O globo, n. 30931, 14/04/2018. Mundo, p. 24

 

Trump ataca a Síria

14/04/2018

 

 

Em desafio à Rússia, presidente ordena bombardeio de bases e laboratórios químicos

Após uma semana de discussões com membros de seu Gabinete e líderes internacionais, o presidente americano, Donald Trump, anunciou no fim da noite de ontem, de surpresa, o bombardeio da Síria, com lançamentos de mísseis contra o que identificou como o programa de armas químicas do regime em resposta ao suposto ataque em Douma, na região de Ghouta Oriental, subúrbio de Damasco. A ofensiva tem apoio militar de França e Reino Unido. A Rússia protestou e acusou os países ocidentais de a ameaçarem.

Após o anúncio, o secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, disse que não há novos ataques planejados. Segundo Mattis, a ação foi “precisa e limitada” e procurou reduzir o risco de envolvimento de forças da Rússia, que apoiam Damasco.

Em discurso na TV, Trump se dirigiu diretamente ao Irã e à Rússia, aliados de Bashar al-Assad, e perguntou “que tipo de nação quer estar associada diretamente com matanças maciças de homens, mulheres e crianças”.

— A ação de hoje é uma retaliação ao apoio da Rússia e do Irã — afirmou Trump no pronunciamento. — Essas não são ações de um homem, mas de um monstro. Em 2013, (o presidente da Rússia, Vladimir) Putin prometeu ao mundo que iria acabar com os ataques químicos na Síria e fracassou. A Rússia deve decidir se continuará nesse caminho sombrio ou se vai se unir às nações civilizadas como uma força para a estabilidade e a paz.

 

RÚSSIA: ‘EUA TÊM MAIOR ARSENAL QUÍMICO’

Em nota, a Embaixada da Rússia nos EUA protestou: “Nossos avisos foram ignorados. Insultar o presidente da Rússia é inaceitável e inadmissível. Os EUA — donos do maior arsenal de armas químicas — não têm moral para culpar outros países.”

O ataque americano vem em um momento em que, com apoio militar da Rússia e do Irã, o governo de Assad havia assegurado o controle dos principais centros populacionais do país. A retomada de todo o território de Ghouta Oriental, nesta semana, havia marcado uma vitória do regime — no entanto eclipsada pelas ameaças dos Estados Unidos e seus aliados.

Na capital síria, Damasco, ao menos seis explosões foram ouvidas ao fim do pronunciamento do presidente, e o distrito de Barzeh, que abriga um importante laboratório de pesquisa, foi atingido por mísseis. Segundo a CNN, a TV estatal síria afirmou que a defesa aérea respondia à agressão, confrontando caças e derrubando pelo menos 13 mísseis.

Segundo a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos, diversas bases militares foram alvejadas, entre elas o quartelgeneral da Guarda Republicana e a sede da 4ª Divisão do Exército Sírio. O Ministério da Defesa do Reino Unido anunciou que quatro caças voaram de uma base militar em Chipre e dispararam contra uma antiga base nos arredores de Homs, na qual autoridades acreditam que o governo sírio mantinha armas químicas.

No Reino Unido, a premier Theresa May enfrentava a pressão de correligionários e opositores que pediam que qualquer ação militar fosse aprovada antes pelo Parlamento. No entanto, com o aval de seus ministros, May autorizou a participação de forças britânicas no ataque, e justificou sua decisão afirmando que “não havia alternativa, a não ser minar a capacidade do regime sírio de realizar ataques químicos”. Segundo ela, no entanto, a ação não tem como objetivo “uma mudança de regime”.

“No sábado, em Douma, um ataque com armas químicas matou 75 pessoas, incluindo crianças, em circunstâncias de absoluto horror”, afirmou, em comunicado. “Esse padrão persistente de comportamento deve ser interrompido, não apenas para proteger inocentes na Síria, mas porque não podemos permitir a violação das leis internacionais. Tentamos usar todos os canais diplomáticos possíveis”.

 

OPAQ COMEÇARIA TRABALHOS HOJE

O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou a participação na operação, destacando que os bombardeios estavam restritos às instalações do regime que permitem a produção e o uso de armas químicas. “Não podemos tolerar a banalização do uso de armas químicas.”

A ofensiva, na qual aviões e navios dispararam mísseis Tomahawk e Storm Shadow, foi descrita tanto por Trump quanto por May como uma resposta específica — os dois destacaram que não pretendem estender a presença na Síria. Após o suposto ataque em Douma, Rússia e Síria convidaram inspetores da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) para investigarem a região. Os trabalhos começariam hoje.

Embora a Síria tenha concordado com a destruição de seu arsenal sob a supervisão da Opaq em 2013, Washington afirma que o regime mantém gás de cloro e agentes tóxicos como o gás sarin em estoque.