Correio braziliense, n. 20080, 13/05/2018. Mundo, p. 12

 

Trump "rouba" a festa

Silvio Queiroz

13/05/2018

 

 

ISRAEL, 70 ANOS » No jubileu do principal aliado no Oriente Médio, o presidente americano oferece como presentes a transferência oficial da embaixada para Jerusalém e a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irã, que desponta como principal inimigo do Estado judeu

Donald Trump não estará presente em pessoa, mas garantiu a posição de honra nas comemorações de amanhã pelo 70º aniversário de Israel. O presidente americano será representado por uma delegação escolhida a dedo: a filha, Ivanka, com o marido, Jared Kushner, assessor especial da Casa Branca; o vice-secretário de Estado, John Sullivan; e o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin. Ao lado do presidente israelense, Reuven Rivlin, e do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, os enviados de Trump assistirão à inauguração solene da Embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém. A transferência da representação diplomática vale pelas sete décadas de espera: sela o reconhecimento da cidade como capital de Israel, status não referendado pela ONU.

Trump, porém, tinha outro presente de grande valor reservado para o aliado preferencial dos EUA no Oriente Médio — e um dos mais próximos, mundialmente. Antecipando-se a um prazo que expiraria ontem, o presidente americano anunciou durante a semana que retirava o país do acordo nuclear firmado em 2015 com o Irã, ao lado de mais cinco potências (Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha). Dias antes, o premiê israelense tinha se pronunciado na tevê pelo rompimento do acordo.

A retribuição israelense a Washington não se fez esperar. Na última terça-feira, o prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, formalizou a decisão de homenagear Donald Trump dando seu nome, como praça, a uma rotatória próxima ao edifício, que foi aberto ao público em 2010 apenas para serviços consulares. “Batizar essa praça é a maneira de demonstrar nosso amor e nosso respeito pelo presidente e pelo povo americano”, disse Barkat. A segurança será reforçada para a inauguração da embaixada, que fica a 2km do setor oriental (árabe) de Jerusalém — que os palestinos reivindicam como futura capital de um Estado.

Entre os 86 embaixadores acreditados em Israel, pouco mais de 30 aceitaram o convite do governo para a recepção em Jerusalém. Mas a presença de menos da metade dos representantes estrangeiros não é a única sombra que se projeta sobre mais um jubileu. Como fazem anualmente, os palestinos marcarão o aniversário do Estado judeu com manifestações pelo Dia da Catástrofe (An Nakba, em árabe). Neste ano, porém, marchas e confrontos se repetem há várias semanas, em especial na divisa entre Israel e o território palestino da Faixa de Gaza, com saldo de mais de uma dezena de mortos. Diante de informações sobre uma tentativa de invasão em massa amanhã, as autoridades israelenses fecharam ontem o único posto de passagem com Gaza e dobraram o efetivo de segurança também no território da Cisjordânia.

Frente iraniana

Israel chega aos 70 anos com uma hegemonia militar consolidada e reconhecida no Oriente Médio, inclusive por ser a única potência nuclear da região. Mas, se os territórios palestinos representam uma ameaça e um problema de ordem imediata para a festa de amanhã, os últimos dias assistiram à configuração de uma nova frente na fronteira norte. A Força Aérea israelense bombardeou na quinta-feira instalações militares iranianas na Síria. Horas antes, combatentes enviados ao país por Teerã tinham lançado mísseis sobre alvos israelenses nas Colinas de Golã, território sírio ocupado desde 1967. Foi o primeiro ataque direto e deliberado do Irã contra forças de Israel.

A realidade da presença militar iraniana na Síria se soma à ascensão política, no Líbano, do Hezbollah, inspirado e apoiado por Teerã, adversário do Estado judeu em uma breve guerra, em 2006. O cenário parece confirmar o alerta estampado pelo jornal israelense Haaretz, depois da retirada dos EUA do acordo nuclear., “Trump coloca Israel em perigo imediato”, titulou o diário. Ontem, Irã e Israel procuravam enviar sinais de que uma escalada militar está fora dos planos, ao menos por ora.

 

Frase

"Batizar essa praça (como Donald Trump) é a maneira de demonstrar nosso amor e nosso respeito pelo presidente e pelo povo americano"

Nir Barkat, prefeito de Jerusalém

 

Oito datas magnas

1948

Um ano depois de a ONU aprovar o plano de partilha da Palestina em duas entidades soberanas, o Estado de Israel é fundado, ao fim de uma guerra contra exércitos árabes. O patriarca Ben Gurion aceita, a título provisório, a solução de ter um Estado judaico e democrático, ainda que apenas em parte do território bíblico reivindicado para Israel.

 

1958

Israel comemora 10 anos na condição de aliado incondicional dos EUA e do Ocidente, em plena Guerra Fria. Dois anos antes, tropas israelenses tinham ocupado a Península do Sinai (Egito), em resposta à nacionalização do Canal de Suez pelo líder egípcio pan-arabista Gamal Abdel Nasser, transformado em ponta-de-lança da União Soviética no Oriente Médio.

 

1968

O 20º aniversário é comemorado com o país em posição de força, após a vitória da guerra de 1967. Além de conquistar a Cisjordânia, parte do Israel bíblico, e a Faixa de Gaza, o Estado judaico assume o controle do setor oriental de Jerusalém, incluindo o Muro das Lamentações, centro espiritual do judaísmo, e os demais santuários da Cidade Velha. Em 1980, a anexação é inscrita na Constituição israelense, que proclama Jerusalém como “capital eterna e indivisível”.

