Título: Aborto de anencéfalo a um voto da aprovação
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 12/04/2012, Brasil, p. 12

O Supremo Tribunal Federal (STF) está a um voto de selar a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos. A decisão deverá ser referendada hoje, a partir das 14h, quando será retomado o julgamento sobre a possibilidade de antecipação terapêutica do parto de fetos com malformação cerebral. O placar parcial é de cinco a um. Quatro ministros ainda têm direito a voto, sendo que dois deles — Ayres Britto e Celso de Mello — já manifestaram em julgamentos anteriores posições favoráveis à interrupção da gravidez no caso de anencefalia.

Os ministros iniciaram ontem o julgamento de uma ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede o reconhecimento do direito da antecipação do parto de anencéfalos sem a necessidade de decisões judiciais. Representando a entidade, o advogado Luís Roberto Barroso alertou que a letalidade dos fetos com anencefalia é de 100%. Ele destacou que a interrupção da gravidez, nesses casos, não configura aborto.

Relator do processo, o ministro Marco Aurélio Mello fez um longo voto, de duas horas e quarenta minutos, no qual sustentou que não há cura ou chance de sobrevivência para um feto com anencefalia. "O anencéfalo é um natimorto cerebral. Jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas da morte segura. Resistem muito pouco tempo fora do útero", disse o magistrado.

Marco Aurélio acrescentou que a não interrupção da gravidez de fetos anencéfalos configura um "alto risco" para a saúde da mulher. Antes de se manifestar sobre o tema central do julgamento, o relator observou que o Estado é laico e que, por isso, não pode promover a vontade de qualquer religião. "O Estado não é religioso, tampouco ateu. O Estado é simplesmente neutro", frisou.

Em plenário, os ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia seguiram o voto do relator. Rosa defendeu o direito de proteção à vida da mulher. Para ela, a interrupção da gravidez de fetos com malformação cerebral não configura violação ao Código Penal, que estabelece a proibição do aborto.

Em um voto resumido, mas enfático, Cármen alertou que o Supremo não está a debater o aborto. "O que estamos deliberando é sobre a possibilidade jurídica de uma pessoa grávida de um feto anencéfalo decidir por continuar ou não a gravidez", observou. De acordo com Cármen, a interrupção da gravidez não pode ser criminalizada em respeito à dignidade da vida. Ela avalia que cabe a mulher optar por manter a gestação.

Luiz Fux avalia que não é justo criminalizar uma mulher que antecipa o parto de um feto com anencefalia. Ele citou que 98% dos anencéfalos morrem nas primeiras horas após o parto. A média de sobrevivência, segundo o ministro, é de 51 minutos. Fux avançou em seu voto sobre o tema aborto em geral. Para ele, essa é uma questão de saúde pública, não de direito penal.

Marco Aurélio, por sua vez, alertou que 200 mil curetagens são feitas anualmente no Brasil como consequência de abortos mal feitos. O advogado Luís Roberto Barroso também opinou sobre a interrupção de gravidez em casos comuns. "Dia sim dia não morre uma mulher como consequência de aborto clandestino. A criminalização não diminui o número de abortos, diminui apenas o número de abortos seguros."

Único a votar contra o aborto de anencéfalos, Ricardo Lewandowski ponderou que o tema só poderia ser regulado por lei aprovada pelo Congresso. Segundo o ministro, o legislador isentou de pena apenas duas hipóteses de aborto: quando há perigo comprovado de vida para a mulher e em casos de estupro. "Quando a lei é clara, não há espaço para interpretação. Juiz não pode contrariar a vontade manifesta do legislador", afirmou. Fux discorda. Ele considera que o Judiciário age por omissão do Legislativo. "A supremacia judicial só se instaura quando o Legislativo abre esse espaço", disse.

Decisão no hospital Em entrevista durante o intervalo da sessão, o ministro Marco Aurélio avisou que, caso a decisão seja confirmada hoje, a mulher não precisará mais entrar na Justiça para pedir o direito de antecipar o parto. "Com a decisão do Supremo, o próprio serviço médico público estará autorizado a fazer a interrupção (da gravidez) com o diagnóstico, sem qualquer medida judicial", afirmou o relator do caso. Ele observou, porém, que qualquer mulher diagnosticada com feto anencéfalo poderá manter a gravidez até o fim, caso deseje.

O placar Favoráveis Marco Aurélio Mello "O anencéfalo é um natimorto cerebral. Jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas da morte segura. Resistem muito pouco tempo fora do útero"

Rosa Weber "Proteger a mulher é respeitar o seu direito de escolha. Não está em jogo o direito do feto, mas o direito da gestante de escolher a sua própria forma de vida"

Joaquim Barbosa "Gostaria de pedir ajuntada desse meu voto para aderir ao brilhantíssimo voto do eminente relator"

Luiz Fux "Impedir a interrupção da gravidez sob a ameaça penal equivale à tortura (...) O STF evidentemente respeita e vai consagrar aquelas mulheres que desejarem realizar o parto ainda se o feto for anencefálico"

Cármen Lúcia "Quando o berço se transforma em um pequeno esquife a vida se entorta"

Contrário Ricardo Lewandowski "O legislador não afastou a punibilidade da interrupção da gravidez. Caso o desejasse, o Congresso Nacional poderia ter alterado a legislação criminal vigente para incluir o aborto de fetos anencéfalos dentre as hipóteses de gravidez isenta de punição"

A definir Os ministros Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. O ministro José Antonio Dias Toffoli declarou-se impedido de participar do julgamento por ter atuado no processo quando exercia o cargo de advogado-geral da União.