Correio braziliense, n. 20075, 08/05/2018. Mundo, p. 15

 

As prioridades do novo czar

Rodrigo Craveiro

08/05/2018

 

 

RÚSSIA » Ao tomar posse para o terceiro mandato consecutivo, o presidente Vladimir Putin promete fortalecer o poder da nação, defende a cooperação mútua na política externa e anuncia a melhora na qualidade de vida como o objetivo principal de sua gestão

A quarta posse do presidente russo, Vladimir Putin, teve a mesma pompa das anteriores e um discurso digno de um czar. “Farei todo o possível para aumentar o poder, a prosperidade e a glória da Rússia”, declarou o chefe de Estado, no comando da nação há 18 anos, durante cerimônia no Grande Palácio do Kremlin. Diante de deputados, senadores e personalidades do mundo cultural, o mandatário classificou a Rússia como “nação de grandiosas vitórias e façanhas” e a comparou com a mitológica ave Fênix. Em uma de suas primeiras ações na nova gestão, ele propôs a permanência de Dmitri Medvedev no cargo de primeiro-ministro, cargo o qual ocupa desde 2012. A candidatura deverá ser prontamente aceita pela Duma, a Câmara Baixa do Parlamento.

Dois dias depois da detenção de milhares de manifestantes, entre eles o principal líder da oposição, Alexei Navalny, Putin agradeceu a população pelo apoio, segundo o jornal Pravda. “Neste suporte, há fé e esperança de que a Rússia continuará a fortalecer seu poder, e as pessoas vivam melhor”, declarou. O mote de seu novo governo será o reforço da qualidade de vida, sem abandonar a assertividade da política externa russa. Também disse acreditar que “somente uma sociedade livre — aberta a todos os avanços, rejeitando a injustiça, a ignorância, o conservadorismo grosseiro e a burocracia — é exigível para alcançar esses avanços”.

“O objetivo da minha vida será servir ao nosso país. Ao assumir o cargo de presidente da Rússia, estou consciente de minha enorme responsabilidade perante a população”, acrescentou. Ele defendeu que o país esteja pronto para responder aos desafios da atualidade “com toda a sua energia”. “Ao mesmo tempo, precisamos trabalhar com confiança e diligência e para aproveitar toda a nossa força de vontade em áreas onde ainda temos de alcançar os resultados a que aspiramos”, afirmou. Putin também assegurou ser favorável à “cooperação igualitária e mutualmente benéfica com todos os Estados no interesse da paz e da estabilidade em nosso planeta”. Ao citar um “número de períodos obscuros e de desafios”, o “czar da era moderna” disse que a Rússia, “como uma Fênix, se levantou das cinzas todas as vezes, alcançando altitudes que pareciam inatingíveis para outros”. Putin foi reeleito em março passado, com 76,7% dos votos — o melhor resultado desde a ascensão ao poder, em 7 de maio de 2000.

Barganha

Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for Internacional Peace (em Moscou), explicou ao Correio que a posição conciliatória de Putin fez parte de uma estratégia bem definida. “Ele tentará desescalar as tensões no cenário internacional, a fim de se livrar de sanções e retomar a cooperação com o Ocidente, sem, no entanto, retroceder. O Kremlin usará a assertividade para forçar o Ocidente a aceitar os seus termos de barganha”, comentou.

Segundo ela, a promessa de bem-estar e de melhora nos padrões de vida tem sido propagada por Putin há vários anos. “A atual calma política é enganosa. Na década passada, o governo inflacionou os salários e as pensões, usando a alta do preço do petróleo. Mas a era do eldorado do petróleo acabou. Durante os últimos anos, as condições de vida caíram em até 15%. A Rússia se move em direção a uma profunda estagnação, o que significa graves problemas econômicos e inevitável insatisfação popular”, acrescentou.

A especialista russa admite que 16 mil manifestantes foram detidos em protestos que varreram a Rússia nos últimos dias. “A polícia agiu com extrema brutalidade. O Kremlin provou estar pronto para adotar mais políticas repressivas contra a sociedade. Putin jamais liberalizará a situação, por temer uma perda de controle sobre o país”, concluiu Shevtsova.

Parabéns com ressalvas

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parabenizou ontem o homólogo russo, Vladmir Putin, empossado para um quarto mandato, anunciou a Casa Branca, destacando a importância da liberdade de associação, dias após a prisão em massa de manifestantes da oposição. “O presidente o parabeniza na expectativa de um momento em que possamos ter um bom relacionamento com a Rússia”, declarou a jornalistas a secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders. “No entanto, os Estados Unidos acreditam que odo mundo tem o direito de ser ouvido e de se reunir pacificamente.”

Eu acho...

“A Rússia tem caminhado rumo a um regime autoritário mais duro. Um governo totalitário é impossível sem uma ideia mobilizadora, como o comunismo. As instituições democráticas se transformaram em uma imitação desde o início do governo Putin. O problema é que a Rússia carece de forte oposição democrática, dotada de agenda clara e capaz de lutar por mudanças.”

Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou)