O globo, n. 30929, 12/04/2018. País, p. 3
Londe da Lava-jato
Mateus Coutinho
12/04/2018
A pedido da procuradoria-geral, STJ despacha caso de Alckmin para a Justiça Eleitoral
-BRASILA E SÃO PAULO- Atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu ontem mandar para a Justiça Eleitoral de São Paulo o inquérito que investiga o ex-governador paulista e pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin (PSDB). O tucano é suspeito de ter recebido doações, via caixa dois, da empreiteira Odebrecht que, somadas, chegariam a R$ 10,7 milhões durante as campanhas eleitorais de 2010 e 2014. Na prática, a decisão do STJ, amparada no parecer da PGR, livra Alckmin da forçatarefa da Lava-Jato de São Paulo.
A assessoria do ex-governador informou que as investigações sobre ele nunca tiveram conexão com a Lava-Jato e que já era esperado o envio do caso para a Justiça Eleitoral. Ainda segundo a equipe de Alckmin, o STJ fez o que “era lógico” e “a decisão não surpreendeu”.
Em quatro anos, a Lava-Jato já investigou políticos de 14 partidos, incluindo tucanos. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) terá uma denúncia julgada na terça-feira que vem no Supremo Tribunal Federal (STF), e pode virar réu. A Primeira Turma da Corte decidirá se aceita ou não a denúncia por recebimento de propina de R$ 2 milhões. O ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, condenado em segunda instância, pode ser preso depois de 24 de abril, quando terá embargos infringentes julgados.
No total, a procuradoria-geral pediu o envio à primeira instância de cinco inquéritos e seis ações penais envolvendo outros quatro ex-governadores que deixaram o cargo na semana passada para disputar as eleições de outubro (leia mais no quadro abaixo). Raimundo Colombo (PSD), de Santa Catarina; Beto Richa (PSDB), do Paraná; Confúcio Moura (PMDB), de Rondônia; e Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, foram incluídos nos pedidos assinados pelo vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia, designado pela procuradora-geral, Raquel Dodge, para atuar nos casos que envolvem governadores no STJ.
PROCURADORES AINDA PODEM PEDIR PROVAS
Para o vice-PGR, no caso de Alckmin, os indícios colhidos no curso das investigações apontam apenas para o crime previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, conhecido como falsidade ideológica eleitoral, isto é, a não declaração dos valores recebidos da empreiteira na prestação de contas. No mesmo processo são investigados o cunhado de Alckmin Adhemar Ribeiro e Marcos Antônio Monteiro, tesoureiro da campanha do tucano em 2014. Todos negam as irregularidades citadas nas delações da Odebrecht. Para o crime eleitoral em questão, a pena prevista é de até três anos de prisão.
Mesmo encaminhado para a Justiça Eleitoral, os procuradores do MPF em São Paulo poderão pedir o compartilhamento de provas com os colegas que atuam no Ministério Público Eleitoral. Além disso, caso os promotores eleitorais encontrem indícios de outros crimes, o caso poderá ser remetido para outras instâncias judiciais.
Ao todo, três delatores da Odebrecht — Benedicto Junior, ex-presidente da Construtora Odebrecht, e os ex-executivos Carlos Armando Guedes Paschoal e Arnaldo Cumplido de Souza e Silva — relataram os repasses de dinheiro via caixa dois ao ex-governador. Segundo os delatores, os recursos foram registrados no Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, que controlava as propinas da empreiteira.
A decisão do STJ pegou de surpresa ontem os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo, que divulgaram, na terça-feira, uma nota na qual informavam terem solicitado “com urgência” à PGR a transferência do caso para a Procuradoria em São Paulo, “tendo em vista o andamento avançado de outras apurações correlatas sob nossa responsabilidade”. O pedido causou mal-estar na PGR, porque o órgão não tem poderes para decidir enviar os autos diretamente para a 1ª instância, atribuição do STJ.
