Correio braziliense, n. 20085, 19/05/2018. Brasil, p. 6

 

Analfabetismo em queda

Letícia Cotta

19/05/2018

 

 

Índice chega a 7% da população. São 11,5 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever. Nordeste apresenta as piores taxas do país. Entre os idosos, praticamente uma em cada cinco pessoas encontra-se nessa condição

Dados da PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que o número de analfabetos cai no país, mas ainda existem 11,5 milhões de brasileiros nessa condição. A taxa ficou em 7% em 2017, e não bate a primeira meta estipulada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), de 2015, de redução para 6,5%, e erradicação do analfabetismo até 2024. O estudo ainda confirma a discrepância entre pessoas brancas e negras ou pardas, e idosos.

Regiões como Centro-Oeste (5,2%), Sudeste e Sul (ambas com 3,5%) já estavam abaixo da meta, mas o Nordeste tem uma taxa acima do dobro (14,5%) e o Norte conta com 8%. Quanto à raça, a taxa de analfabetismo entre pessoas brancas recuou de 4,2% para 4%, enquanto entre pessoas negras ou pardas, caiu de 9,9% para 9,3% em 2017.

A taxa de analfabetismo entre  idosos (60 anos ou mais) ficou em 19,3% — e esse número caiu em quase todas as regiões, exceto a Sul, com uma diminuição de 1,1 ponto percentual desde 2016 (20,4%). Apesar disso, o Nordeste (38,6%) tem uma taxa quase quatro vezes maior que a do Sudeste (10%).

A empregada doméstica Maria Batista, de 48 anos, conta que já foi tratada diferente por conta de sua condição. “Já cheguei a perder emprego por causa do analfabetismo, mas de tanto ser machucada nessas situações, aprendi. Depois de tanto tempo, deixamos de nos rebaixar pela situação”, afirma.

Maria tem muita vontade de aprender a ler e escrever. A filha, Sara, suspeita que a mãe tenha dislexia. “Ela consegue iniciar a leitura, mas depois entra em desespero, falando que está tudo embaralhado”, analisa. A mãe, no entanto, acha que talvez tenha sido mesmo um preconceito embutido. “Muitas vezes, deixei algumas oportunidades passarem por achar que não fosse capaz de aprender a ler e escrever por conta da minha idade”, revela.

“Vim de uma família muito humilde do interior da Paraíba, com 10 irmãos e meu pai com condições de comprar caderno para somente um dos filhos. Minha irmã mais velha foi essa pessoa e se formará em enfermagem”, afirma.


“O restante trabalha na roça, para ajudar no sustento de casa. Eu acabei indo trabalhar em casa de família aos 7 anos, onde meu pagamento era dado por roupas e pratos de comida. Não tive a oportunidade de ir para a escola. Por causa disso, precisei trabalhar cedo. Meus patrões, na época, se aproveitavam da situação e diziam que eu não tinha tempo para estudar, que podia apenas trabalhar”, explica.

Avaliação

A questão da discriminação com os analfabetos e a forma com que a educação é executada no Brasil são uma questão histórica, de acordo com a professora Ana Lise da Silva, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Pressupõem, desde a chegada dos portugueses, que as pessoas não sabem, e não necessariamente pegam o que elas sabem ao ponto de chegar num nível de ampliação de conhecimento”, analisa.

Além disso, as pessoas não deixam de se alfabetizar apenas por questões históricas, mas pessoais. “Não estudaram porque precisavam abandonar os estudos, ou porque não havia escolas para estudarem. Aí você pergunta o porquê e descobre que foi por conta de maridos ou patrões que não deixaram estudar, gravidez na adolescência, porque precisavam cuidar de parentes adoecidos, por serem pessoas com deficiência”, analisa.

A solução? Melhorar a qualidade, responde Ana Lise. “Temos que ter uma educação com qualidade, não uma que pensa somente em números. Uma educação que fosse não só pública, mas laica, com qualidade social, que fosse comprometida com direitos humanos”, propõe a professora.