Correio braziliense, n. 20075, 08/05/2018. Economia, p. 9

 

Juízes contestam pontos da reforma

Vera Batista

08/05/2018

 

 

Dos 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) modificados pela reforma, grande parte não será acatada pelo Judiciário. No 19º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), ficou decidido pela maioria dos juízes que nenhum item da nova legislação (Lei nº 13.467/2017) terá efeito se contrariar a Constituição. Muitos são inconstitucionais, no entendimento dos cerca de 4 mil juízes filiados à associação nacional Anamatra. Um dos mais contestados é a cobrança da contribuição sindical, que se tornou facultativa em 11 de novembro do ano passado, criando insegurança jurídica e uma enxurrada de reclamações.

“O Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que, por ser de natureza tributária, a contribuição deve ser cobrada. Além disso, a Constituição determina que qualquer mudança nesse sentido tem que ser feita por lei complementar, e a reforma trabalhista é uma lei ordinária”, assinalou o juiz Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra. A avaliação é corroborada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que defendeu a contribuição compulsória.

Para Ana Paula Barbosa Pereira, advogada trabalhista do Nelson Wilians e Advogados Associados, há controvérsias. Com base no princípio da legalidade, a alteração deveria ser por lei complementar, embora muitos juízes tenham dado decisões divergentes. “Do ponto de vista social, por outro lado, acho que a contribuição deve ser facultativa. Muitos sindicatos defendem interesses escusos e não representam a categoria”, criticou.

Outro nó da reforma se refere aos honorários de sucumbência (pagos por quem perde ao advogado da parte vencedora), de 5% a 15% do valor total da causa. Antes, o funcionário não pagava. A justiça gratuita também é um item controverso. É considerado pobre quem ganha 40% do teto do INSS (R$ 5.645) ou até R$ 2.258 mensais. “Se for além do teto, mas tiver 10 filhos, logicamente não tem como pagar”, afirmou Ana Paula. A classe também defendeu correção dos valores nas ações pelos índices oficiais de inflação e não pela Taxa Referencial (TR), atualmente usada, que não recompõe a perda monetária.

Essa é a mais inconstitucional de todas as normas, conforme Feliciano. “Verba trabalhista é de natureza alimentar. Se não é remunerada pela inflação, não faz sentido”, destacou. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) divulgou pesquisa apontando significativa queda no número de ações. Alguns especialistas afirmaram que a redução se deu porque, temendo o desembolso, os empregados desistiram de demandas absurdas.

Para o juiz Ronaldo Callado, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra1/Rio), a leitura é incorreta porque a estatística não aponta que os conflitos acabaram. “Estão represados, porque nem advogados, nem empresários, nem trabalhadores sabem ao certo como lidar com a reforma trabalhista. Ainda este ano vai haver uma explosão de ações”, destacou Callado.

O boom, segundo o magistrado carioca, ocorrerá tão logo a comissão especial do TST termine a revisão da jurisprudência. “Vai ser um norte. Algumas dúvidas serão sanadas. E aí, vai explodir, com certeza”. Ontem, em reunião entre magistrados e parlamentares, Callado revelou que a Justiça do Trabalho está ameaçada de fechar as portas. “A situação é crítica. A previsão é de que o deficit orçamentário chegue a R$ 50 milhões, em 2019, e a R$ 1,6 bilhão, em 2020”, apontou. As restrições vêm desde 2016, quando houve cortes de 90% no investimento e 37% no custeio.