O globo, n. 30926, 09/04/2018. País, p. 5
TCU quer manter bloqueio de bens da Odebrecht
Mateus Coutinho
09/04/2018
Relatório aponta prejuízos de R$ 16 bilhões, mas acordo de leniência só prevê devolução de R$ 3,14 bilhões
-BRASÍLIA- Um relatório de auditoria sigiloso do Tribunal de Contas da União (TCU), ao qual O GLOBO teve acesso, aponta que o superfaturamento em obras das quais a Odebrecht participou na Petrobras e no setor elétrico é cerca de cinco vezes o valor de restituição aos cofres públicos acertado pela empresa com o Ministério Público Federal (MPF) em seu acordo de leniência, homologado no ano passado. Os prejuízos somados pelos fiscais do TCU chegam a R$ 16 bilhões, enquanto, no acordo de leniência celebrado com o MPF, a Odebrecht se comprometeu a devolver R$ 3,14 bilhões aos cofres públicos.
Os fiscais compilaram pela primeira vez dados de 17 processos que tramitam no TCU e envolvem a Odebrecht ou obras nas quais a companhia atuou em consórcio com outras empresas.
O relatório pede a manutenção da indisponibilidade de bens da empreiteira e de quatro de seus ex-executivos delatores.
“Com a devida vênia aos esforços empreendidos pelo MPF em busca da recomposição dos recursos públicos usurpados e mesmo supondo que o valor total do acordo de leniência fosse totalmente destinado à reparação de danos, a decretação da indisponibilidade continua fundamental e necessária para garantir o ressarcimento, mesmo havendo máxima colaboração da empresa”, escreveram os auditores no relatório.
O TCU decretou a indisponibilidade dos bens pelo prazo de um ano, em maio de 2017, em um processo sobre a refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. Com o vencimento do prazo no próximo mês, a medida pode ser renovada pelo relator do caso, o ministro André Luís de Carvalho. O processo ainda não tem previsão de ir a julgamento no plenário do Tribunal.
Mais do que tratar do caso específico da refinaria, porém, o relatório é um esforço inédito para unir a análise dos casos que envolvem a Odebrecht, em meio às tratativas da empresa para estender o acordo de leniência à Advocacia-Geral da União (AGU), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao TCU, que não aceitaram os termos dos acordos firmados com o MPF. A análise leva em conta não apenas os contratos que a empresa, consorciada ou não, firmou com a Petrobras, mas também os do setor elétrico, como o da construção da Usina de Belo Monte.
No relatório, os auditores pedem que a indisponibilidade seja proporcional à participação da Odebrecht nas obras em que agiu em consórcio.
A empresa informou que “assinou acordo de leniência com o Ministério Público Federal no Brasil e com outros seis países e segue em cooperação permanente com todas as autoridades competentes. A Odebrecht acredita que acordos de leniência são instrumentos úteis e importantes não só para as empresas, mas também para a sociedade, pois permitem elucidar desvios, responsabilizar culpados e ressarcir danos ao erário público”.
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Para fiscais, reparação deve ter valor maior
09/04/2018
Empreiteira questiona parâmetros de auditorias do Tribunal de Contas
O relatório do TCU faz parte de um esforço do órgão na busca de acordo com a Odebrecht, desde que a empresa pague mais do que foi acertado no acordo de leniência com o MPF. Como não existe regulamentação sobre colaborações conduzidas pelo TCU, um dos desafios do tribunal é estabelecer como isso poderia ser feito para, a partir daí, se tentar chegar a um entendimento com a Odebrecht. A empreiteira se nega a pagar mais do que já foi definido e questiona parâmetros de algumas auditorias do TCU.
O acordo de leniência da Odebrecht foi firmado com o MPF e homologado em maio de 2017 pelo juiz federal Sérgio Moro. Também foram assinados acordos da Odebrecht e da Braskem com Estados Unidos e Suíça para que sejam devolvidos R$ 3,8 bilhões aos dois países. Ao Brasil, a empresa terá que pagar R$ 3,14 bilhões em 23 parcelas anuais.
A empresa entende que o acordo deve valer para todas as investigações feitas por órgãos do Estado. O TCU, porém, discorda da interpretação e tem resistido a conceder benefícios à Odebrecht. Além disso, argumenta que por ser o órgão responsável pela fiscalização das contas do governo federal, a empreiteira deveria fazer um acordo específico com o Tribunal, que levasse em conta auditorias em andamento lá.
Outro ponto levantado pelo TCU é o de que já houve comprovação de cartel de empreiteiras nas contratações da Petrobras. “Dentro de um ambiente cartelizado, sabe-se que o dano causado é sempre maior do que o ganho auferido, uma vez que geram ineficiência econômica, elevando preços e reduzindo a oferta, o que diminui o poder de compra dos consumidores e propicia a obtenção de sobrelucros pelos participantes do conluio”, diz o relatório.