Correio braziliense, n. 20077, 10/05/2018. Mundo, p. 14
Façanha diplomática
Rodrigo Craveiro
10/05/2018
COREIAS » Trump anuncia que secretário de Estado, Mike Pompeo, embarcou rumo a Washington com três prisioneiros americanos soltos por Kim Jong-un. Presidente vê "gesto de boa vontade". Para ditador norte-coreano, cúpula com magnata pode trazer "bom futuro"
Horas depois de chocar o mundo com a retirada do acordo nuclear com o Irã (leia na página 15), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou pelo Twitter uma façanha da política externa de Washington. “Tenho o prazer de informar-lhes que o secretário de Estado, Mike Pompeo, está no ar e a caminho de volta da Coreia do Norte com os três maravilhosos cavalheiros que todos estão ansiosos para conhecer. Eles parecem estar em boa saúde. Também, um bom encontro com Kim Jong-un. Data e local marcados”, escreveu, em alusão à libertação dos prisioneiros americanos — o especialista agrícola Kim Hak-song, o ex-professor Kim Sang-duk e o empresário Kim Dong-chul (veja o quadro). “O secretário Pompeo e seus ‘convidados’ aterrissarão na Andrews Air Force Base às 2h (3h em Brasília). Eu estarei lá para saudá-los.”
A Casa Branca, por meio de comunicado, ressaltou que Trump “aprecia a ação de Kim Jong-un de libertar os cidadãos americanos e vê isso como um gesto positivo de boa vontade”. “Os três americanos parecem estar em boa saúde e foram todos capazes de caminhar até o avião, sem assistência. Todos os americanos esperam recebê-los em casa e vê-los reunidos com seus entes queridos”, acrescentou.
O republicano prometeu revelar a data e o local da histórica cúpula com o ditador norte-coreano “em três dias”. Ele descartou, no entanto, que a reunião ocorra na Zona Desmilitarizada (DMZ), na fronteira entre as Coreias. De acordo com KCNA, agência estatal de notícias de Pyongyang, Kim Jong-un admitiu que o encontro com Trump “é uma possibilidade histórica de construir um bom futuro” e um “excelente primeiro passo”. O líder máximo da Coreia do Norte explicou que a libertação do trio de americanos foi resultado de “uma sugestão oficial” feita pelo presidente dos Estados Unidos. É a primeira vez que ele fala publicamente sobre a reunião. Kim confirmou que concedeu “anistia” aos três homens, “que foram detidos na Coreia do Norte por suas atividades contra o país”.
Consenso
A nota da agência confirma que Kim chegou a um “consenso satisfatório com Pompeo”. O chefe da diplomacia de Washington comentou, pelo Twitter, o sucesso do encontro, que durou uma hora e meia. “Tive reuniões produtivas em Pyongyang com o presidente Kim Jong-un e fizemos progressos. Estou muito feliz em trazer os três americanos para casa.”
Segundo o The Washington Post, Trump admitiu surpresa com a concessão de Kim. “Ninguém imaginava que isso fosse ocorrer e, se ocorresse, levaria anos ou décadas, francamente”, afirmou, em reunião na Casa Branca. “Eu agradeço a Kim Jong-un por fazer isso e permitir que eles partissem.” A libertação dos prisioneiros remove um obstáculo emocional para o diálogo entre os mandatários.
A família de Kim Sang-duk, também conhecido como Tony Kim, divulgou comunicado em que se diz “muito agradecida pela libertação”. “Nós queremos agradecer a todos que trabalharam para isso e contribuíram para seu retorno. Nós queremos agradecer ao presidente por se engajar diretamente com a Coreia do Norte. Acima de tudo, agradecemos a Deus pelo retorno seguro de Tony.”
O casal Fred e Cindy Warmbier — pais de Otto, estudante de 22 anos que morreu após ficar detido na Coreia do Norte — se disse “feliz pelos reféns e suas famílias”. “Nós sentimos saudades de Otto”, escreveram.
