O globo, n. 30938, 21/04/2018. País, p. 3

 

Tempestade perfeita

Amanda Almeida, Bela Megale, Jailton Carvalho, Mateus Coutinho e Thiago Herdy

21/04/2018

 

 

Depois de virar réu no STF, Aécio é atingido por denúncias de empresários e ex-ministro

-BRASÍLIA- Na mesma semana em que se tornou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de justiça, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi alvo de dois novos depoimentos prestados à Polícia Federal por empresários que o apontam como beneficiário de repasses ilícitos. Um deles foi concedido na quinta-feira pelo dono da J&F Joesley Batista, que afirmou ter repassado R$ 110 milhões a Aécio na campanha de 2014. O outro foi dado na última terça-feira por Sérgio Andrade, um dos donos da Andrade Gutierrez. Ele confirmou que um contrato de R$ 35 milhões, firmado em 2010 entre a construtora e uma empresa de um amigo de Aécio, tinha como objetivo fazer com que esse recurso chegasse ao senador. Os valores citados pelos dois empresários já eram conhecidos pelos investigadores. A diferença é que foi a primeira vez que o dono da construtora tratou do assunto no processo. Já no caso da J&F, a novidade, nesta fase da investigação, foi o conjunto de provas apresentado pelo delator.

Além de enfrentar acusações na Polícia Federal, Aécio também teve de dar explicações sobre sua conduta como senador, depois que o deputado Osmar Serraglio (PP-PR) reiterou ter sido pressionado pelo tucano a nomear um delegado da Polícia Federal para atuar nas investigações que o envolviam, como revelou O GLOBO ontem. O senador já é réu neste caso, mas as investigações que envolvem Joesley e Sérgio Andrade ainda são alvos de inquérito em apuração pela PF. Até o momento, ambos não se tornaram objetos de denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Aécio negou as acusação de Andrade e Joesley. Afirmou que todas as doações recebidas pelo político e pelo PSDB sob sua presidência estão devidamente registradas e declaradas à Justiça eleitoral e que nunca falou com Andrade sobre ilicitudes. Em relação a Joesley , o advogado Alberto Toron disse que o empresário está tentando “de forma desesperada manter seu acordo de delação premiada”. Sobre as declarações do ex-ministro da Justiça Osmar Serraglio, Toron também negou qualquer pressão por parte do senador.

REPASSE DE R$ 110 MILHÕES

Em seu depoimento, Joesley afirmou ter repassado R$ 110 milhões a Aécio contando com a futura atuação do tucano em favor dos negócios da J&F. O pagamento teria sido dividido com outros partidos que apoiaram o candidato do PSDB à Presidência da República. Joesley disse aos investigadores que aceitou fazer o repasse porque considerou que Aécio “era um candidato em ascensão e, para alguns, seria o próximo presidente da República”. Para comprovar o seu relato, entregou aos investigadores uma planilha de “doações”, notas fiscais e recibos. Os documentos comprovariam a parte do dinheiro repassada via doações oficias e a parte via caixa dois. Aécio sempre negou irregularidades nas suas relações com o dono do grupo J&F.

Joesley contou ainda que, após o acerto dos R$ 110 milhões, foi procurado novamente pelo candidato do PSDB que lhe pediu mais R$ 18 milhões. Neste momento, a eleição já tinha acabado, e o tucano precisava do montante para cobrir dívidas da campanha. A partir daí, ficou acertado que a transação seria mascarada com a compra de um prédio em Belo Horizonte. O negócio seria intermediado por Flávio Carneiro, um dos donos do jornal “Hoje Em Dia”, e foi um dos temas da delação da J&F.

Esse depoimento foi um complemento de um realizado no dia 26 de março, que também teve o senador tucano como personagem. Em outro depoimento concedido pelo dono da J&F em agosto do ano passado e publicado ontem pelo jornal “Folha de S.Paulo”, Joesley contou à PF que pagou uma mesada de R$ 50 mil ao tucano por dois anos. Segundo o jornal, o dinheiro teria sido repassado a Aécio por meio de uma rádio da qual ele era sócio. Joesley afirmou que os pagamentos teriam sido solicitados pelo tucano em um encontro no Rio de Janeiro, no qual Aécio disse que usaria o dinheiro para “custeio mensal de suas despesas”. Joesley entregou aos procuradores 16 notas fiscais emitidas entre 2015 e 2017 pela Rádio Arco Íris, em Belo Horizonte.

Já um dos donos da Andrade Gutierrez, Sérgio Andrade, foi ouvido na investigação que apura se Aécio recebeu propina da empreiteira e da Odebrecht para atuar a favor das mesmas na construção da Usina Santo Antônio, no Rio Mainterrogatório deira, em Rondônia. O empresário confirmou à PF que um contrato de R$ 35 milhões firmado em 2010 entre a empreiteira e uma empresa de Alexandre Accioly, compadre e apontado como operador do tucano, tinha o objetivo de repassar recursos ao senador. Ele é o segundo executivo ligado à Andrade Gutierrez a reforçar as suspeitas dos investigadores de que o pagamento era propina. Há cerca de seis meses, o ex-diretor do grupo e delator Flávio Barra revelou que o repasse a Accioly era referente a uma sociedade que nunca existiu.

Sérgio Andrade também confirmou o acerto feito entre a Andrade Gutierrez e a Odebrecht, citado na delação premiada de executivos do grupo baiano, entre eles o ex-presidente e herdeiro da companhia Marcelo Odebrecht. Marcelo relatou a combinação de um pagamento de R$ 50 milhões a Aécio, sendo que R$ 30 milhões seriam repassados pela Odebrecht e R$ 20 pela Andrade Gutierrez. De acordo com Marcelo, o objetivo dos pagamentos a Aécio era para que ele influenciasse decisões da Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig) — estatal de energia mineira — e de Furnas — estatal federal — a favor das duas empreiteiras. Cemig e Furnas são sócias de Santo Antônio. Em seu depoimento, Sérgio Andrade disse não ter conhecimento das contrapartidas para o pagamento mencionadas por Marcelo, mas mencionou que a contribuição foi um repasse por meio de caixa dois.

