Correio braziliense, n. 20076, 09/05/2018. Mundo, p. 14

 

Luta para salvar pacto

Rodrigo Craveiro

09/05/2018

 

 

IRÃ » Presidente Donald Trump cumpre promessa, abandona acordo nuclear e anuncia "o mais alto nível de sanções" contra o regime islâmico. Europeus se unem para implementar compromissos. Teerã ameaça reativar enriquecimento de urânio "em escala industrial"

Em 12 minutos, o presidente americano, Donald Trump, irritou aliados históricos, enfureceu Teerã, instilou o receio de mais conflitos no Oriente Médio e agravou a tensão com Moscou e Pequim. Ao anunciar a retirada dos Estados Unidos do pacto nuclear (Veja arte) — assinado em 14 de julho de 2015 com Irã, Reino Unido, França, Rússia e Alemanha —, o republicano tomou a mais importante decisão de seu governo no âmbito da política externa e pode ter contribuído para aprofundar o isolamento dos EUA. “Eu estou anunciando, hoje, que os Estados Unidos se retirarão do acordo nuclear iraniano. Em poucos momentos, assinarei um memorando presidencial para começar a restabelecer sanções nucleares dos EUA sobre o regime iraniano. Nós instituiremos o mais alto nível de sanções econômicas”, afirmou. As medidas punitivas deverão ser implementadas em até 180 dias.

Na tentativa de salvar o acordo, Paris, Londres e Berlim confirmaram a determinação de ignorar Washington e implementar os compromissos estabelecidos no chamado Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, pela sigla em inglês). O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou aos outros signatários para que cumpram o que foi acertado. O Ministério das Relações Exteriores russo se disse “profundamente decepcionado” e advertiu que Trump “pisoteia grosseiramente as normas da legislação internacional”.

Por sua vez, o líder iraniano, Hassan Rouhani, enviou sinais ameaçadores ao Ocidente. Ao considerar “inaceitável” a decisão dos EUA, ele afirmou que pretende “aguardar poucas semanas” para conversar com parceiros e os outros signatários do documento. “Ordenei à Organização de Energia Atômica que tome as medidas necessárias para que, se for necessário, retome o enriquecimento industrial sem limites”, disse.

Israel e Arábia Saudita, inimigos declarados do Irã, saudaram Trump. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, garantiu avalizar totalmente a “decisão corajosa” de rejeitar “o desastroso acordo nuclear com o regime terrorista de Teerã”.  “O reino apoia (...) os passos anunciados pelo presidente dos Estados Unidos para se retirar do acordo nuclear (...) e restabelecer as sanções contra o Irã”, atestou o Ministério das Relações Exteriores de Riad. Para Ibrahim Kalin, porta-voz da Presidência da Turquia, a saída unilateral dos EUA  “vai causar instabilidade e conflitos”. Especialistas consultados pelo Correio admitem que o risco de guerra no Oriente Médio aumenta após a decisão de Trump e vislumbram a reativação do programa nuclear iraniano.

Discurso duro

O pronunciamento de Trump, na Sala de Recepção Diplomática da Casa Branca, foi marcado pela aspereza. O magnata se referiu ao JCPOA como “um acordo horroroso e unilateral que jamais deveria ter sido feito” e denunciou o regime iraniano como “principal Estado patrocinador do terrorismo”. “Ele exporta mísseis perigosos, abastece conflitos no Oriente Médio e apoia aliados e milícias do terror, tais como o Hezbollah, o Hamas, o Talibã e a Al-Qaeda”, disse. Trump enviou um recado a aliados de Teerã. “Qualquer nação que ajudar o Irã em sua busca por armas nucleares será sancionada fortemente pelos EUA. Não seremos reféns de chantagem nuclear”, avisou.

Diretora do Programa de Não Proliferação do Oriente Médio do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais (em Washington), Chen Kane explicou à reportagem que, se o Irã descumprir o acordo, estará livre para fabricar armas nucleares. “Isso poderá nos levar a ficar mais próximos de uma guerra.” Segundo ela, Trump se recusou a renunciar às sanções contra Teerã. “Caso Washington reimponha todas as sanções, inclusive as secundárias, que alvejem o comércio internacional com o regime iraniano, os países europeus serão incapazes de fechar negócios com o Irã, ou sofrerão penalidades.”

Kane avalia que, se Rouhani cumprir com a ameaça e enriquecer urânio além dos níveis estabelecidos no JCPOA, isso representaria o abandono do pacto. “Com a retirada dos EUA, seria extremamente difícil responsabilizar Teerã pelo descumprimento dos termos do documento”, disse. Por sua vez, Joshua Pollack, editor do The Nonproliferation Review e colega de Kane no mesmo instituto, explicou que Washington não se retirou “formalmente” do pacto. “Não existe previsão sobre isso no texto. Em vez disso, a Casa Branca decidiu desconsiderar o acordo. Como ele não foi confirmado por uma tratativa entre o Executivo e o Legislativo, não há instrumento legal para aplicá-lo. O JCPOA seria ‘politicamente vinculante.”

