O globo, n. 30929, 12/04/2018. País, p. 4

 

Em sigilo, Palocci e Polícia Federal negociam colaboração premiada

Jailton de Carvalho

12/04/2018

 

 

Desfecho deve sair até maio; STF adia decisão sobre habeas corpus

Preso pela Operação Lava-Jato desde setembro de 2016, o ex-ministro Antonio Palocci vem negociando em sigilo um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Depois de tentar, sem sucesso, reduzir sua pena a partir de tratativas com os procuradores da Lava-Jato, a mudança de balcão foi a forma encontrada pelo ex-ministro petista para tentar abreviar seu período na prisão. Uma fonte com acesso privilegiado às negociações disse ao GLOBO que as tratativas estão avançadas e terão um desfecho, no mais tardar, já em maio.

O ex-ministro foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar ontem o habeas corpus de Palocci. Quatro dos 11 ministros votaram no sentido de que o ex-ministro continue preso. Segundo o relator, Edson Fachin, Palocci deve continuar atrás das grades porque há risco de ele praticar novas infrações. O julgamento deve ser concluído hoje.

Palocci promete revelar na delação alguns dos principais clientes de sua empresa de consultoria. Ele confessaria ter usado sua influência para favorecer esses clientes no governo em troca de milionárias propinas. Palocci citaria pelo menos dois bancos, um deles com grande atuação varejista no país. O ex-ministro também faria revelações sobre integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ), um dos alvos centrais da Operação Zelotes, e ainda incluiria nomes de dois ministros de tribunais superiores. A Operação Lava-Jato desbaratou grupos no Executivo e no Legislativo, mas não obteve sucesso nas tentativas de entrar na seara do Judiciário.

Nas novas tratativas com a Polícia Federal, o ex-ministro melhorou a proposta de delação. Ele teria fornecido mais detalhes e indícios dos crimes dos quais participou ou teve conhecimento. Para um experiente investigador, Palocci é um dos poucos condenados da Lava-Jato que têm informações importantes para debelar estruturas criminosas ainda fora do alcance da polícia.

— As negociações estão avançando bem. Ele ainda é um dos poucos que têm bala na agulha — disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso de perto.

Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci participou das decisões mais importantes do partido nas últimas duas décadas. Desde maio de 2017, vinha tentando fechar um acordo de delação com a força-tarefa da Lava-Jato. Em troca de redução de pena, o exministro se oferece para contar detalhes de mais de uma dezena de crimes dos quais participou. Nas conversas preliminares, ele não conseguiu convencer os investigadores da relevância de suas confissões. Um dos líderes da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima chegou a dizer, em entrevista ao GLOBO em agosto de 2017, que as histórias contadas por Palocci não passariam de “fofoca de Brasília’’.

— Não preciso que ele tenha prova, mas bom indicativo de que a coisa vai para a frente. Se tivesse sido no começo (da Lava-Jato), quando você não tinha nada, pouco sempre parece bastante. Quando você está na situação atual, mesmo que não seja pouco, não é suficiente — disse Carlos Fernando.

DETALHES DE REUNIÕES

Em setembro de 2017, a revista “Veja” publicou parte das histórias que Palocci apresentou aos procuradores. O ex-presidente Lula seria o alvo principal de boa parte das confissões do ex-ministro. De acordo com a revista, Palocci detalhou como se dava a entrega de propina em dinheiro vivo ao ex-presidente. O próprio ex-ministro seria encarregado de fazer pequenas entregas de propina a Lula. Os pacotes de dinheiro girariam entre R$ 30 mil e R$ 50 mil reais.

Palocci reconstitui reuniões sigilosas dos governos de Lula e Dilma Rousseff em que teriam sido combinados atos ilícitos, supostas negociatas com integrantes do Judiciário para blindar o PT de investigações e conversas comprometedoras que ele teria mantido com o Lula, na sede do instituto que leva o nome do petista.

Procurado pelo GLOBO, o advogado Tracy Reinaldet, que conduz as negociações em nome de Palocci, não quis fazer comentários sobre as negociações com a Polícia Federal.

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Um uísque Blue Label, de Palocci para Duque

Daniel Gullino

12/04/2018

 

 

Em sua proposta de colaboração premiada, ex-diretor da Petrobras relata presente de ex-ministro 

-BRASÍLIA-  A Operação Lava-Jato já revelou uma série de episódios insólitos sobre o que acontecia nos bastidores dos escândalos de corrupção. Da propina roubada em um assalto no Centro do Rio ao marqueteiro que negociou em uma sauna o pagamento de caixa 2, os exemplos se multiplicam. Em sua proposta de delação premiada, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque ampliou esse acervo.

Em um anexo sobre relações que mantinha com figuras da cúpula do PT, Duque reconstitui a conversa sigilosa que teve com o exministro Antonio Palocci, numa noite de 2010, após a então candidata a presidente Dilma Rousseff ter sido eleita. Operador de propinas do PT na estatal, Duque entrou na cobertura de Palocci — um duplex que o ministro mantinha numa das áreas mais nobres de Brasília — de mãos abanando e saiu de lá com um generoso presente. Uma caixa exclusiva do famoso Johnnie Walker Blue Label, o mais caro uísque da marca escocesa.

Nas palavras do ex-diretor da estatal, a garrafa, acomodada em uma estojo de veludo, foi a forma que o petista encontrou para retribuir os feitos de Duque “no papel de arrecadador do PT nas eleições de 2010”. “Quero agradecer por você ter nos ajudado com a obtenção de doações para campanha presidencial” teria dito Antonio Palocci, segundo Duque.

Antes de entregar a garrafa, o petista, de acordo com o ex-diretor, perguntou se poderia continuar contando com a ajuda dele na Petrobras. Foi diante da resposta positiva que Palocci revelou seu lado afetuoso. Ele levantou-se e buscou a garrafa que, dependendo da edição, pode custar cerca de R$ 1 mil.

Duque apresentou uma foto para provar o recebimento do presente. Ele também se compromete a entregar a solicitação que seus advogados fizeram à Petrobras para ter acesso à agenda dele na estatal, que indicaria o encontro com Palocci em Brasília, e as passagens aéreas usadas. O ex-diretor ainda prometeu devolver a própria garrafa de uísque.

Segundo a Lava-Jato, só a diretoria comandada por Duque arrecadou cerca de R$ 640 milhões em propinas ao PT. Procurada, a defesa de Palocci não respondeu.