SENADOR TINHA INFLUÊNCIA NO SETOR ELÉTRICO

Na época do pedido, Aécio exercia seu segundo mandato como governador de Minas Gerais e integrava a oposição ao governo do então presidente Lula, responsável por licitar Santo Antônio. Apesar disso, tinha influência no setor elétrico devido à sua relação com Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, além de estar à frente do estado que comanda a Cemig, outra sócia do empreendimento.

O acionista da Andrade Gutierrez disse à PF que foi procurado por Marcelo em 2008 para tratar de doações a diversos partidos, entre eles o PSDB, relativas às campanhas de 2010. Afirmou que não participou diretamente do pagamento ao tucano, mas que repassou o pedido a executivos da empresa e que, posteriormente, soube que o acerto foi feito por meio de caixa dois. Disse ainda que o único político que encontrou foi Aécio. Sérgio Andrade relatou que tomou conhecimento do contrato firmado entre a Aalu Participações e Investimentos, que pertence a Accioly, e a Andrade Gutierrez somente após Flávio Barra relatar aos investigadores que o repasse a Aécio foi feito por meio dele. Disse que depois disso foi procurar informações sobre esse contrato e que ele não tinha nenhum elemento de “materialidade”.

Naquela época, Accioly confirmou à reportagem o repasse, mas negou se tratar de propina, e sim investimento da Andrade Gutierrez na rede de academias que é controlada pela Aalu. Segundo ele, a Andrade e nenhum acionista receberam dividendos. O empresário afirma que a empreiteira “permanece como acionista” por meio de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP) com a empresa Safira Participações, que pertence ao grupo mineiro. A Andrade, por sua vez, negou a alegação de Accioly e informou que “não é e nunca foi sócia na rede de academias”. Procurado novamente por O GLOBO, Accioly reiterou a versão. Disse que essa sociedade jamais distribuiu dividendos desde sua constituição e afirmou que tem “farto material” para comprovar que o negócio é válido. A Andrade Gutierrez disse que não pode comentar o assunto porque ele está sob segredo de justiça.

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Para aliados, senador mineiro não tem mais condições de se candidatar

Catarina Alencastro, Adriano Mendes e Bruno Góes

21/04/2018

 

 

Avaliação é que se Aécio entrar na disputa vai atrapalhar Anastasia

 

-BRASÍLIA- Depois de a coluna Poder em Jogo, do GLOBO, ter revelado as declarações do ex-ministro da Justiça Osmar Serraglio confirmando que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tentou pressioná-lo a nomear um delegado da Polícia Federal “de sua preferência para investigar suas ações delituosas”, aliados do tucano disseram ontem que o episódio piora a situação política de Aécio.

Vice-presidente do PSDB, o deputado Ricardo Trípoli (SP) reverberou as declarações do pré-candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, e afirmou não acreditar que Aécio dispute as eleições. Na avaliação de Trípoli, o senador mineiro não irá insistir na candidatura, sabendo que poderá prejudicar o também senador mineiro Antonio Anastasia, pré-candidato ao governo de Minas Gerais.

— Não acredito que o Aécio faria qualquer coisa para prejudicar Anastasia. Imagino que ele optará por não ser candidato — disse Trípoli.

A avaliação de que Aécio vem perdendo a viabilidade eleitoral é majoritária entre os parlamentares tucanos e de outros partidos. Caso insista em se lançar à reeleição, o senador terá que subir no palanque do colega Anastasia, podendo prejudicá-lo numa disputa que já não é fácil para ele. Anastasia concorrerá com o atual governador, Fernando Pimentel, e com Rodrigo Pacheco (DEM). O atual líder do PSDB na Câmara, Nilson Leitão, preferiu ontem não criticar diretamente Aécio, mas reconheceu que, “se houve” a atuação do senador para pressionar o então ministro da Justiça a indicar um delegado de sua influência, o fato “não é bom”.

— Se houve pressão nesse sentido, não é bom. Mas esse assunto já foi transformado em ação; ou seja: a Justiça tomará conta da forma adequada — disse Nilson Leitão (MT).

Na terça-feira, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade tornar o senador Aécio Neves réu pelo crime de corrupção passiva. O caso remonta a delação da J&F na qual Aécio foi incluído depois de ter sido gravado pelo empresário Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões. Na denúncia aceita pelos ministros, o dinheiro é tratado como propina. Aécio alega que se tratava de um pedido de empréstimo para custear despesas com advogados. O senador também se tornou réu por supostamente usar o mandato parlamentar para tentar atrapalhar investigações da Lava-Jato. Nesse caso, o crime de obstrução de justiça foi aceito pela maioria da turma.

Apesar de estar desgastado, Aécio Neves continua sendo temido pelos aliados. Tanto que, publicamente, nenhum tucano aceita criticar o senador mineiro. A coisa muda, quando as declarações são dadas em privado.

— O assunto Aécio está encerrado, ele não vai ser candidato. É chutar cachorro morto. Politicamente acabou, ele está fora. Vai ficar aí se defendendo. Tá fora do jogo. Chance zero para ele — diz um parlamentar tucano.

Em nota, a defesa do senador Aécio Neves refutou as acusações do ex-ministro. “Todas as conversas que ele teve sobre o tema foram no sentido de mostrar seu inconformismo com inquéritos abertos sem qualquer base fática, em especial, com a demora em serem concluídos, levando a um inevitável desgaste”.