Pollack concorda com Kane em relação ao perigo de conflito. “O memorando assinado por Trump atribuiu responsabilidade ao Pentágono para impedir que Teerã obtenha armas nucleares. Em outras palavras, essa é uma tarefa militar, não diplomática.

Pontos de vista

Por Chen Kane

Inspeções em xeque

“A decisão de Trump é muito infeliz. O Irã não violou o acordo, e os Estados Unidos não possuem base legal para se retirar dele. Ao retirarem-se do pacto, os EUA não apenas perdem as restrições que o Irã tinha sobre o desenvolvimento de capacidades nucleares, mas também as intrusivas medidas de verificação para garantir que Teerã esteja cumprindo o acordo. Seria melhor o governo Trump aprimorar o acordo do que desistir de todas as ferramentas fornecidas para restringir o programa nuclear iraniano.”

Diretora do Programa de Não roliferação do Oriente Médio do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, em Washington

 

Por Joshua Pollack

Questão de vaidade

“O anúncio de Trump se baseou em nada mais do que sua vaidade pessoal. O republicano está convencido de que nenhum de seus antecessores fez algo certo; somente ele sabe como obter os resultados. O próprio magnata denunciou cada grande feito do governo Obama como defeituoso e buscou danificá-los ou desmantelá-los. Os europeus farão o melhor que puderem para convencer o Irã a permanecer no acordo. Mas terão de enfrentar as ameaças americanas de sanções secundárias.”

Editor do The Nonproliferation Review e especialista em proliferação de mísseis pelo Instituto Middlebury de Estudos Internacionais

O memorando contra Teerã

Sob o título “Cessando a participação dos EUA no Plano de Ação Conjunto Global e tomando ações adicionais para combater a influência maligna do Irã e negar todos os caminhos para uma arma nuclear”, o memorando assinado por Trump se foca em cinco pontos: política, fim da participação no acordo, restauração das sanções, preparação para contingências regionais e monitoramento da conduta iraniana. Trump ordenou a imediata reimposição de todas as sanções suspensas em conexão com o pacto e instou o Pentágono a “se preparar para atender, rápida e decisivamente, a todos os modos possíveis de agressão iraniana contra os EUA, ou aliados”.

Anúncio de Trump

“O chamado acordo nuclear com o Irã supostamente deveria proteger os EUA e nossos aliados da insanidade de uma bomba nuclear iraniana, uma arma que somente colocará em risco a sobrevivência do regime iraniano. De fato, o pacto permitiu que o Irã continuasse enriquecendo urânio e, com o tempo, atingisse a beira de um blecaute nuclear. Hoje, temos a prova definitiva de que essa promessa iraniana era uma mentira”

“Este acordo desastroso deu a este regime — e este é um regime de grande terror — muitos bilhões de dólares, alguns deles em dinheiro, um grande embaraço para mim, enquanto cidadão”

“Um acordo construtivo poderia facilmente ter sido atingido na época. Mas não foi. No coração do acordo com o Irã, havia uma gigantesca ficção de que um regime assassino desejava um programa de energia nuclear pacífico”

“Se eu permitisse que esse acordo se mantivesse, em breve haveria uma corrida às armas nucleares no Oriente Médio. Todos gostariam de ter suas armas prontas no momento em que o Irã tivesse as suas”

“Em poucos momentos, eu assinarei um memorando presidencial para começar a restabelecer sanções nucleares dos EUA ao regime iraniano. Nós instituiremos o mais alto nível de sanções econômicas”

“Os Estados Unidos não mais fazem ameaças vazias. Quando eu faço promessas, eu as mantenho”

“Qualquer nação que ajudar o Irã em sua busca por armas nucleares também poderá ser facilmente sancionada pelos Estados Unidos. Os EUA não serão reféns da chantagem nuclear”

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Obama vê equívoco

09/05/2018

 

 

 

 

Quase sempre, o ex-presidente Barack Obama tem adotado uma postura reservada e evitado comentários sobre o governo do sucessor. Após a decisão de Donald Trump de se retirar do acordo firmado com o Irã e com o grupo de potências P5+1 — EUA, Reino Unido, França, Rússia e Alemanha —, o democrata fez dura crítica ao republicano. Obama classificou o gesto de Trump de “equivocado” e de “grave erro”. “A realidade é clara. O JCPOA (Plano de Ação Conjunto Global) está funcionando”, declarou, por meio de nota, em alusão ao acordo alcançado por sua gestão em 2015.

O democrata sublinhou que a decisão de Trump acaba por afetar seriamente a capacidade dos EUA de se apresentarem como interlocutor confiável. “O constante descumprimento de acordos dos quais nosso país faz parte erode a credibilidade dos Estados Unidos e nos deixa na contramão das maiores potências do mundo”, advertiu Obama. O governo Trump também se retirou do  Acordo de Paris sobre o Clima e do Acordo Transpacífico.