Correio braziliense, n. 20086, 20/05/2018. Mundo, p. 17
A nova cartada de Maduro
Rodrigo Craveiro
20/05/2018
VENEZUELA » Mais de 20 milhões de eleitores estão convocados para eleger, hoje, o presidente de um país mergulhado em crise financeira e humanitária. Oposição denuncia fraude e desconhece processo. Especialista vê jogada política para controlar os adversários
Para o presidente Nicolás Maduro, vai garantir a sobrevivência do regime bolivariano de Hugo Chávez e a implantação do socialismo do século 21. Para a coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD), tudo não passa de um embuste montado para assegurar a perpetuação do regime. Mais de 20,5 milhões dos 30,6 milhões de venezuelanos foram chamados a escolher, hoje, quem governará o país durante seis anos, em mandato que começará em janeiro de 2019. Ante a desconfiança da falta de transparência e do controle do Poder Eleitoral por parte de Maduro, a comunidade internacional fez reiterados apelos para que o Palácio de Miraflores suspendesse as eleições presidenciais. “Assim que o povo exercer seu direito de voto (…), todos os candidatos devem se comprometer a aceitar o resultado eleitoral, qualquer que seja”, afirmou Maduro.
Com um Produto Interno Bruto (PIB) de -15%, uma inflação projetada em 13.865% e uma taxa de pobreza de 87%, a Venezuela escolherá entre o atual presidente e os opositores Henri Falcón, um ex-militar da reserva saído das fileiras do chavismo, e o ex-pastor evangélico Javier Bertucci, que tem se colocado como “a esperança da mudança”. As mais recentes pesquisas apontam resultados destoantes. A consultoria Datanálisis prevê empate técnico entre Falcón (33,4%) e Maduro (31,1%). A Delphos mostra 43% para o presidente e 24% para o ex-chavista, enquanto a Hinterlaces indica vitória de Maduro por 52% a 22% para Falcón.
O cientista político colombiano Ronal F. Rodríguez, especialista do Observatório da Venezuela da Universidad del Rosario (em Bogotá), admite ao Correio que não classificaria a votação de uma eleição legítima. “Durante os últimos anos, o governo demonstrou que detém o controle do sistema eleitoral. Em 2017, após a escolha da Assembleia Nacional Constituinte, as empresas que monitoraram o processo não reconheceram 1 milhão de votos, e nada foi feito. Também não haverá um acompanhamento internacional claro, além da presença da Rússia”, comentou. “Além da fraude, o govermo de Maduro lança mão de instrumentos, como o uso do Carnê da Pátria, no momento da votação, o que faz com que o cidadão sinta que seu voto está sendo vigiado e controlado.” Sem o documento, é praticamente impossível o acesso a bens e produtos básicos, incluido medicamentos.
Legitimidade
De acordo com Rodríguez, ao antecipar as eleições presidenciais de dezembro para hoje, Maduro conseguiu legitimar tanto a si mesmo quanto a Falcón. “Isso lhe permite apelar às conversações e criar instrumentos impossíveis com outras forças opositoras. Falcón não goza de reconhecimento nem de imagem clara de poder dentro da oposição. Para algumas lideranças da MUD, o regime de Maduro cairá, depois das eleições. Eu acho que ele tem capacidade de se manter”, afirmou Rodríguez, ao alertar que uma eventual saída de Maduro não significará a recuperação da Venezuela. “Inexiste uma força capaz de levar à reconstrução do país, dominado pelo chavismo.”
Por sua vez, José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), disse à reportagem que a simples convocação das eleições de hoje é uma fraude. “Independentemente da quantidade de pessoas que forem às ruas, e apesar da abstenção calculada em 70%, o governo apresentará resultados fictícios, segundo os quais Maduro ganhará de modo folgado”, apostou, ao denunciar um “teatro montado para os incautos da comunidade internacional”.
Aumaitre vislumbra o continuísmo de Maduro no poder e o aprofundamento da ditadura. “Maduro e seus capangas não são uma classe política convencional. Mas, sim, uma máfia que ocupou-se do poder político e o colocou a serviço de suas atividades criminosas, como o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro”, atacou. Um dos expoentes da oposição, o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma afirmou ao Correio que Maduro pretende seguir pisoteando o Estado de direito. “Não existe separação de poderes na Venezuela. Maduro quer se entronizar, capturando as instituições e fustigando o povo com a força repressiva.” Ele acusa o mandatário de atuar de maneira contrária à Constituição e de dar as costas para a comunidade internacional. “O que haverá hoje será uma farsa. Eu ratificarei minha determinação de me somar à diáspora que percorre o mundo para pressionar por uma mudança urgente na Venezuela.”
Eu acho...
“A proclamação de Nicolás Maduro não será fruto de uma vitória eleitoral. Pelo contrário, será produto de uma descarada manipulação da vontade popular. Isso fecha toda possibilidade de alcançar a democracia por métodos convencionais, abrindo as portas às revoltas e à correspondente repressão por parte de um governo que busca manter-se no poder a qualquer preço.”
José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caracas)