O vice-procurador Luciano Maia chegou a divulgar um ofício em resposta aos integrantes da força-tarefa de São Paulo afirmando que não foi informado de investigações envolvendo o exgovernador e que “a apuração suspensa no dia 6 de abril último não tem como procuradores naturais os titulares dos autos relacionados na Portaria PGR/MPF 484, de 6 de junho de 2017, alterada pela Portaria 213, de 14 de março de 2018, a assim chamada Força-Tarefa ‘Operação Lava-Jato’”, assinalou Luciano Maia.
Em seus depoimentos, os ex-executivos se referem aos pagamentos para Alckmin como caixa dois e não detalham contrapartida específica do tucano ou de sua gestão à frente do governo de São Paulo. Benedicto Junior chegou a afirmar que, “considerando o perfil progressista de Geraldo Alckmin, candidato ao governo de São Paulo em 2010, incentivador das parcerias público privadas com objetivo de promover investimentos na área de infraestruturas, o que era de interesse da companhia, foi realizada contribuição para as campanhas por meio de caixa dois, em espécie”.
Ele também comparou Alckmin a Aécio Neves, igualmente delatado pelos executivos da empreiteira. “Nosso objetivo com doações ao candidato Geraldo Alckmin era manter a companhia bem posicionada em termos de relacionamento, comparativamente com as duas outras estrelas do PSDB — Aécio Neves e José Serra”, afirmou.
Além da investigação, tramitava no STJ uma sindicância envolvendo o ex-governador tucano, que acabou arquivada por Luciano Mariz Maia, que entendeu haver falta de indícios para a continuidade das apurações. Com isso, na prática, a investigação eleitoral deverá ser a única envolvendo Alckmin, caso não sejam descobertos outros indícios envolvendo o tucano pelo MPF.
Sobre os outros ex-governadores, o vice procurador-geral da República analisou caso a caso. Segundo ele, nas apurações em que haviam indícios de outros crimes que não eram restritos à esfera eleitoral, como corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos, as investigações deveriam ser encaminhados à Justiça Federal ou estadual. (Rafael Ciscati)
EX-GOVERNADORES SEM FORO E MAIS PERTO DAS INVESTIGAÇÕES
BETO RICHA
O ex-governador tucano do Paraná é alvo de ao menos três inquéritos. Ele é investigado, desde março de 2017, por irregularidades em licenças ambientais e, desde junho, por ter recebido da Odebrecht R$ 2,5 milhões, via caixa 2, para campanha de 2014.Em janeiro de 2016, também passou a ser investigado por suposto recebimento de propina em um esquema que envolveria auditores da Receita estadual, mas o inquérito foi suspenso pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em dezembro.
RAIMUNDO COLOMBO
O ex-governador de Santa Catarina, do PSD, foi denunciado em março, acusado de ser o destinatário de R$ 9,3 milhões da Odebrecht, via caixa dois. O dinheiro, revelado por delatores da construtora, teria sido usado em duas campanhas eleitorais. Raimundo Colombo chegou a ter seu sigilo telefônico quebrado durante o curso das investigações, que também apuravam o crime de corrupção passiva — descartado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quando apresentou a denúncia.
MARCONI PERILLO
O ex-governador de Goiás, filiado ao PSDB, é alvo de inquérito, desde junho de 2017, que apura se ele recebeu da Odebrecht R$ 8 milhões, não informados à Justiça eleitoral, para campanhas em 2010 e 2014. Perillo também já foi denunciado por receber R$ 90 mil da construtora Delta, após acordo com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o empresário Fernando Cavendish, para pagar dívidas de campanha eleitoral. Em troca, ele teria autorizado aditivos em contratos do governo com a empresa.
CONFÚCIO MOURA
O ex-governador de Rondônia, filiado ao PMDB, foi denunciado em junho do ano passado, por sonegação fiscal. Ele foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de usar informações falsas sobre contribuições sociais previdenciárias enquanto era prefeito de Ariquemes (RO). O objetivo, segundo a denúncia, era reduzir o valor a ser recolhido para a Previdência. O suposto crime teria sido cometido entre janeiro de 2009 e março de 2010.