O globo, n. 30925, 08/04/2018. País, p. 3

 

A prisão do ex-presidente

Sérgio Roxo, Luís Lima, Cleide Carvalho e Alessandro Giannini

08/04/2018

 

 

Petista se torna o primeiro ex—presidente & ser condenado e preso por corrupção no país

 

Vinte e seis horas depois do horário definido pelo juiz Sergio Moro e sua sentença, tempo em que se manteve entrincheirado no Sindicato dos Metalúrgicos, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a pé o prédio, em São Bernardo do Campo, cercado por apoiadores e se entregou à Polícia Federal. O ex-líder sindical que despontou na ditadura, governou o país duas vezes, atravessou o escândalo do mensalão e foi condenado, este ano, na Lava-Jato, tornou-se o primeiro ex-presidente a ser preso por corrupção.

A prisão ocorreu quando o petista entrou num veículo que o levaria para o aeroporto de Congonhas, de onde partiria para Curitiba. Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). No fim da noite de ontem, às 22h30m, Lula chegou à superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde ficará preso sozinho num espaço de 15 metros quadrados, separado de outros 20 presos. Apoiadores do petista protestaram em frente à sede da PF, enquanto manifestantes favoráveis à prisão soltaram fogos.

TENSÃO ATÉ A ENTREGA

O juiz Sergio Moro determinou que ele se entregasse até as 17h da última sexta-feira, prazo descumprido pelo petista, que ocupou a sede do sindicato, seu berço político, desde quinta-feira. Lula anunciou em um discurso ora emocionado, ora indignado, na tarde de ontem, que se entregaria. Era 16h57m, quando Lula saiu por uma escada alternativa na garagem do sindicato. Cercado por seguranças e vestindo um terno cinza, ele acenou para os seus apoiadores e entrou num Corolla prata da direção do PT. Os manifestantes cercaram o veículo. Diante do impasse, o líder petista acabou descendo do carro e voltando para o prédio do sindicato pela mesma escada. Antes de entrar na escada, acenou e sorriu. Os outros dois portões da garagem também haviam sido trancados pelos apoiadores.

A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, subiu no carro de som e informou à militância que uma resistência teria consequência jurídica para o petista, mas que deixou a eles a responsabilidade de seguir ou não com o ato. Líderes do PT chegaram a colocar em votação qual deveria ser a atitude do grupo em relação à saída de Lula. Logo depois, no entanto, o ex-presidente deixou o local caminhando entre os militantes para, então, subir no carro da polícia.

Gleisi desceu em seguida e fez um apelo dramático aos petistas para que deixassem Lula se apresentar. O temor era que o juiz Sergio Moro decretasse uma prisão preventiva. O decreto de preventiva faria com que o líder petista permanecesse preso mesmo que, nas próximas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja a decisão de início do cumprimento da pena após julgamento em segunda instância — como apostam os aliados de Lula. A análise, no plenário, será feita a partir de um pedido de liminar, nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello que tenta proteger os condenados em segunda instância, até o julgamento do mérito da ação que pode mudar o entendimento da Corte sobre o tema.

Gleisi disse que a “consequência jurídica” de Lula não se entregar “poderia ser grave”.

— Moro mandou avisar que se não tivesse processo, ia decretar a preventiva. Isso significa não ter habeas corpus. Ficaríamos juridicamente impedidos de tentar. A polícia pode vir aqui dar paulada na gente — disse a presidente do PT.

 

PANELAÇOS EM RIO E SP

Minutos depois, Lula deixou o local caminhando e entrou no carro da polícia. Quando a prisão foi anunciada na TV, fogos de artifício e panelaços foram registrados em capitais como Rio e São Paulo.

Ao longo do dia, petistas disseram que tentarão manter nas ruas a pressão para que o Supremo reverta a decisão de Moro. O partido deverá fazer uma reunião em Curitiba amanhã para decidir o que fará. O partido mantinha até ontem em Lula a principal aposta para a candidatura à Presidência. A condenação, no entanto, o torna ficha-suja.

O PT fez das horas anteriores à prisão de Lula um ato político de desagravo ao ex-presidente. Políticos, militantes, sindicalistas, artistas e religiosos discursaram ao longo da tarde em defesa de Lula. O ato terminou com um discurso do petista de 55 minutos, em que ele atacou a Justiça, o Ministério Público e a imprensa, e disse que ninguém o tirará da política.

Diante de apoiadores, muitos deles às lágrimas, o líder petista anunciou que se entregaria.

— Eles decretaram a minha prisão e deixa eu contar uma coisa pra vocês: eu vou atender o mandado deles — disse.

Ao deixar o carro de som, Lula foi carregado nos braços do público de volta ao sindicato e conseguiu assim produzir uma das imagens que desejava para marcar a sua prisão. De volta ao prédio, chegou aos gritos de “resiste, resiste” e teve um pequeno mal-estar, atribuído por aliados ao calor. Na mesma sala da presidência do sindicato, onde dormiu as últimas duas noites, almoçou com os filhos, netos e irmãos.

O clima foi tenso durante todo o dia não só em São Bernardo, mas também em Curitiba. Houve confronto entre manifestantes a favor e contrários ao ex-presidente. Na sede do sindicato, um grupo chegou a lançar uma grade contra um repórter de uma rádio. Outros militantes passaram a tarde em frente ao aeroporto de Congonhas, de onde o petista partiria para Curitiba. Uma equipe da TV foi expulsa da região por militantes.

Na sexta-feira, enquanto o ex-presidente estava no sindicato, Moro deu uma entrevista à CGTN America, canal de língua inglesa da China Global Television Network, em que afirmou ter cumprido o seu papel de executar a sentença. As declarações foram publicadas pela BBC Brasil.

“Ele (Lula) foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção. É preciso executar a sentença. Simples assim. Não vejo qualquer razão específica para adiar mais”, disse o juiz.