O globo, n. 30930, 13/04/2018. País, p. 4

 

PF desbarta fraudes em fundos de pensão de 28 cidades no país

13/04/2018

 

 

Foram 20 presos em 7 estados, e desvios chegam a R$ 1,3 bilhão

-RIO E SÃO PAULO- Duas ações da Polícia Federal (PF) desbarataram ontem esquemas que desviavam recursos de fundos de pensão de 28 municípios, dos Correios (o Postalis) e do Serpro (o Serpros). Na Operação Encilhamento, os policiais estimam fraudes nas previdências municipais de aproximadamente R$ 1,3 bilhão, com a emissão de debêntures sem lastro por empresas de fachada.

Na Operação Rizoma, os investigadores disseram que operadores e lobistas receberam cerca de R$ 20 milhões em vantagens indevidas para conseguir que os fundos de pensão das duas estatais investissem em negócios do empresário Arthur Machado. Ele foi preso pelas duas operações.

Comandada pela força-tarefa da Lava-Jato no Rio, a Operação Rizoma, sem relação direta com as investigações da cúpula política fluminense, cumpriu dez mandados de prisão preventiva e busca e apreensão. No caso do Postalis, Machado, apontado como principal beneficiário do esquema, teria conseguido um investimento de R$119 milhões pagando propinas a lobistas e exgestores dos fundos. Essa operação serviria para a criação da Nova Bolsa, um projeto dele para fundar no país outra bolsa de valores. Mas outras aplicações do fundo de pensão dos Correios estão sob investigação e o total pode ultrapassar R$ 400 milhões.

No caso do Serpros, as vantagens indevidas garantiram um investimento de R$ 72 milhões do fundo em empresas ligadas a Machado.

Entre os alvos da PF e do Ministério Público Federal (MPF) está o petista Marcelo Sereno, preso preventivamente após ser acusado de ter recebido R$ 900 mil para fazer lobby a favor de um dos investimentos que interessavam a Machado. O MPF, porém, não especificou qual operação contou com sua participação. Também foi preso Milton Lyra, apontado em outras investigações como operador de parlamentares do PMDB.

 

OPERAÇÕES EM SETE ESTADOS

O depoimento do delator Alessandro Laber, que embasou a Rizoma, revelou que Lyra possui “estreita ligação com Arthur Machado, inclusive em âmbito transnacional”. Segundo ele, Lyra recebeu US$ 1 milhão para facilitar negócios de Machado no Postalis. Os investigadores, porém, não fizeram qualquer relação das acusações contra Sereno e Lyra com políticos ou partidos.

A defesa de Sereno negou as acusações e disse que o MPF tenta vincular de forma errada as investigações com a Lava-Jato só para conseguir manter o caso na jurisdição do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal. A defesa de Machado disse que ele só agiu com “absoluto respeito à legislação e que não compactua com práticas ilegais”. A defesa de Milton Lyra informa que suas atividades profissionais são lícitas.

Na Operação Encilhamento, o alvo foram as fraudes nos institutos de previdência dos municípios. A operação cumpriu 20 mandados de prisão e 60 de busca e apreensão. Ao todo, 28 institutos de pensão em São Paulo, Rio, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Santa Catarina e Goiás foram vasculhados pelos policiais. Eles teriam investido em fundos que faziam investimentos sem lastro por meio de debêntures, títulos de dívida emitidos por empresas, mas nesse caso firmas de fachada. (Chico Otavio, Daniel Biasetto, Jeferson Ribeiro e Dimitrius Dantas

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Charutos, champagne e Miami: ‘lobista’ do PMDB é preso

Bela Megale e Aguirre Talento

13/04/2018

 

 

Milton Lyra, apontado como intermediário de pagamentos a Renan e outros caciques, ostentava hábitos de luxo no Brasil e no exterior

Todas as quartasfeiras à noite, com uma taça de champanhe em uma mão e charuto na outra, Milton de Oliveira Lyra Filho, 45 anos, se sentava na varanda do hotel Emiliano, um dos mais luxuosos de São Paulo. Quem queria se encontrar com o lobista, apontado como operador de caciques do PMDB, em especial o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), passava por ali para tomar um drinque com ele. De tão habitué que era no hotel, Lyra alugou um apartamento no prédio vizinho, onde ficava três dias da semana — e até mesmo era servido em casa pelos garçons do Emiliano. Agora, porém, ele não baterá mais ponto por lá. O lobista foi preso preventivamente ontem na Operação Rizoma.

Lyra já foi alvo de quatro operações da PF, sendo a primeira deflagrada em 2016 a pedido do então procuradorgeral da República, Rodrigo Janot. Em todas elas o objetivo dos investigadores foi levantar provas de que ele intermediava o pagamento de propina por meio de empresas a Renan ou outros senadores do PMDB indicados pelo expresidente da Casa. Também foi delatado por pelo menos três colaboradores nesse papel: o exdiretor da Odebrecht Claudio Melo, o ex-diretor da Hypermarcas Nelson Mello e o ex-funcionário do grupo SP Alimentação Genivaldo Marques, envolvida na máfia da merenda.

TRÂNSITO COM A ALTA CÚPULA

O lobista, que nega as acusações, credita sua fortuna aos negócios como empresário, entre eles a rede de comércio eletrônico para animais de estimação “Meu Amigo Pet". Nas investigações, Lyra já admitiu intermediar o interesse de empresas no Congresso, mas diz ter feito isso legalmente — seria apenas um caso de lobby, segundo a defesa. Seus advogados afirmam que ele está à disposição para colaborar com a Justiça. Lyra irritava-se com os sucessivos boatos de que estaria fazendo uma delação premiada. “Não tenho o que delatar’,’ sempre dizia.

Mas os empresários buscavam Lyra justamente por seu bom trânsito na alta cúpula do poder. Simpático e bom de papo, o lobista era anfitrião de degustações de vinhos cujo valor era superior a R$ 1 mil. A cozinha era comandada pelo chef do restaurante Gero e os microfones, já que sempre havia música ao vivo, muitas vezes pelo advogado Antônio Carlos Almeida Castro, o Kakay.

O GLOBO teve acesso ao álbum de fotos de Lyra que está com os investigadores da Lava-Jato, cheio de imagens de viagens, rótulos de vinhos e gente famosa. Há, por exemplo, selfies em um dos protestos contra a corrupção e contra o governo Dilma Rousseff em março de 2015, vestido com a camisa da seleção brasileira.

As imagens também mostram viagens para Arábia Saudita, Paris, Nova York e Miami, e jantares com o artista plástico brasileiro Romero Britto, de quem se aproximou em suas viagens para a Flórida.

Membro da comunidade de latinos endinheirados que frequentam o balneário americano, Lyra comprou um apartamento na região de Sunny Isles, declarado por ele no valor de R$ 7 milhões. Segundo um dos vizinhos, quando estava no mar ordenava ao garçom entrar com taça e garrafa de champanhe para servi-lo.

Sua prisão reacendeu o pânico nos corredores do poder em Brasília. Milton, já acostumado com a pressão das investigações, sempre era aconselhado a se preparar psicologicamente para uma prisão.