Título: O gargalo da indústria
Autor: D'angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2012, Economia, p. 14

O governo despachou nos últimos dias convites destinados a mais de 30 pesos-pesados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para comparecer a uma reunião hoje, às 10h, no Palácio do Planalto. Oficialmente, o encontro é para ativar um canal mais direto com os agentes principais da economia, a exemplo da reunião da semana passada com as centrais sindicais. O Planalto já adiantou que a presidente vai pedir mais investimentos do empresariado para acelerar o crescimento e atingir a desejada meta de 4%. A aproximação do Planalto com a nata do setor produtivo, no entanto, também mira as eleições para prefeitura de São Paulo, estado onde está 70% do PIB industrial.

O principal adversário do PT na capital paulista é o tucano José Serra, defensor da indústria, motor da economia que enfrenta atualmente uma forte crise justamente nessa fase de crescimento do país. A sobrevalorização do câmbio, que encarece as exportações e barateia os produtos importados, é um fatores que têm levado ao fechamento de fábricas de vários setores, entre eles, o químico e o têxtil, e a suspensão de investimentos pelos que ainda têm resistido.

Em fevereiro, a produção caiu 2,1%, puxada pela indústria da transformação que, no ano passado, cresceu apenas 0,1%. A presidente vai garantir ao empresariado que seu governo está comprometido com a recuperação do setor e disposto a tomar as medidas necessárias para garantir resultados positivos daqui para frente. Mas cobrará a garantia de empregos, um ponto vital para sustentar a popularidade de Dilma. É a indústria — com alguns ramos do segmento de serviços — a responsável pelas vagas de melhor qualidade no país.

Os convites para a reunião ficaram a cargo do Ministério da Fazenda e devem comparecer Robson Andrade, da Confederação Nacional da Indústria (CNI); Roberto Setúbal, do Itaú Unibanco; José Roberto Ermírio de Moraes, da Votorantim; Emílio e Marcelo Odebrecht; Cledorvino Belini, da Fiat; Alberto Borges de Souza, do Grupo Caramuru; Ivoncy Ioschpe, da Iochpe-Maxion; Murilo Ferreira, da Vale; Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco; Luiz Nascimento, da Camargo Corrêa; Paulo Tigre, da Tigre, entre outros.

O ministro Guido Mantega fará uma apresentação das ações do governo para manter o dólar em patamar que garanta a competitividade da indústria (acima de R$ 1,80). Dirá, também, que estão sendo tomadas medidas para fortalecer a produção nacional, como mais incentivos fiscais — a desoneração da folha de sete setores deve ser anunciada nos próximos dias, assim como a prorrogação do IPI reduzido sobre a linha branca.

Se a presidente pedirá mais investimentos privados, os empresários colocarão na mesa muitas reivindicações. Entre elas, mais obras de infraestrutura para reduzir o custo de transportes das mercadorias e menor carga tributária. No ano passado, para cumprir a meta de superavit primário de 3% do PIB, foram sacrificados justamente os desembolsos para a construção e a melhoria de portos, estradas e aeroportos. Um dos presentes à reunião de hoje contou ao Correio que está difícil competir com concorrentes estrangeiros quando as empresas precisam direcionar recursos até para a construção de silos e frigoríficos em portos, por falta de investimento governamental.

Dever de casa Para o economista Cláudio Porto, presidente da Consultoria Macroplan, o encontro de Dilma com os empresários faz parte do jogo. Mas é bom que fique claro: falta visão de longo prazo dos dois lados, que têm substituído as reformas mais amplas e necessárias por soluções emergenciais. "Um dos pontos absolutamente indispensáveis, se quisermos resolver o problema da competitividade da indústria, é trabalhar com visão de longo prazo. O drama é que tanto a agenda de boa parcela do empresariado quanto a do governo são focadas no imediato", critica. Segundo Porto, talvez seja necessário que a crise da indústria se aprofunde para que haja um ambiente para a retomada das reformas abandonadas pelo governo Lula no seu segundo mandato e ignoradas, por enquanto, pela gestão de Dilma.

O economista alerta que o governo deveria aproveitar a atual situação, ainda confortável, para fazer as reformas tributária e trabalhista, para diminuir o custo da mão de obra. Porto ressalta ainda que boa parte das empresas também não faz o dever de casa em termos de competitividade. Apesar de melhorias, persiste o problema da baixa taxa de inovação tecnológica.

Dólares a rodo Apesar das medidas adotadas pelo governo para conter o ingresso excessivo de dólares no país, a diferença entre o dinheiro que entrou e o que saiu em março deixou um saldo positivo de US$ 5,6 bilhões. A maior parte desse saldo, diferentemente de outros meses, foi impulsionada pelos exportadores, que trouxeram mais recursos de fora do país — em 12 dias úteis os empresários repatriaram US$ 5 bilhões.

Pires de R$ 2 bi aos pequenos O Conselho Monetário Nacional (CMN) ampliou em R$ 2 bilhões as linhas de financiamento para micro, pequenas e médias empresas beneficiadas pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criado em 2009 para minimizar os efeitos da crise econômica internacional sobre a indústria. Com a mudança, votada ontem, as contratações passarão a ter o limite de R$ 14 bilhões. O Ministério da Fazenda informou que, do total de R$ 12 bilhões aprovados anteriormente, restava um saldo de cerca de R$ 500 milhões. Empresas com receita bruta de até R$ 90 milhões por ano poderão contratar os financiamentos com taxa de juros de 6,5% ao ano. "A ampliação do limite para o financiamento pelo PSI foi possível pela redução dos recursos destinados ao financiamento para aquisição de ônibus e caminhões", informou o Ministério.