Correio braziliense, n. 20077, 10/05/2018. Negócios, p. 10
Burocracia e eleição atrasam projetos
Paula Pacheco
10/05/2018
INFRAESTRUTURA - Investidores esperavam ritmo mais rápido para a publicação de editais do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). 2018 já é apontado como um ano de frustração
São Paulo – A agenda eleitoral e a burocracia vêm impactando no ânimo dos investidores do setor de infraestrutura. Ao todo, 101 projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o Avançar Parcerias, capitaneado pela Secretaria Especial do PPI, estão à espera de aprovações em diferentes esferas, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso, para só então terem seus editais de concessão publicados.
Até agora, o PPI tem, segundo sua página oficial, 74 projetos concluídos e 101 em andamento. Desses, nove têm previsão de publicação do edital para no segundo trimestre de 2018 – ou seja, dentro de mais 51 dias. No entanto, quatro deles ainda estão sob análise do TCU, em um processo que não tem data para acabar, o que torna a missão de cumprimento desse calendário muito difícil.
Mas não é só no curto prazo que há incongruências entre a meta do PPI e a sua viabilidade. Faltam 235 dias para terminar o ano. Nesse prazo, o governo espera esvaziar a pauta do PPI e colocar os 101 projetos nas mãos da iniciativa privada. O cronograma da Secretaria Especial do PPI começa com a fase de estudos, passa pela consulta pública, acórdão do TCU, publicação do edital, leilão, até chegar à assinatura do contrato de concessão.
Na primeira etapa do PPI, os investimentos foram de cerca de R$ 146 bilhões. Para este ano, prevê o governo, no caso de o calendário se confirmar, esse valor deve ser ligeiramente menor, de R$ 144,2 bilhões.
Para Maurício Endo, sócio-líder de Infraestrutura da KPMG para América Latina, 2018 será um ano de “relativa frustração” para os investidores do setor. “Este não será um ano totalmente perdido. Mas o volume de projetos será menor do que o registrado em 2017. Isso acaba sendo muito frustrante para os investidores que se prepararam para participar das concessões”, avalia o especialista.
O executivo explica que para os investidores é fundamental que o calendário de concessões seja “mais confiável”. “Eles olham oportunidades em vários países, montam suas equipes para acompanhar esses processos. Se o cronograma é alterado, eles podem perder o interesse e focar em mercados com maior previsibilidade”, alerta.
Já o diretor-executivo de Infraestrutura da EY, Gustavo Gusmão, avalia que os investidores contavam com a possibilidade de nem todos os projetos do PPI serem viabilizados em 2018. “De certa forma isso estava precificado, mas não deixa de ser quase uma frustração não ter investido nesse ano”, analisa. Diferentemente do executivo da KPMG, ele acredita que o Brasil não sairá do radar de quem tem dinheiro para colocar em projetos de infraestrutura por conta da velocidade aquém do esperado para o pacote de concessões do governo.
Atrativo
Pesquisa recente da própria EY apontou que o Brasil passou do oitavo para o segundo lugar entre os países com maior atratividade para os investidores. “As empresas sabem que nessa área os projetos precisam de tempo para serem maturados, por isso esse atraso não vai comprometer os planos. Além disso, há a opção de elas escolherem outra forma de investir, por exemplo, por meio da aquisição de outras empresas”, explica. É o que se vê agora com o interesse de duas multinacionais – Enel e Neoenergia – pelo controle da Eletropaulo, distribuidora de energia com atuação na Grande São Paulo.
Segundo José Guilherme Souza, sócio da Vinci Partners, como a demanda por serviços de infraestrutura é muito grande no Brasil, “faz todo sentido se debruçar sobre investimentos no setor, em especial no setor elétrico. Desde meados de 2017 temos percebido que os investidores estrangeiros estão colocando o país na lista de opções para o momento em que a poeira na política baixar, principalmente se o cenário for mais pró-mercado”, analisa.
Presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini lembra que algumas regulamentações que poderiam colaborar para um ritmo mais satisfatório no setor emperraram no Poder Legislativo. É o caso da medida provisória que prevê a devolução amigável de concessões, que ainda precisa de regulamentação sobre a forma como será feita a remuneração dos agentes. Ele cita ainda o caso da MP sobre a repactuação das rodovias e das outorgas dos aeroportos.
“Falta planejamento e clareza sobre a prioridade nos projetos de infraestrutura. Para piorar, o que já está na mão do Estado não vem sendo cuidado. Isso mata a competitividade”, analisa Tadini.
Segurança jurídica
Dono do maior volume de concessões do país, o Grupo CCR se mantém atento às oportunidades. Mas segundo seu presidente, Renato Vale, além de recursos é preciso contar com segurança jurídica. “A infraestrutura representa o maior déficit de investimento no país e, na contramão dessa estatística, é, comprovadamente, necessário para que possamos voltar a registrar índices de crescimento na economia. Por esse motivo, acreditamos que promover recursos para projetos de infraestrutura é fundamental, porém, tão fundamental quanto é garantir segurança jurídica para os investidores, previsibilidade, cumprimento e transparência no marco regulatório e efetividade das políticas de investimento”, opina o executivo.
Segundo Endo, da KPMG, os investimentos em infraestrutura vêm encolhendo por falta de recursos do orçamento público. O ideal, segundo o Banco Mundial, é que 5% do Produto Interno Bruto seja destinado ao setor por ano. O Brasil já chegou a 2,4% entre 2014 e 2015. No ano passado o número foi de 1,5% do PIB e em 2016 foi de 1,7%, ou seja, os valores só encolhem. Para 2018, previsão é que fique entre 1% e 1,5% do PIB.
Por outro lado, tanto Endo quanto Gusmão acreditam que os projetos estaduais e municipais de infraestrutura poderão ganhar espaço em 2018 e 2019. “Vemos a agenda municipal em andamento, mesmo que afetada pela agenda federal, com PPPs (parcerias público-privadas) de menor porte para projetos nas áreas de concessão de contratos de limpeza, transporte e iluminação”, diz o executivo da EY.
Consultada pela reportagem, a Secretaria Especial do PPI alegou indisponibilidade de agenda para atender ao pedido de informação.
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Eletrobras deve ficar para 2019
10/05/2018
Um dos maiores projetos no pacote do PPI é o que prevê a privatização da Eletrobras. Ontem, a comissão especial mista do Congresso que analisa a Medida Provisória 814 (sobre as distribuidoras da estatal) aprovou o texto principal do relatório do deputado Júlio Lopes (PP-RJ), mas ainda faltam os destaques.
A MP 814 tem de ir à votação no plenário da Câmara e do Senado até 1º de junho, do contrário perderá a validade. Por isso, há quem descarte a possibilidade de o leilão acontecer ainda em 2018, como acredita o governo. Maurício Endo, executivo da KPMG, acredita que o calendário eleitoral vai atrapalhar esse planejamento e que o processo só deve ser concluído em 2019.
Para os parlamentares, endossar o projeto de privatização da estatal pode ter um peso na urna, já que existe a possibilidade de as tarifas serem corrigidas para cima quando o controle passar para a iniciativa privada. Em um momento em que os políticos sofrem com a completa desmoralização, apoiar a privatização da Eletrobras pode ter um impacto nas urnas, em outubro, difícil de ser contornado.