Valor econômico, v. 17, n. 4471, 28/03/2017. Brasil, p. A4.
Interventor reforça operações e governo destina R$ 1,2 bi ao Rio
Cristian Klein
28/03/2018
Depois de um surto de violência nos últimos dias, o Gabinete de Intervenção Federal (GIF) mobilizou ontem pelo menos 3.700 militares para cinco operações na área de segurança pública, na maior ofensiva contra a criminalidade no Rio. Também ontem, o presidente Michel Temer assinou medida provisória que destina R$ 1,2 bilhão para financiar a intervenção federal, que completa 40 dias. Apesar do esforço, os recursos são insuficientes e as ações indicam uma atuação errática das forças de segurança, aponta ao Valor o especialista José Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina.
Em sua opinião, as Forças Armadas têm escolhido combater o crime de forma pontual, de modo a evitar danos maiores que comprometam a imagem da intervenção, especialmente o confronto que leve à morte de inocentes por militares. "A intervenção não é pró-ativa nem corretamente reativa. Há toda a cautela do mundo. Até porque é bandeira de campanha política. A melhor forma de não queimá-la é evitar que a bala perdida de um soldado mate alguém, e a intervenção perca apoio da população", afirma.
Bandeira critica decisões do gabinete de intervenção que mobilizou ontem cerca de 3.400 homens apenas para o Complexo do Lins, enquanto "ignora o que está acontecendo na Praça Seca". Na segunda-feira, o bairro foi alvo do confronto, à luz do dia, entre milicianos que dominam o Morro da Chacrinha e uma aliança entre traficantes e milicianos que tomaram dos primeiros o poder sobre a comunidade do Bateau Mouche, localizada em frente. Bandeira destaca que esse fenômeno recente da união entre tráfico e milícia é "gravíssimo", marca uma das peculiaridades da criminalidade no Rio e precisa ser rapidamente combatido. As milícias são formadas, majoritariamente, por policiais e ex-policiais. "Estamos falando de traficantes que agora podem ter treinamento especializado no uso de armas e acesso a informações privilegiadas, por exemplo, a que horas uma operação policial vai ocorrer", diz.
Outra decisão questionável, ressalta Bandeira, é o envio de tropas das Forças Armadas para as ruas das zonas sul, norte e central, o que não havia sido feito desde o início da intervenção. São áreas mais nobres da cidade, diz. A medida dará uma sensação de segurança, sem contudo mexer nos vespeiros das regiões mais conflagradas, diz.
Para o especialista, a tendência é que a atuação do GIF continue assim. "Vão ficar cozinhando em banho-maria até acabar a intervenção no fim do ano", diz.
Mesmo que não melhore os índices de criminalidade - como ainda não melhorou no primeiro mês - a intervenção poderá dar algum dividendo político ao presidente Michel Temer, argumenta. O especialista critica a falta de planejamento e o improviso que, em sua avaliação, têm marcado a intervenção. Cita a "verdadeira obsessão" das Forças Armadas em retirar as barricadas postas por traficantes na Vila Kennedy - que as recolocaram no lugar novamente - como um exemplo de esforço que não resolve o problema. As medidas ineficazes, afirma, são frutos de um processo de tentativa e erro.
Enquanto isso, afirma, o gabinete de intervenção ignorou dados do serviço de inteligência que há mais de 30 dias teriam alertado para a situação crítica da guerra entre traficantes na Rocinha. Desde sábado, quando a Polícia Militar realizou uma operação, nove pessoas foram mortas na favela. Moradores relatam que vítimas não tinham ligação com o tráfico e uma delas recebeu um tiro pelas costas.
Para Bandeira, o Rio tem características muito diferentes do restante do país, "até pela topografia da cidade, que facilita o domínio territorial" pelos criminosos. Há uma combinação de fatores, enumera: a presença das milícias; a "corrupção policial em níveis não aceitáveis"; o crime organizado que envolve políticos e empresas; e o excesso de facções. Em outros Estados, lembra, há o Primeiro Comando da Capital (PCC), de origem paulista, em confronto com outras facções locais, como a Família do Norte. "No Rio, há três, quatro facções fortes e também as milícias, brigando, loteando territórios. Para piorar - além de Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigo dos Amigos (ADA) - temos agora o PCC, instalado na Rocinha. Vamos mergulhar numa guerra sem precedentes", diz. "Uma população de 2 milhões de pessoas vive sob o jugo de criminosos".
Para José Ricardo Bandeira, a decisão de enviar homens das Forças Armadas para patrulhar as ruas apenas dará visibilidade e uma vitrine para a intervenção federal, que "ainda não cumpriu seu papel". A medida foi tomada depois de outros dois episódios que ocorreram nos últimos dias: a execução de cinco jovens num condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida, em Maricá, na região metropolitana fluminense, e o assalto a um dos principais shoppings da zona sul.
O especialista afirma que o R$ 1,2 bilhão liberado pelo governo federal é insuficiente para o tamanho da necessidade de investimento numa polícia desaparelhada e sem efetivo. Além de dinheiro, Bandeira afirma que a situação requer duas medidas: que os militares assumam funções da rotina administrativa, liberando policiais militares e civis para a linha de frente do combate ao crime, e que a intervenção requisite a volta dos cerca de 4 mil policiais que estão cedidos a outros órgãos do Estado.
Bandeira também critica a escassez de informações até agora produzidas na investigação sobre os assassinos da vereadora Marielle Franco, apesar de terem sido destacados para o caso nove equipes e seis promotores, totalizando mais de 40 pessoas dedicadas integralmente ao caso, fora o pessoal administrativo e de inteligência. "É um caso assustador. Mas não conseguiram chegar a um resultado. A pressão da opinião pública diminui, as provas vão sumindo, já está em estado de esfriamento", lamenta.
O Valor identificou que do total dos recursos destinados ao Rio por Temer, cerca de R$ 800 milhões provêm do orçamento da Câmara dos Deputados. A medida provisória não deixa claro a origem do dinheiro, mas consultores da Comissão Mista de Orçamento do Congresso informaram que, do total, R$ 200 milhões provêm de corte feito pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pré-candidato à Presidência da República, no orçamento da Câmara. O dinheiro foi remanejado por Maia para a intervenção federal no Rio. Outros R$ 600 milhões também são originários da Câmara, mas de superávit financeiro de 2017.