O sul-coreano Won K. Paik, professor de ciência política da Universidade Central de Michigan, explicou ao Correio que a libertação do trio é útil tanto para Trump quanto para Kim. “O norte-coreano pedirá algo em troca, enquanto o americano vai classificar o gesto de maravilhoso, mas pedirá o desmantelamento nuclear”, observou. “Trump buscará uma política de inspeção e verificação absoluta do arsenal de Kim.” Ele compara a decisão de Pyongyang ao noivo que teve um dia péssimo na véspera do casamento. “Há uma tradição coreana segundo a qual o noivo pode ser sequestrado pelos amigos, em troca de resgate, na véspera da cerimônia. Quanto mais numerosos e escandalosos forem os amigos, mais dinheiro e mais bebidas eles terão.”
Candidata a chefiar CIA descarta tortura
Em dura sabatina na audiência de confirmação como diretora da Agência Central de Inteligência (CIA), perante o Senado dos EUA, Gina Haspel garantiu que a entidade não retomará programas de tortura de prisioneiros. Haspel, de 61 anos, vice-diretora da CIA, enfrentou forte oposição após a nomeação em razão de seu trabalho em uma prisão secreta na Tailândia, em 2012, onde suspeitos de pertencer à rede Al-Qaeda foram torturados. “Por ter servido nesse período conturbado, posso oferecer o compromisso pessoal, claro e sem reserva, de que, sob minha liderança na CIA, não será restabelecido tal programa de detenção e interrogatórios”.
TUITADAS
“Tenho o prazer de lhes informar que o secretário de Estado, Mike Pompeo, está no ar e a caminho de volta da Coreia do Norte com os três maravilhosos cavalheiros que todos estão ansiosos para conhecer. Eles parecem estar em boa saúde. Também, um bom encontro com Kim Jong-un. Data e locais marcados”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos
Liberdade negociada
Quem são os norte-americanos soltos pelo regime norte-coreano
Kim Hak-song
Quando foi preso, em maio de 2017, Kim Hak-song trabalhava para a Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang, envolvido em um projeto de desenvolvimento agrícola na fazenda experimental do instituto. Foi preso na estação ferroviária da capital norte-coreana, no momento em que embarcava rumo a Dandong, cidade onde vivia. As autoridades o acusaram de cometer “atos hostis” contra o governo. Kim, de cerca de 50 anos, nasceu em Jilin, na China, e estudou em uma universidade da Califórnia, segundo a rede CNN, que cita um ex-colega de classe. De acordo com essa fonte, ele havia voltado para a China após cerca de dez anos nos Estados Unidos.
Kim Sang-duk
Conhecido como Tony Kim, foi detido em abril de 2017, no principal aeroporto de Pyongyang, quando se preparava para deixar o país, após lecionar por várias semanas. Também trabalhava para a Universidade de Ciência e Tecnologia. Atuava, ainda, como professor de contabilidade em uma universidade na cidade de Yanbian, na China, perto da fronteira com a Coreia do Norte. De acordo com a agência de notícias sul-coreana Yonhap, ele teria cerca de 60 anos. Participava de programas para ajudar crianças em áreas rurais. A Yonhap o descreveu como “um homem muito dedicado”. Seu filho indicou no Facebook que a família não recebeu notícias desde a sua prisão.
Kim Dong-chul
O empresário de cerca de 60 anos foi sentenciado, em abril de 2016, a 10 anos de trabalho forçado, acusado de subversão e espionagen. Preso em outubro de 2015, após receber pendrive com dados relacionados a atividades nucleares e a informações militares, de acordo com a agência norte-coreana KCNA. Em janeiro de 2016, Kim explicou à CNN que recebeu o material de um ex-soldado norte-coreano. Ele acrescentou que era naturalizado americano e morava em Fairfax, na Virgínia. Contou que administrava uma empresa de comércio e de serviços de hotelaria e negócios em Rason, a zona econômica especial da Coreia do Norte.