferir maior segurança e transparência. A história de que o banco é uma caixa preta não existe. O banco divulga 100% das operações no site.
O BNDES decidiu oferecer taxa fixa para alguns programas porque a TLP não pegou?
A estratégia que o banco segue agora é de oferecer opções ao cliente, com agilidade e flexibilidade. Ter uma opção de taxa fixa para a pequena empresa é totalmente coerente, porque o empreendedor gosta de ter previsibilidade. Às vezes, a taxa variável é útil para a grande empresa porque ela pode usar instrumentos financeiros para fazer hedge e se proteger. A pequena empresa prefere previsibilidade. A taxa fixa soma, não exclui.
Mas foi uma reação a esse primeiro momento de desembolso mais fraco?
Não é uma reação. Ao contrário, é a estratégia de diversificação de produtos.