 

1978

Israel chega aos 30 anos na situação inédita de ter firmado a paz com o primeiro vizinho árabe, o Egito, no âmbito dos Acordos de Camp David (EUA), sob mediação do presidente americano Jimmy Carter. Em troca da devolução do Sinai, capturado em 1967, o presidente Anuar el-Sadat tinha visitado Tel-Aviv, em 1977, e falado ao parlamento israelense.

 

1988

Para o Estado judeu, a “crise dos 40” tomou a forma da primeira intifada (rebelião) dos palestinos da Cisjordânia e de Gaza contra a ocupação israelense. Iniciado em dezembro do ano anterior, o levante se estendeu até 1993 e foi protagonizado por jovens que enfrentavam as tropas com pedras e abriu fissuras profundas na sociedade israelense entre o establishment político e os partidários da paz com os palestinos.

 

1998

Israel completa meio século às voltas com os desdobramentos dos Acordos de Oslo, firmados cinco anos antes com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat. O arranjo permitiu a formação de um governo autônomo palestino em Gaza e na Cisjordânia, mas não avançou até o objetivo final de estabelecer a “solução de dois Estados”. Em 1995, um extremista judeu assassina o premiê Yitzhak Rabin, um dos signatários do acordo, ao lado de Arafat e do então chanceler israelense, Shimon Peres.

 

2008

Aos 60 anos, o Estado judeu vive uma situação complexa decorrente do impasse no processo de paz com os palestinos, praticamente congelado desde a segunda intifada (2000-2005). A Autoridade Palestina, debilitada com a morte de Yasser Arafat, em 2004, se divide entre o partido nacionalista Fatah, que controla a Cisjordânia, e o movimento islâmico Hamas, que governa na prática a Faixa de Gaza e entra em conflito direto com Israel, no fim de 2008.

 

2018

Neste ano, a comemoração será marcada pela decisão de Donald Trump de transferir para Jerusalém a Embaixada dos EUA, um gesto que equivale, na prática, ao reconhecimento da soberania de Israel sobre a cidade — questionada pela maior parte da comunidade internacional. Paralelamente, o país trava na guerra civil da Síria os primeiros combates diretos com o Irã, que vê atualmente como o principal inimigo.

 

Sete líderes históricos

David Ben Gurion

Líder do movimento sionista, tornou-se o patriarca de Israel ao aceitar, em 1947, o plano de partilha aprovado nas Nações Unidas, prevendo um Estado judeu e um árabe no território da Palestina, até então sob mandato britânico. Israel foi fundado em 14 de maio de 1948, após a vitória na guerra contra uma coalizão árabe.

 

Moshe Dayan

Como ministro da Defesa, o mais ilustre dos generais-políticos trabalhistas comandou o país na vitória sobre os principais adversários árabes na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. Israel saiu do conflito com o controle da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e conquistou a metade oriental (palestina) de Jerusalém — inclusive a Cidade Velha, que abriga o Muro das Lamentações, centro espiritual do judaísmo.

 

Menachem Begin

Primeiro político do partido direitista Likud a chefiar o governo, firmou em 1978 com o presidente egípcio, Anuar Sadat, os Acordos de Camp David, mediados pelo presidente americano, Jimmy Carter. Em troca de se tornar o primeiro país árabe a fazer a paz e estabelecer relações com Israel, o Egito recebeu de volta o Sinai, ocupado por Israel na guerra de 1967. Os acordos previam também a abertura de negociações sobre os territórios palestinos da Cisjordânia e Gaza.

 

Yitzhak Rabin

Outro dos generais trabalhistas de 1967, tornou-se primeiro-ministro em 1992 com a plataforma de negociar a paz com Yasser Arafat,  líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). O processo, mediado pelo presidente americano, Bill Clinton, resultou nos Acordos de Oslo (1993 e 1995), que criaram o governo autônomo palestino nos territórios ocupados em 1967. Rabin foi assassinado em 1995, em Tel Aviv, por um fanático judeu ultranacionalista.

 

Shimon Peres

Chanceler no governo de Rabin, dividiu com ele e com Arafat o Prêmio Nobel da Paz de 1994. Com o assassinato do premiê, assumiu o posto, mas foi derrotado pelo direitista Benjamin Netanyahu, adversário dos Acordos de Oslo, na eleição antecipada de 1996. Em 2005, afastou-se do trabalhismo e fundou o partido centrista Kadima, tendo como parceiro o general Ariel Sharon, egresso do Likud. Tornou-se presidente de Israel entre 2007 e 2014.

 

Ariel Sharon

Em 1982, como titular da Defesa no governo de Begin, comandou a invasão do Líbano, então em guerra civil, com o propósito de afastar da fronteira israelense os combatentes de Arafat. Ocupou a capital libanesa, Beirute, e forçou a retirada da OLP para a Tunísia, mas foi responsabilizado pelo massacre de centenas de civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila. Eleito premiê em 2001, concluiu no seu governo a retirada das tropas de Gaza.

 

Benjamin Netanyahu

Adversário de primeira hora dos Acordos de Oslo, assumiu durante o processo de paz o comando do Likud e se elegeu premiê em 1996, derrotando Shimon Peres. Em seu primeiro governo, até 1999, o diálogo com Arafat e a Autoridade Palestina foi congelado. Retornou ao poder em 2009 e entrou em rota de colisão com os EUA, sob o governo de Barack Obama, que acenou com o reconhecimento de um Estado palestino nas fronteiras anteriores à guerra de 1967. Permanece no governo até hoje, sem diálogo com a AP e em uma escalada de tensão com o Irã.