Correio braziliense, n. 20076, 09/05/2018. Economia, p. 7
Em crise, Argentina pede socorro ao FMI
Antonio Temóteo e Rosana Hessel
09/05/2018
INTERNACIONAL » Linha de crédito será de US$ 30 bilhões. Em pronunciamento na TV, presidente do país diz que empréstimo é necessário porque condições do mercado internacional pioraram, com alta das taxas de juros e das cotações do petróleo
Em meio a uma forte crise cambial que levou à desvalorização do peso, o presidente da Argentina, Maurício Macri, anunciou ontem, em pronunciamento oficial na televisão, que iniciou conversas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter, para o país, uma linha de crédito que pode chegar a US$ 30 bilhões. Desde 2006, a Argentina não necessitava de financiamento do FMI. Naquele ano, o então presidente, Néstor Kirchner, pagou uma dívida de US$ 9,8 bilhões com o fundo e rompeu as relações com o organismo.
Apesar de permanecer, nesse período, como integrante do fundo, até o fim da gestão de Cristina Kirchner, em 2015, o governo argentino recusou as visitas de avaliação técnica que o FMI faz aos países-membros. A decisão foi uma resposta aos desdobramentos da grave crise econômica de 2001, que provocou a queda de quatro presidentes em uma semana e levou o país à moratória. Naquele ano, o fundo suspendeu o financiamento ao governo de Fernando de la Rúa, o que contribuiu para a quebra da Argentina.
Durante o pronunciamento, Macri informou que fez um primeiro contato com diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, para pedir ajuda financeira. Além disso, disse que tem promovido reformas para tentar reequilibrar as finanças do país.
“Implementamos uma política econômica gradualista que vai resolver o desastre em que as contas públicas foram deixadas. Isso depende de financiamento externo e, nos últimos dois anos, tivemos um contexto favorável. Mas isso está mudando por diferentes fatores: as taxas de juro sobem, o petróleo sobe, as moedas emergentes se desvalorizaram”, disse. O presidente argentino ressaltou ainda que o país está entre os que mais necessitam de financiamento internacional, resultado do rombo nas contas públicas.
Sangria
O dólar, que vinha disparando nas últimas semanas, subiu mais de 5% ontem, chegando a 23,90 pesos, mesmo com as medidas tomadas pelo governo para tentar conter a fuga de investidores. Na última sexta-feira, o Banco Central da Argentina elevou a taxa de juro de 32,25% para 40%. A decisão acalmou o mercado de câmbio naquele dia, mas foi insuficiente para estancar a sangria.
Em coletiva realizada após o pronunciamento do presidente, o ministro da Fazenda da Argentina, Nicolás Dujovne, afirmou que o país tem recursos para cobrir 85% das necessidades financeiras em 2018, mas optou por um financiamento preventivo do FMI para dar garantias ao mercado. “Dado o contexto internacional, quanto mais certeza pudermos dar, melhor. Nosso programa de ajuste gradual nos leva à solvência da dívida, mas nos deixa expostos ao mercado. Por isso decidimos tomar financiamento preventivo do FMI”, afirmou.
Dujovne, que embarcou ontem para Washington para tratar do empréstimo, ressaltou que Lagarde se mostrou favorável ao programa de ajuste gradual do governo Macri para reduzir o deficit fiscal. O ministro, entretanto, não detalhou quais contrapartidas serão exigidas pelo FMI para a liberação dos recursos. Afirmou apenas que a instituição mudou nos últimos 20 anos. “O fundo aprendeu com o passado e, hoje, apoia o programa gradual da Argentina. É possível, portanto, avançar com um programa que possa seguir nosso rumo.”
O ministro ainda assegurou que a taxa de juros cobrada pelo FMI é a mais barata disponível e ressaltou que o prazo e o montante da linha de financiamento serão conhecidos nos próximos dias.
Custo político
A decisão da Argentina de recorrer ao FMI foi avaliada positivamente pelo economista-chefe do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, observando que, ao receber um empréstimo de US$ 30 bilhões, o Banco Central argentino passa a ter mais poder de fogo para conter a desvalorização do peso. Ele alertou, porém, que o valor pode ser limitado, a depender da natureza e da intensidade das pressões cambiais.
Ramos destacou que a linha que deve ser oferecida aos argentinos é conhecida como Flexible Credit Line (FCL) e deve ser paga entre 3 e 5 anos. “A FCL é uma linha de crédito muito flexível, projetada especificamente para países com fundamentos sólidos, bom histórico de implementação de políticas responsáveis e compromisso de continuar a implementar tais políticas e tomar as medidas corretivas apropriadas sempre que necessário”, disse.
No entanto, Ramos ponderou que não está claro se a Argentina realmente se encaixa nessa descrição. “Enquanto as autoridades são certamente ortodoxas e favoráveis ao mercado e comprometidas com a implementação de políticas sólidas, os fundamentos do país não são fortes”, alertou. O economista do Goldman Sachs ainda destacou que, na América Latina, o México tem uma linha de crédito de dois anos de US$ 88 bilhões e a Colômbia, de US$ 11,3 bilhões.
Um economista que passou pelo Ministério da Economia da Argentina, ouvido reservadamente pelo Correio, destacou que a decisão de Macri terá forte custo político, o que enfraquecerá o presidente, mas fortalecerá a equipe econômica do governo. “A decisão é acertada, porque as condicionalidades previstas pelo FMI são baixas. É um acordo muito mais flexível do que os que eram oferecidos há 20 anos pelo FMI. Mas há custo político”, disse.
Na avaliação da economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, o pedido de socorro da Argentina ao FMI foi natural e tem um custo menor do que os acordos anteriores. Para ela, a decisão é correta, dada a situação de desvalorização cambial e alta de juros. “O governo precisará fazer um ajuste fiscal mais rápido para melhorar a situação. Toda decisão tem um custo político, mas esse é muito menor do que levar os juros a 40%. Macri tem dito que o problema é externo, mas no fundo é doméstico”, afirmou.
Apoio
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que o Brasil vai apoiar, no FMI, a aprovação do empréstimo para a Argentina. “Não vejo nenhum motivo para não apoiar”, disse. Para Guardia, a crise cambial no país vizinho não deve contaminar o Brasil. “Não há canal de contágio para a economia brasileira. Temos uma situação confortável. Nosso deficit em conta-corrente é pequeno e financiado por investimentos diretos. Temos reservas extremamente elevadas, de US$ 383 bilhões. Então, não vejo nenhum impacto. É uma situação completamente diferente da Argentina”, garantiu.